"Há doações contínuas de sangue e até de leite materno". O relato de uma médica israelita sobre os dias de desespero que se vivem nos hospitais onde cada vez chegam mais feridos

14 out 2023, 17:29
Hospital David Adom, em Israel (Maya Alleruzzo/AP)

Alessandra, médica em Telavive, testemunha o caos nos hospitais israelitas, onde profissionais de saúde lutam contra o relógio para tratar um número crescente de vítimas do conflito com o Hamas.

“Os hospitais em Israel estão sobrecarregados, os médicos trabalham contra o tempo para tentar salvar as milhares de pessoas gravemente feridas”, descreve Alessandra, médica de 29 anos, que desde o início do conflito, está em Telavive a ajudar. 

A médica, de origem suíça, voluntaria-se para Magen David Adom, que é o serviço nacional de ambulâncias, onde tem vindo a presenciar o crescente número de vítimas que chegam ao hospital. Todos os dias chegam mais vítimas, o que leva todas as pessoas a querer participar e ajudar. "Todos ajudam como podem", afirma Alessandra.

“Há doações contínuas de sangue e até de leite materno”, diz a médica, explicando que muitas mães de recém-nascidos foram gravemente feridas e deixaram de poder alimentar os seus bebés. “Não tínhamos noção da extensão da situação, mas sabíamos que sangue seria necessário para qualquer ferido”. A médica conta que, desde início, essa foi a principal preocupação pelo que, "vários profissionais de saúde reuniram-se e improvisaram bancos de sangue".  

Durante esta semana, uma quantidade enorme de pessoas saiu às ruas e "esperou até seis horas em fila para doar sangue", conta Alessandra, lembrando o cenário inicial de Telavive. "Nos primeiros dois dias, as ruas de Telavive estavam desertas, cobertas de medo".

No hospital "continuam a chegar ambulâncias com pessoas gravemente feridas", que são levadas diretamente para as salas de emergência, conta Alessandra. Para além das "várias famílias que procuram os seus familiares desaparecidos", em frente ao Hospital vê-se membros do exército e da imprensa, diz a médica. A esperança destas famílias é que encontrem os seus parentes e saber se estão "mortos, feridos ou feitos reféns".

Desde o último sábado, esta tem sido a realidade de Alessandra, que tem trabalhado por turnos de 16 horas nas ambulâncias, com oito horas de folga. Nas suas folgas, a médica conta que vai ajudando no que pode. Neste momento, vai receber pessoas que vivem no sul do país e estão a ser retiradas. 

Em casa, a médica descreve que ao lado da porta, tem pendurado o seu uniforme e uma pequena mala, caso precise de correr para um abrigo e passar uns dias lá.

É a escolha entre calças de corrida ou uniforme, dependendo da situação do dia."

Todos os seus amigos já foram convocados para o exército como reservistas. Pelo que, Alessandra acorda com medo de ver os seus nomes na lista de soldados que morreram em combate. “Todas as manhãs, quando os nomes dos soldados que morreram são divulgados, a primeira coisa que faço é lê-los e rezar para não ver o nome de um deles”.

Alessandra, de 29 anos, estava em Telavive a celebrar o Simchat Torá (festividade judaica) com os seus amigos, na noite da passada sexta feira. Nunca imaginou que acordaria na madrugada de sábado com o “ensurdecedor som das sirenes”. “Eram apenas ‘rockets’, e tudo isso passará”, recorda a médica suíça que ali reside desde novembro do ano passado. No entanto, assim que viu as notícias do festival Supernova, percebeu a magnitude do conflito. "Israel foi atingido por um terrível ataque". Foi nesse momento que a chamaram para ajudar enquanto médica. 

O sul estava inacessível, as estradas bloqueadas pelo exército, e apenas os soldados e paramédicos podiam passar, relata Alessandra, que permaneceu em Telavive para prestar assistência no que podia. “Nunca pensei que pudesse chegar a este ponto”, partilha a profissional de saúde, num telefonema com a CNN Portugal, acrescentando que se preocupa com a entrada do exército israelita em Gaza. “Ambos os lados irão perder muitas vidas”. 

“Ainda há muitos reféns em Gaza, o que o Hamas fez sábado foi um massacre. O exército não vai recuar, não vai haver um cessar-fogo”. Alessandra, a propósito das manifestações pró-israel e pró-palestina que têm ocorrido por todo o mundo, comenta que “não há justificação para o que aconteceu. Não havia exército, não havia soldados”. Para a médica, “não é um ‘sim, mas o outro lado’, não há outro lado”.

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