Estive encurralado 12 horas e sobrevivi desta maneira que vos quero contar. Sou o Roy Tilbor, vi brutalidade e heroísmo

depoimento recolhido por Joana Moser
18 out 2023, 18:34
gif Hamas

Roy Tilbor é DJ e ia tocar no festival em Israel atacado pelo Hamas. Ficou amputado - não de uma maneira literal mas de uma maneira inesquecível. Escreveu este testemunho para a CNN Portugal

nota: a imagem de abertura deste artigo é retirada do dia do ataque do Hamas

 

Cheguei ao Festival Supernova por volta das 5:30 de 7 de outubro, entusiasmado por poder tocar nesse dia ao meio dia. Quando cheguei, o produtor mostrou-me o recinto. O evento foi organizado de forma impressionante, com uma encenação complexa com caminhos entre os diferentes palcos. Já fui a muitos festivais por todo o mundo, mas fiquei genuinamente impressionado com o profissionalismo de tudo aquilo. 

Estava lá há apenas meia hora quando os primeiros foguetes começaram a voar por volta das 6:00. Enquanto as pessoas à minha volta pensavam que eram fogos de artifício, eu olhei instintivamente para cima e vi rastos de fumo a atravessar o céu. Naquele instante, agarrei a minha namorada e disse-lhe 'vamos embora'. Não sei porquê, mas os meus instintos contradiziam as indicações habituais das forças militares israelitas. Por qualquer razão, sabia que não devia ficar deitado no chão com as mãos na cabeça - senti-me obrigado a meter-nos no carro e a sair dali imediatamente. 

Em retrospetiva, foram decisões numa fração de segundo que nos salvaram a vida. Virar à direita ou à esquerda, sair 10 segundos mais cedo ou mais tarde teria significado a diferença entre a vida e a morte.

Roy Tilbor ia atuar como DJ no festival

Entre sirenes de ataque aéreo, conduzimos a metros de uma indescritível matança sem nos apercebermos do que estávamos a ver. Tentei contornar carros que estavam parados na berma da estrada enquanto as pessoas gritavam connosco. Ainda não tinha percebido que estávamos no meio de um ataque terrorista, que os terroristas estavam a disparar contra nós. Os meus instintos entraram em ação - fiz inversão de marcha no momento em que os terroristas abriram fogo contra a fila de carros. Continuámos a conduzir, tentando fugir para norte, parando entre abrigos pelo caminho. Um dos abrigos era o agora infame abrigo com um pássaro pintado no exterior que desde então tem aparecido nas notícias de todo o mundo crivado de balas. Um outro abrigo em que parámos, soube mais tarde, tinha-se esgotado minutos antes de os terroristas terem massacrado os que lá se encontravam com uma granada. 

No primeiro abrigo vi três trabalhadores estrangeiros, creio que eram chineses. Um deles, uma rapariga, estava no chão com um tiro nas costas. Gritei para que alguém chamasse os paramédicos mas as linhas de emergência não respondiam. Ainda não me tinha apercebido do que tinha acontecido, não tinha percebido que ela tinha sido baleada. Pensei que talvez tivesse sido atingida por fragmentos dos foguetes.

Mas, no meio do fogo dos foguetes, comecei a ouvir o som de tiros. A magnitude do que estava a acontecer começou a fazer-se sentir. Eu, a minha namorada e um dos trabalhadores estrangeiros chineses corremos juntos para o abrigo mais próximo mas não nos sentimos seguros, por isso corremos em direção ao Kibutz Saad, onde vi dois homens à frente com capacetes e armas. A estrada era demasiado perigosa para atravessar a correr, por isso voltámos para o carro e conduzimos até à entrada do Kibutz. Juntámo-nos a outros num abrigo, à medida que o peso da situação se tornava claro - estávamos indefesos, sem esperança e à mercê dos terroristas. 

Momentos depois, um soldado entrou cambaleante no abrigo, atingido por um tiro no ombro e nas costas. Enquanto um veterinário do Kibutz começava a tratar dos ferimentos do soldado, mais pessoas entraram no abrigo, muitas delas feridas. Eu e outros trabalhámos todos juntos para estancar a hemorragia do soldado. Enquanto trabalhávamos para estancar a hemorragia, o soldado telefonou aos amigos e, pela conversa, percebemos que os terroristas se tinham infiltrado em Israel a partir de Gaza e tinham cercado as comunidades vizinhas num massacre sangrento. O serviço de ambulâncias não respondia e tornou-se claro que tínhamos de nos desenrascar sozinhos. Chegou um carro particular para tentar levar o soldado para um hospital e, como eu estava mais perto dele, a estancar o sangue, entrei primeiro no carro com ele. Mas eu não estava disposto a separar-me da minha namorada, por isso outra pessoa tomou o meu lugar e foi com o soldado para o hospital. 

Durante as doze horas angustiantes, ficámos encurralados no Kibbutz Saad, passando de abrigo em abrigo no meio de foguetes e tiros incessantes. Mais tarde ficámos a saber que os terroristas tinham-se infiltrado em quase todas as comunidades vizinhas. O segurança do Kibutz trabalhou incansavelmente para nos proteger. As forças armadas israelitas ainda não estavam à vista. Sentíamo-nos indefesos, contando os minutos até que os terroristas acabassem inevitavelmente por nos encontrar. Durante o tempo em que esperávamos recebíamos também notícias dos horrores que se estavam a desenrolar no festival Nova - horrores a que tínhamos escapado por pouco. 

Enquanto estávamos sentados no abrigo, de alguma forma a comunidade do Kibbutz reuniu-se - trazendo comida, colchões, apoio e conforto para as 100 pessoas que lá estavam. Procurámos desesperadamente informações e formas de nos protegermos. Horas mais tarde, por volta das 18:00, apareceu finalmente um soldado das forças armadas israelitas. Disse-nos que tinham conseguido recuperar o controlo de parte da área. Informou-nos também de uma potencial via de fuga que as forças armadas tinham desimpedido. Reuni pormenores para avaliar os riscos. Ficar aqui parecia mais seguro, mas eu queria sair. 

Falei calmamente com o soldado a sós, que me disse que a fuga era definitivamente arriscada, que havia ainda a possibilidade de encontrarmos terroristas pelo caminho. Mas os riscos de ficar aqui não eram claros, não sabíamos quando é que as forças armadas viriam salvar-nos e a ameaça de invasão terrorista do Kibutz só se agravaria à medida que o dia se transformasse em noite.

Consegui convencer a minha namorada a juntar-se ao grupo decidido a fugir. Conduzimos em silêncio, em alerta máximo para os terroristas, e por milagre conseguimos chegar a um lugar seguro. 

Os meus amigos, os que tinham estado na festa, sofreram horrores indescritíveis. Ouvi histórias de uma brutalidade insondável e de um heroísmo inacreditável - alguns conseguiram arrancar armas aos terroristas e salvaram os nossos amigos com as suas próprias mãos. Outros foram abatidos a tiro enquanto fugiam do banho de sangue. Muitos foram mortos ou raptados. 

Sinto-me eternamente grato por ter sobrevivido quando tantos não sobreviveram.

Não sei como é que alguma vez iremos recuperar daquilo que vivemos - não consigo imaginar que alguma vez irei recuperar verdadeiramente. Nunca mais. É quase como perder uma mão ou um dedo, temos de aprender a viver a nossa vida e a conduzir o nosso dia a dia sem essa mão, sem esse dedo. Vou ter de aprender a viver a minha vida com esta experiência gravada na minha mente para o resto da minha vida.

Relacionados

Médio Oriente

Mais Médio Oriente

Patrocinados