Chumporn viu nas redes sociais a foto de um homem com uma arma apontada. É o filho dele, refém do Hamas: "Libertem-no: o meu país não está envolvido em nenhum conflito"

CNN , Heather Chen e Kocha Olarn
13 out 2023, 13:55
Israel gif

https://edition.cnn.com/2023/10/13/asia/thailand-migrant-workers-israel-gaza-conflict-intl-hnk/index.html

Como imigrantes em Israel foram apanhados num conflito que dizem não serem deles

Foram da Ásia para Israel à procura de uma vida melhor. Hoje são reféns às mãos do Hamas

Nepaleses, tailandeses e chineses que trabalhavam na agricultura e na construção civil em Israel também foram vítimas dos ataques. Os sobreviventes estão agora a tentar regressar a casa (nota: a imagem de abertura deste artigo é de um dos instantes em que militantes do Hamas mataram e raptaram pessoas num festival de música em Israel)

por Heather Chen e Kocha Olarn, CNN

 

Tal como o seu pai Chumporn e dezenas de outros homens fisicamente aptos da sua aldeia no nordeste da Tailândia, Manee Jirachart mudou-se para Israel à procura de trabalho e a sonhar com uma vida melhor.

Era difícil encontrar emprego na sua comunidade rural, por isso, quando Manee encontrou um lugar de limpeza num escritório do governo no sul de Israel, perto de Gaza, pareceu-lhe uma verdadeira oportunidade. Trabalhava nesse emprego há quase cinco anos quando foi raptado e feito refém por militantes do Hamas envolvidos na onda de assassinatos e raptos do fim de semana passado em Israel.

O jovem de 29 anos foi apenas um dos muitos estrangeiros que foram apanhados no ataque que devastou famílias em todo o mundo. Dezenas de pessoas provinham de países como os Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e França. Muitos tinham dupla nacionalidade e viviam nos kibutzim visados pelos atiradores do Hamas ou tinham estado a festejar no festival de música onde tantas pessoas foram mortas.

No entanto, entre os estrangeiros mortos e capturados pelo Hamas há também trabalhadores migrantes da Ásia sem laços familiares com Israel ou com os territórios palestinianos, provenientes na sua maioria de famílias pobres e rurais que trabalham nos sectores da agricultura, da construção e dos cuidados de saúde.

Pelo menos 10 estudantes nepaleses que trabalhavam em explorações agrícolas foram mortos quando os militantes do Hamas invadiram o kibutz de Alumim, uma comunidade agrária perto de Gaza, e outro nepalês está desaparecido, disse à CNN o embaixador do Nepal em Israel. Dois filipinos também foram mortos, de acordo com o governo das Filipinas.

Mas foi a Tailândia, que durante décadas constituiu uma das maiores fontes de mão de obra migrante em Israel, que sofreu um número de vítimas mais elevado face a qualquer outro país além de Israel. Pelo menos 21 cidadãos tailandeses foram mortos até esta quinta-feira, segundo as autoridades tailandesas, e pelo menos outros 14 terão sido capturados pelo Hamas e cujo paradeiro atual é desconhecido, confirmou o primeiro-ministro Srettha Thavisin.

"A Tailândia dominou o mercado de trabalhadores migrantes estrangeiros na agricultura israelita durante a última década", diz Phil Robertson, diretor-adjunto para a Ásia da Human Rights Watch. "Cerca de 20.000 trabalhadores tailandeses viviam em várias quintas remotas e áreas desertas por todo o país, incluindo áreas próximas da Faixa de Gaza, pelo que não é de admirar que muitos estivessem em perigo quando os combatentes do Hamas chegaram."

Todos os dias, esta semana, o número tem aumentado à medida que se conhecem mais pormenores, provocando um novo desgosto nas famílias tailandesas que vivem a milhares de quilómetros do mais recente conflito do Médio Oriente.

As lágrimas marcaram muitas reuniões familiares. Milhares de pessoas aguardam a ajuda do governo tailandês para serem retiradas (GettyImages)

Numa entrevista à televisão tailandesa, o ministro do Trabalho, Phiphat Ratchakitprakarn, disse que cerca de 5.000 tailandeses estavam empregados na "zona de combate". Milhares deles esperam agora regressar a casa para junto de famílias preocupadas, acrescentou.

Com Israel a concentrar centenas de milhares de tropas na fronteira de Gaza, numa altura em que se especula que pode haver uma invasão terrestre, muitos tailandeses receiam ser apanhados no meio do fogo cruzado.

"Imploro pela libertação do meu filho"

Manee tinha falado com o seu pai Chumporn ao telefone poucas horas antes do ataque. "Tinha falado com Manee de manhã e era suposto voltarmos a falar à noite", disse Chumporn à CNN numa entrevista telefónica.

Na altura, estavam a ser disparados rockets contra Israel, o que fez com que o ancião se lembrasse das suas próprias experiências de vida e de trabalho no país. Consciente da rapidez com que os perigos podiam aumentar, o homem de 50 anos insistiu com o filho para que não saísse de casa a não ser para encontrar um bunker e esconder-se, se fosse necessário.

Mas horas mais tarde, viu circular nas redes sociais fotografias que mostravam um grupo de homens feitos reféns, entre os quais se encontrava o seu filho com as mãos atrás das costas, sentado, descalço e de pernas cruzadas, em frente a um combatente armado que lhes apontava uma arma. A fotografia, verificada por Chumporn e vista pela CNN, mostrava o que parecia ser uma sala subterrânea.

