Mais perto do fim da guerra ou à beira de uma escalada? O que significa a morte do 'número dois' do Hamas

CNN Portugal , BCE
3 jan, 13:09
Ataque de drone mata número dois do Hamas no Líbano (Hussein Malla/AP)

Os analistas militares admitem que o assassínio de um dirigente do Hamas na capital libanesa pode provocar "uma escalada do conflito" no Médio Oriente, antecipado-se que a guerra se estenda ao Líbano, com um eventual envolvimento do grupo xiita libanês Hezbollah na guerra com Israel

O assassínio do 'número dois' da liderança política do Hamas em Beirute, capital do Líbano, "poderá resultar numa escalada do conflito" no Médio Oriente, com o eventual envolvimento do Hezbollah, admite à CNN Portugal o major-general Isidro de Morais Pereira.

Apesar de Israel não ter reivindicado o ataque que matou Saleh al-Arouri na capital libanesa, o especialista militar diz que "parece claro que terá sido Israel a enviar o drone" que provocou a explosão numa delegação do grupo nos subúrbios de Beirute e que também matou dois líderes das brigadas al-Qassam. Isto porque "Israel já tinha vocalizado a intenção de eliminar não apenas os operacionais que combatem na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, mas também todos aqueles que pertencem à direção política do Hamas".

Uma vez que o Hezbollah já tinha prometido retaliar caso algum membro do Hamas fosse atacado no Líbano, o major-general não tem dúvidas que este ataque é "um desafio ao Líbano", que descreve como "um Estado falhado onde as próprias forças regulares não têm capacidade de controlar todo o território", caso contrário "movimentos como o Hezbollah não existiriam no Líbano".

"O Líbano em si não terá capacidade para se envolver num combate direto com Israel, portanto vai evitar a todo o custo que isso aconteça", considera, deixando em aberto a possibilidade de o Hezbollah vir a juntar-se ao Hamas no conflito contra Israel.

"Embora o Hamas e o Hezbollah pertençam a duas correntes islâmicas distintas, sabemos que o Irão está por detrás destes grupos extremistas. Vamos ver o que o Irão vai colocar em cima da mesa", afirma.

Governo libanês "muito preocupado" com possibilidade de ser "arrastado" para o conflito

O Irão não demorou a reagir, culpabilizando as forças israelitas pelo ataque em Beirute e prometendo "uma maior resistência" contra Telavive. Perante esta ameaça, o governo do Líbano pediu ao Hezbollah para que o grupo armado não responda ao assassínio de Saleh al-Arouri, manifestando preocupação com a possibilidade de o país ser "arrastado" para a guerra entre o Hamas e Israel.

“Estamos muito preocupados. O povo libanês não quer ser arrastado, mesmo que não seja a vontade do Hezbollah, para uma guerra regional”, declarou o ministro dos Negócios Estrangeiros do Líbano, Abdallah Bou Habib, citado pela BBC.

Ainda durante a noite de terça-feira, o Hezbollah garantiu que o assassínio de Saleh al-Arouri “não ficará sem resposta”. “A morte de Saleh al-Arouri no coração dos subúrbios a sul de Beirute é uma agressão grave contra o Líbano (...) e não ficará sem resposta nem impune”, frisou o Hezbollah, em comunicado.

Na perspetiva do major-general Isidro de Morais Pereira, Israel já estava a planear esta ação há algum tempo, lembrando que as Forças da Defesa israelita (IDF) já tinham adiantado que as operações na Faixa de Gaza vão evoluir para uma terceira fase "que inclui a retirada de alguns dos combatentes da região norte" daquele enclave palestiniano. Ora, alguns desses combatentes são reservistas e foram devolvidos à sociedade civil, enquanto "outros estão a ser encaminhados para a fronteira com o Líbano".

Para o especialista militar, este é "um sinal de que havia algo que estava a ser planeado e que poderia produzir um crescendo das atividades hostis do Hezbollah contra o território israelita, daí que estejamos a assistir à deslocação de mais unidades e mais poderio militar israelita para esta fronteira acautelando uma escalada por parte do Hezbollah". "Vamos ver até que ponto o Hezbollah se vai empenhar em prol do Hamas", acrescenta.

Assassínio do 'número dois' do Hamas "não é um gamechanger"

Saleh Al-Arouri, vice-presidente do Hamas e fundador das brigadas al-Qassam, foi uma das vítimas mortais de uma explosão numa delegação do Hamas nos subúrbios de Beirute (EPA/MOHAMED HOSSAM via LUSA)

O major-general Carlos Branco faz uma análise diferente, argumentando que "não devemos associar a recente desmobilização de forças na Faixa de Gaza como um desvio para a zona norte" de Israel e sul do Líbano.

"Não me parece que este acontecimento em Beirute possa ser um incentivo para que o Hezbollah se retire para a margem norte do rio Litani", afirma o especialista militar, referindo-se ao rio que corre no sul do Líbano e faz fronteira com Israel, rejeitando assim uma eventual guerra do grupo armado contra Telavive.

Carlos Branco admite que "há, de facto, um risco de escalada" do conflito, mas não associa este risco à explosão em Beirute. Até porque, diz, o assassínio do 'número dois' do Hamas "não é um gamechanger, porque mata-se um e aparece outro".

Para o major-general, o risco de escalada do conflito prende-se com o facto de o Hamas "continuar a dar luta" na Faixa de Gaza. "O Hamas ainda não perdeu a sua capacidade de combate, o seu sistema de comando e controlo continua eficaz e continua a dar luta, ainda não está destruído", sustenta.

Neste contexto, Carlos Branco sublinha as palavras do porta-voz das IDF, Daniel Hagari, que antecipa que o conflito com o Hamas prolongar-se-à durante todo o ano de 2024. "Temos de nos preparar para um combate longo, e esse combate logo se vê se se vai traduzir na destruição do Hamas", como ameaça Israel, completa o especialista militar.

Para já, e perante este risco de aumento da escalada, países como França urgem ambas as partes a terem calma. O presidente francês, Emmanuel Macron, pediu a Israel que "evite a todo o custo" novas ações semelhantes.

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