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Jornalista especialista em assuntos internacionais

Navalny e a vitória do Mal

17 fev, 08:52

Quando a máxima está nos 21 graus negativos, e a mínima se aproxima dos -30, há muitas formas de morrer numa colónia penal no círculo polar ártico no inverno, embora seja possível que nunca venhamos a saber o que matou realmente Alexei Navalny

Ainda esta quarta-feira, Navalny foi visto pelo seu advogado que disse que ela estava bem disposto, apesar das dificuldades do local para onde tinha sido transferido em dezembro passado.

Nas aparições públicas, Navalny aparecia magro e com má cor. O seu advogado denunciava condições desumanas pelos períodos extensos passados em solitária. Havia notícia de problemas de saúde, os mais próximos sabiam pouco dele.

Como podiam? 

A Rússia é o único país da história em que os serviços secretos subiram para as mais altas esferas do poder, de tal forma que colocaram um dos seus homens na presidência do maior país do mundo, dono do maior arsenal nuclear.

 Morrer numa colónia penal gelada segue uma tradição soviética que se mantém em pleno século XXI nos confins do território imenso da Federação Russa. 

Mudou  o nome, foi forçada a fazer um reajuste traumático do seu ego, mas na Rússia o destino é fatal para os que criticam, questionam e querem algo um pouco melhor ou diferente do que o regime de Vladimir Putin.

Navalny era atrevido, provocador, convencido.  Na verdade, era muito russo. Tinha aquela masculinidade eslava que é maior que o mundo e, tal como um russo que se preze, era um nacionalista.

A masculinidade e a ideia da Rússia são enormes para aqueles lados porque o próprio território e a história traumática ajudaram a construir uma identidade imensa. 

Num país autoritário, Navalny tinha as ideias claras: ou se é a favor ou contra o estado autoritário.

Ele era contra e dedicou grande parte da sua vida adulta a denunciar os meandros do esquema corrupto e ladrão que se tinha infiltrado em todo o aparelho de estado, neutralizando gradual e sistematicamente a administração da Justiça, a Imprensa e toda e qualquer contestação,  com a criação e promoção de milionários, os oligarcas, que constituíam o tecido de cumplicidades e traições do  que chegou a ser chamado castelo de cartas. 

Acredito que se ele não fosse opositor do homem forte, não seria tão agradável para os olhos ocidentais. Um russo forte como ele é orgulhoso, direto, agressivo. Os eslavos falam uma linguagem diferente, são de um universo distinto.

Para além de nacionalista, Navalny esteve por um período próximo de grupos neo nazis russos que não queriam imigrantes de outras repúblicas da federação e, como é óbvio, de antigas repúblicas soviéticas. O “ser russo” daquele Navalny não era muito simpático. Rapidamente se afastou  dele. O camino era outro.

O foco, o objetivo maior, era derrubar o regime de Putin.

 O homem novo era moderno: formado, preparado, dominava as técnicas de comunicação de massas e fez da internet uma aliada. Usou o humor e a ironia para desmascarar e pôr em miúdos o complexo esquema de favores, subornos e saque do estado.

Nas agências de notícias chegavam as imagens das manifestações, das detenções e de como ele era o primeiro a ir dentro.

Com o olhar brilhante, quase infantil e provocador,  gostava de dizer que a única coisa que serve para vencer o mal é a luta das pessoas boas. 

Depois do atentado que o levou a recuperar na Alemanha de um envenenamento, Navalny decidiu voltar a Moscovo. Ninguém compreendia porquê…

Tinha sobrevivido ao Novichok, o agente de nervos de marca soviética, esperava-o a prisão. É possível que se sentisse invencível na sua ousadia e é certo que tinha a coragem da loucura.  Talvez tenha sido esse orgulho tão russo que o tenha motivado a regressar para confrontar novamente o que qualificava de poder ladrão e assassino do Kremlin.

Sem surpresa, foi detido nesse dia de 2021. Em fevereiro de 2024, morreu. 

Como a outras figuras políticas da história recente russa, não lhe foi permitido sobreviver à audácia de questionar Putin  e isso confere a Navalny o caráter absolutamente irresistível e louvável para aqueles que vivem em sociedades livres.

A coragem de Navalny é maior que as suas imperfeições e, tal como a sua alma trágica russa previa, foi vencido pelo mal.

É isso que o aproxima a psique do ocidente. E o dia do anúncio da sua morte fez-nos sentir o sabor da sua amarga derrota.

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