"Putin vai afastar-se da morte de Navalny" mas a oposição não o vai largar - e já há um novo "rosto" que promete "desafiar" o regime

CNN Portugal , BCE
16 fev, 21:14
Vladimir Putin (EPA/MIKHAEL KLIMENTYEV / SPUTNIK / via LUSA)

Analistas acreditam que o verdadeiro impacto da morte do ativista russo só se irá verificar após as eleições presidenciais russas, marcadas para março deste ano, altura em que a oposição deverá reorganizar-se em torno de um novo "rosto"

"Hoje em dia, ser opositor de Putin significa ter uma esperança média de vida muito baixa". As palavras são do embaixador Francisco Seixas da Costa, que mostra assim, com ironia, a impunidade do presidente russo, mesmo quando o mundo inteiro o responsabiliza pela morte do seu principal opositor, Alexei Navalny.

Apesar de ainda não se saber exatamente os contornos da morte de Navalny, os líderes ocidentais, da Europa aos EUA, não demoraram a culpar Vladimir Putin pela morte do ativista. "Diga Putin o que disser, ninguém vai acreditar que não esteja por detrás da morte de Navalny, quanto mais não seja por o manter preso em condições difíceis", nota o embaixador, em declarações à CNN Portugal.

Ainda assim, e mesmo que se venha a comprovar um envolvimento do Kremlin, os analistas ouvidos pela CNN Portugal consideram que o presidente russo não vai sofrer quaisquer consequências internas, até porque, contrariamente ao que acontece no Ocidente, Navalny "não é uma figura muito conhecida na Rússia", aponta Francisco Seixas da Costa.

"Navalny era conhecido em determinadas elites urbanas, nomeadamente aquelas que não gostam do regime, mas, tendo em conta o controlo da máquina informativa por parte de Putin, Navalny era uma figura vagamente conhecida como mais um opositor a Putin", explica o embaixador, lembrando que o ativista obteve apenas 27% dos votos quando concorreu às eleições municipais de Moscovo.

De acordo com o embaixador, outros opositores de Vladimir Putin, como Vladimir Zhirinovsky e Guennadi Ziuganov, são figuras "mais famosas na Rússia do que Navalny".

Como a guerra na Ucrânia virou os russos contra Navalny

Francisco Seixas da Costa atribui esta fraca popularidade de Navalny não só ao "controlo muito firme" de Putin sobre a sua oposição interna, mas também ao facto de Navalny ser assumidamente contra a guerra na Ucrânia, o que "não é uma mensagem positiva para os russos".

É que, segundo as sondagens locais, a invasão da Ucrânia conta com o apoio popular dos russos, pese embora o reforço do recrutamento militar, que tem vindo a separar várias famílias. E isto deve-se ao facto de Putin ter conseguido "vender a guerra na Ucrânia como uma guerra de sobrevivência nacional, o que coloca Navalny do lado daqueles que põem em causa a sobrevivência nacional", sublinha o embaixador.

Mesmo com a pouca popularidade que granjeava entre os russos, várias pessoas saíram esta tarde às ruas de Moscovo e São Petersburgo para prestar homenagem ao ativista Alexei Navalny, contrariando assim os avisos das autoridades.

Na perspetiva de Francisco Seixas da Costa, estas homenagens e demonstrações de apoio são precisamente das "elites urbanas" que já o apoiavam, mas que, na prática, não causam "nenhum impacto interno". Do lado do presidente russo, o embaixador acredita que "Putin vai afastar-se da morte de Navalny" o mais possível - o que já é evidente, tendo em conta que o presidente russo ainda não prestou declarações sobre o assunto - e "seguramente não vai deixar que isto seja explorado pela sua oposição".

Também Tiago André Lopes, professor de Relações Internacionais, considera que a morte de Navalny tem um "efeito interno muito reduzido", salientando, tal como Francisco Seixas da Costa, que "a figura de Navalny não tem o peso que nós lhe damos no Ocidente". O especialista faz mesmo um paralelismo com a morte de Yevgeny Prigozhin, quando o Ocidente esperava "um grande momento de tensão", especulando-se até uma eventual queda do regime, mas "não aconteceu nada". "Parece-me que aqui será igual", compara.

O novo "rosto" da oposição russa

Tiago André Lopes acredita que o verdadeiro impacto da morte do ativista russo só irá verificar-se após as eleições presidenciais russas, marcadas para março deste ano, altura em que a oposição russa deverá reorganizar-se a partir da diáspora, cumprindo assim o desígnio de Navalny.

"Os russos que estão concentrados quer na Áustria, quer na Alemanha, quer na Itália, vão começar a reorganizar-se politicamente para depois lançar uma plataforma de oposição, e aí sim pode surgir um novo rosto para substituir Navalny, tal como ele substituiu outros que o antecederam", antecipa o especialista.

Esse rosto poderá ser o de Boris Nadezhdin, aponta Tiago André Lopes, referindo-se ao opositor de Putin, que muitos chamam de "candidato da paz", por se opor à guerra na Ucrânia, e que foi impedido de concorrer às próximas eleições por decisão do Supremo Tribunal da Rússia. "Se Boris Nadezhdin aproveitar esta fase mais confusa para sair da Rússia - eventualmente para a Polónia, para a Lituânia, para um destes países próximos, que têm comunidades russófonas significativas - ele pode vir a tornar-se esse rosto", diz o especialista.

Boris Nadezhdin, o "candidato da paz" que foi impedido de concorrer às eleições presidenciais russas, de março de 2024 (AP Photo/Alexander Zemlianichenko)

Mas não basta sair da Rússia, acrescenta o professor, apontando que geralmente, nestas situações, os opositores tentam "construir uma rede de apoios informal no estrangeiro", quer com líderes europeus como com os EUA, para depois concorrer às eleições internas e causar "um desafio sério ao regime".

Até lá, porém, "já sabemos que Putin vai ganhar" estas eleições presidenciais, prevê Tiago André Lopes, sublinhando que o presidente russo "parece estar a querer caminhar para uma vitória de grande escala", que, aliás, "nunca teve". "Putin sempre obteve resultados relativamente modestos para um autocrata, na casa dos 50%, 55%. Desta vez, ele vai querer uma vitória incontestável, nos 80%, para mostrar que, apesar da guerra, há unidade nacional em torno dele", aponta.

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