"Não podia acreditar. Pensei que era algum tipo de partida", disse Chumporn. "Telefonei-lhe várias vezes, mas não atendia. Foi então que comecei a acreditar que era a sério. Nós (tailandeses) não estamos envolvidos em nenhum dos conflitos entre Israel e a Palestina. Estamos lá apenas para trabalhar e ganhar dinheiro para podermos ter uma vida melhor", acrescentou. "Imploro pela libertação do meu filho. Preciso de o ter de volta, em boa forma - como antes de ter deixado a Tailândia."

Trabalhadores tailandeses numa vinha no Sul de Israel (GettyImages)

"Os trabalhadores palestinianos já não eram bem-vindos”

Os trabalhadores migrantes da Ásia constituem mais de metade da força de trabalho estrangeira em Israel, assumindo frequentemente empregos como prestadores de cuidados e na construção.

Os trabalhadores da construção civil da China, onde várias empresas mantêm contratos lucrativos com promotores imobiliários em Israel, viram-se envolvidos na violência desta semana.

Um dos filipinos mortos, Paul Castelvi, trabalhava em Israel há cinco anos e era o principal sustento da sua família, agora incrédula pela sua morte às mãos dos combatentes do Hamas.

"Ele estava entre os empregados que tomavam conta de pessoas idosas quando os combatentes do Hamas entraram em sua casa", disse o pai de Castelvi, Nick, já de idade avançada, à CNN Filipinas, afiliada da CNN, na sua casa na cidade de San Fernando, na província de Pampanga, no noroeste do país.

"Não tiveram coração e não mostraram qualquer misericórdia".

"Pode perguntar a qualquer pessoa e dir-lhe-ão como o meu filho era gentil e bom. Ele (teria) lutado para defender o patrão e foi baleado enquanto eles (combatentes do Hamas) levavam o patrão e deixavam o Paul a morrer com um ferimento de bala", disse, desfazendo-se em lágrimas. "Ficámos devastados. Ele estava ali apenas para ganhar a vida, porque é que fizeram isso ao meu filho?"

Assia Ladizhinskaya, porta-voz da Kav LaOved, uma organização sem fins lucrativos que defende os direitos laborais na região, disse que parte da razão para o que está a acontecer aos trabalhadores asiáticos tem origens anteriores e resulta do facto de "os trabalhadores palestinianos já não serem bem-vindos".

Durante a década de 1990, os trabalhadores migrantes (começaram a) substituir os palestinianos que trabalhavam em estaleiros de construção e campos agrícolas, uma vez que os palestinianos passaram a ser indesejáveis e "pouco fiáveis" devido aos bloqueios regulares e às questões de segurança", acrescentou Ladizhinskaya.

Atualmente, muitas pessoas encontram-se envolvidas nesses mesmos problemas de segurança, à medida que um conflito aparentemente insolúvel, que se arrasta há décadas, volta a deflagrar.

A Human Rights Watch apelou à "libertação imediata e incondicional" de todos os reféns e afirmou que os trabalhadores tailandeses, tal como os nepaleses e os filipinos, "estavam lá simplesmente para ganhar dinheiro para sustentar as suas famílias".

"Este tipo de ataque a civis é claramente um crime de guerra e indesculpável em qualquer circunstância", afirmou Robertson.

"Sobreviventes regressam a casa"

Entretanto, o primeiro voo de 41 tailandeses aterrou em Banguecoque na quinta-feira - muitos deles contando as suas angustiantes fugas enquanto se reuniam com familiares em lágrimas. Fotos e vídeos mostram que dois deles estavam a atravessar o aeroporto em cadeiras de rodas.

A migração de trabalhadores para zonas de conflito perigosas em busca de trabalho, com pouca proteção e aplicação da lei, tem sido um "grande problema há décadas", segundo Andy Hall, investigador britânico e especialista em direitos dos trabalhadores migrantes.

"É evidente que existe um mercado forte para estes trabalhadores e pouca regulamentação por parte dos governos", disse Hall à CNN. Muitos chegam mesmo a pagar quantias avultadas como parte das elevadas taxas de recrutamento para aceitarem empregos”, acrescentou.

A própria Tailândia é um dos principais destinos dos trabalhadores migrantes, principalmente dos países vizinhos mais pobres, como o Camboja e o Laos, bem como de Myanmar, país devastado pela guerra. "Isto só mostra o desespero da situação e são necessários protocolos mais fortes para proteger as pessoas mesmo antes de migrarem. É necessário que haja mais avaliações de risco e uma análise pormenorizada (por parte das autoridades)".

Por enquanto, muitos desses trabalhadores em Israel encontram-se encurralados numa região descrita pela ONU como estando num "ponto de rutura", à medida que as tensões aumentam e a retaliação israelita contra Gaza acelera.

Depois, há aqueles que, como Manee Jirachart, se encontram reféns numa terra estrangeira que esperavam que os ajudasse a ter uma vida melhor.

Segundo as autoridades israelitas, há cerca de 150 reféns detidos em Gaza. Não se sabe ao certo quantos são estrangeiros. "Muitas pessoas estão a ser mantidas em cativeiro, enfrentando ameaças terríveis às suas vidas", afirmou o principal responsável humanitário da ONU, Martin Griffiths, num comunicado divulgado esta semana. "A violência tem de acabar. As pessoas mantidas em cativeiro devem ser tratadas com humanidade. Os reféns devem ser libertados sem demora".

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