Portugal vai pedir medida de exceção a Bruxelas para usar bitola ibérica no TGV

27 jun, 07:00
Parlamento dá ‘luz verde’ ao TGV (evitando o desperdício de 700 milhões de euros)

Governo pretende adiar mudança para a bitola europeia e a justificação tem por base argumentos de custo e benefício, como o aumento do preço do projeto da Alta Velocidade, a quebra da ligação com outras redes ferroviárias nacionais, como a Linha do Norte, ou a relação com Espanha

O Estado português prepara-se para avançar com um pedido à União Europeia (UE) para que o TGV que irá ligar Lisboa e Porto possa ser alvo de uma exceção e seja construído em bitola ibérica – que é 23,3 centímetros mais larga do que a bitola europeia, aquela que a UE quer ver na ferrovia dos vários países, apurou a CNN Portugal. Em causa está uma nova versão de um regulamento da UE, que como a CNN Portugal/TVI noticiou, torna obrigatório que todos os novos troços ferroviários sejam construídos na mesma bitola, no caso a bitola europeia, de forma a que passe a existir uma ligação mais fácil entre as capitais e principais cidade dos vários Estados-membro. 

De acordo com o regulamento do UE, o TGV Lisboa /Porto - cujas candidaturas para a construção do primeiro troço têm de ser entregues até à próxima terça-feira – tem de estar em bitola europeia até 2030.

Fonte oficial do Ministério das Infraestruturas e da Habitação confirmou à CNN Portugal que o "o Estado Português está em conversações com a Comissão Europeia sobre o tema da bitola europeia”.  A ideia, sabe a CNN Portugal, é conseguir luz verde para não aplicar aquele prazo de 2030 para a Alta Velocidade entre Lisboa e Porto, mas adiar a mudança de bitola para mais tarde, recorrendo depois a fundos europeus.  

Apenas se aguarda que o novo regulamento seja publicado no Jornal Oficial da UE, para que o Executivo avance com um pedido de isenção de Portugal em relação às novas regras que impõe a bitola europeia.  

Custos de mais três mil milhões 

Este pedido do Estado português terá de ser sustentado recorrendo a uma possibilidade prevista no próprio regulamento que permite a prorrogação do prazo da sua aplicação com base em critérios de custos e benefícios. E segundo apurou a CNN Portugal, contas das entidades do setor, nomeadamente das Infraestruturas de Portugal - entidade que gere a Alta Velocidade -, indicam que as mudanças da bitola ibérica para a europeia podem ter um impacto financeiro no projeto atual do TGV que ascenderia aos três mil milhões de euros.  

Isto porque caso a bitola europeia tivesse de ser usada já no TGV seria preciso construir troços totalmente novos que não estão previstos no projeto da Alta Velocidade entre Lisboa e Porto que está em vigor e orçamentado, segundo explicou à CNN Portugal fonte ligada ao processo. 

No troço entre o Carregado e Lisboa, por exemplo, está previsto,como noticiou a CNN Portugal, que os comboios de Alta Velocidade usem a linha do Norte, que é em bitola ibérica. E se as novas regras não forem adiadas, implica fazer uma outra linha totalmente nova e autónoma em bitola europeia só para o TGV para ligar o Carregado e Lisboa, já que a bitola da Linha do Norte não pode ser alterada. 

Além disso, nestas contas entram também os novos troços que teriam de ser lançados para ligar a linha de Alta Velocidade a algumas cidades, como Aveiro e Coimbra cuja ligação, mais uma vez, está prevista ser feita através da Linha do Norte.

Por outro lado, há a questão de Espanha que tem a linha que liga a fronteira portuguesa a Madrid em bitola ibérica e a mudança para a bitola europeia terá de ser ainda acordada entre ambos.  

Portugal vai assim insistir junto de Bruxelas na necessidade de manter intacta a ligação entre as duas redes, o TGV e a Linha do Norte. De acordo fontes do setor, outro dos argumentos que Estado português poderá usar é o de que se linha de Alta Velocidade estiver em bitola europeia não pode ser usada por todos os comboios que Portugal tem em bitola ibérica, nomeadamente os novos, o que levaria a que um serviço para a Guarda não poderia ganhar tempo indo até Coimbra na nova linha e teria de continuar a ir pela Linha do Norte. 

Na bitola europeia os carris estão a uma distância de 143,5 centímetros; já na bitola ibérica a distância entre os carris é de 166,8 centímetros. 

Este regulamento com as orientações para a rede transeuropeia de transportes já é antigo, mas recentemente sofreu alterações que vieram tornar obrigatório o uso da bitola europeia nas novas construções de ferrovia. Para isso, foram definidos prazos com base nos anos previstos para a sua conclusão: algumas linhas terão de estar nessa bitola em 2030 (caso da Alta Velocidade Lisboa/Porto) e outras em 2040.  

UE quer "rede de transportes fiável, sem descontinuidades e de elevada qualidade"

Esta nova versão do regulamento foi proposta pela Comissão Europeia, tendo sido depois aprovada e alterada pelo Parlamento. Este mês de junho teve a luz verde final do Conselho na União Europeia. A ideia é "criar uma rede de transportes fiável, sem descontinuidades e de elevada qualidade que garanta uma conectividade sustentável em toda a Europa sem interrupções físicas, estrangulamentos e ligações em falta", refere a UE. Aguarda-se agora que seja publicado no Jornal Oficial da UE, entrando em vigor 20 dias depois.

De acordo com artigo 17.º do regulamento, "em casos devidamente justificados, a Comissão, a pedido de um Estado-Membro, adota atos de execução que concedam isenções temporárias" à obrigatoriedade de usar bitola europeia nas linhas de comboio construídas depois da publicação deste documento. Para isso, explica-se ainda, o pedido tem de se basear "no resultado negativo de uma análise dos custos e benefícios socioeconómicos" em proceder à sua aplicação imediata.

Segundo fonte ligada ao processo, o Estado português pode pedir a isenção por o prazo que entender, cabendo à Comissão aprovar o pedido. Quando terminar esse prazo, Portugal terá de alterar a bitolas das linhas ferroviárias, podendo incluir os custos associados a essa mudança nas negociações de um quadro comunitário.

Entretanto, na próxima terça-feira, dia 2 julho, termina o prazo das candidaturas para a construção e manutenção do primeiro troço entre o Porto a Oiã, em Aveiro, com um total de 71 km.

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