A Rússia tem tanques e tropas. A Ucrânia tem Zelensky

CNN , Opinião de Frida Ghitis
12 mar 2022, 16:00

Frida Ghitis, (@fridaghitis) antiga produtora e correspondente da CNN, é cronista de assuntos mundiais. É uma colaboradora frequente de opinião da CNN, colaboradora cronista do The Washington Post e cronista do World Politics Review. As opiniões expressas neste comentário são da responsabilidade da própria

O povo ucraniano encontrou a resposta para a pergunta de Shakespeare, "ser ou não ser", disse o Presidente Volodymyr Zelensky à Câmara dos Comuns do Reino Unido num discurso transmitido ao vivo, na terça-feira. "É óbvio que seremos. É óbvio que seremos livres. A fazer lembrar Winston Churchill, Zelensky prometeu que os ucranianos nunca desistirão, nunca se renderão. Pediu ao Ocidente que fizesse mais para ajudar nesta situação de vida ou morte que, garantiu, é uma batalha pela Europa, pela democracia.

Há pouco tempo, as palavras de Zelensky teriam parecido comoventes, mas inconsequentes. Mas muito mudou desde que a guerra começou. O mundo descobriu Volodymyr Zelensky.

O discurso, como as inúmeras mensagens nas redes sociais de Zelensky, reuniões por Zoom e telefonemas, nas quase duas semanas desde que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, enviou suas tropas para invadir a Ucrânia, trouxe a imagem familiar – o presidente de rosto infantil com a barba de três dias da guerra, na sua t-shirt verde azeitona. 

A sua mensagem comovente foi também, acima de tudo, um apelo à consciência e à bravura, um misto de inspiração e exortação, ideais elevados e, sobretudo, de pedidos concretos.

Zelensky recebe ovação em pé dos deputados britânicos (Foto: Jessica Taylor/Parlamento britânico via AP)


Nas semanas anteriores a Putin dar início à guerra, muitos duvidaram que Zelensky estaria à altura do desafio. Afinal, fora artista até 2019. Está a falhar, disseram alguns, "não tem estofo para aquilo." As comparações lado a lado do poderio militar mostraram que a Rússia tinha mais uns milhares de tanques, aviões e mais centenas de milhares de militares. O fosso parecia insuperável, o resultado da guerra era inevitável. Mas a Ucrânia, afinal, tinha uma arma secreta, e era incomensuravelmente poderosa. Não era mais do que Zelensky.

Quando Zelensky recusou ajuda para deixar o país, ao declarar "preciso de munições, não preciso de boleia," o mundo susteve a respiração. A coragem do presidente ucraniano surpreendeu todos. Parecia destinado a tornar-se um mártir numa causa que parecia perdida, pelo menos a curto prazo.

Semanas depois, Zelensky provou ser muito mais do que uma figura inspiradora. Alcançou muito mais do que qualquer um poderia esperar. Não está apenas a mobilizar os ucranianos. Mobilizou também a comunidade internacional a todos os níveis, falando com líderes mundiais, legisladores, grupos comunitários e cidadãos comuns, dia após dia.

Zelensky articulou o significado desta guerra em termos que a tornam relevante para todas as democracias do mundo. Transformou a causa em algo que os líderes mundiais se sentem com vontade de apoiar, que as empresas privadas receiam ignorar, em que pessoas de todo o mundo anseiam por ajudar.

Nos últimos dias, o Mcdonald’s, a IKEA e a Nike juntaram-se ao êxodo empresarial, suspendendo a atividade na Rússia. Zelensky falou com presidentes e primeiros-ministros; com Joe Biden, com Emmanuel Macron de França, Scott Morrison da Austrália, Neftali Bennett de Israel e muitos outros, enquanto os seus vídeos do Facebook são vistos por milhões em todo o mundo.

É evidente que a Ucrânia não recebeu tudo o que Zelensky pediu. É visível a sua frustração pela recusa da NATO em estabelecer uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia. Mas a mobilização que conseguiu não tem precedentes. Ele – com a ajuda de Putin – convenceu a Europa, os EUA e seus aliados democráticos a impor algumas das sanções económicas mais rápidas e rigorosas que o mundo já viu. Num mundo onde o materialismo geralmente domina, conseguiu convencer inúmeros consumidores de que pagar mais pelo combustível é um sacrifício válido.

Os apelos que fez à consciência produziram não apenas um arsenal de armas para a Ucrânia e duras sanções contra a Rússia, mas também uma pausa nas vendas da Apple, Netflix, Mastercard e outros na Rússia; a partida das companhias petrolíferas, a reserva de dezenas de milhares de quartos no Airbnb de pessoas que procuravam uma forma de enviar dinheiro para a Ucrânia.

Zelensky dominou as ferramentas de comunicação para enviar a pungente mensagem da Ucrânia ao mundo, ao desenhar a narrativa deste conflito de uma forma credível, transcendente e compreensível. Apoiado pelas imagens do violento ataque da Rússia, Zelensky apresenta o argumento histórico, moral, estratégico e tático para a defesa da Ucrânia. O presidente ucraniano, que agora todos sabem que era comediante, tornou-se um nome familiar, um rosto familiar em todo o mundo, como o havia sido durante anos nos lares ucranianos.

Quando afirmou ao Parlamento Europeu, "queremos ver os nossos filhos vivos", o tradutor mal pôde conter as lágrimas. Noutro discurso, transmitido ao vivo para multidões em capitais europeias, salientou: "Se nós falharmos, vocês falharão. Por favor, não fiquem em silêncio." A multidão ouviu-o em Viena, Frankfurt, Tbilisi e em muitas outras cidades. Na Praça Venceslau de Praga, epicentro da famosa e bem-sucedida Revolução de Veludo, milhares de pessoas aplaudiram-no.O amarelo vivo e azul da bandeira da Ucrânia são agora visíveis em lapelas, em janelas e em manifestações em todo o mundo. Mas é mais do que simbólico. A mensagem está a gerar ação.

Zelensky, que é judeu e perdeu muitos familiares no Holocausto, colocou a situação da Ucrânia num contexto histórico, advertindo que, à semelhança dos líderes fascistas do século XX, um agressor não vai parar. "Nós seremos os primeiros. Vocês os segundos," afirmou à ABC News, "porque quanto mais esta besta devorar, vai querer cada vez mais e mais." Numa referência poética, chamou a esta luta "a luz contra as trevas," mas permaneceu pragmático e concentrado nos resultados.

Movimenta-se perfeitamente entre apelos idealistas à consciência e pedidos urgentes para reforçar o arsenal da Ucrânia, ou observações sobre pormenores táticos. Quando se reuniu via Zoom com membros do Congresso dos EUA, Zelensky explicou que a Ucrânia precisa de caças fabricados na Rússia. O líder da maioria do Senado, Chuck Schumer, disse: "Farei tudo o que puder" para que isso aconteça.

Dirigindo-se aos líderes mundiais, ele e a sua equipa pediram e obtiveram mísseis Javelin antitanque e mísseis Stinger terra-ar. Pediram e conseguiram o fim das importações de petróleo e gás da Rússia para os EUA. Biden anunciou a decisão na terça-feira, na esperança de que o preço político a pagar não seja muito elevado, com os americanos a pagarem mais para encherem os depósitos. Pelo menos até agora, os americanos parecem dispostos a sacrificarem-se para ajudar a Ucrânia a defender a sua liberdade e democracia. Os Stingers e os Javelins – que Zelensky pediu num famoso telefonema com o Presidente Donald Trump em 2019 – têm chegado aos milhares. Já estão a destruir tanques russos e a abater caças russos.

A arma secreta da Ucrânia, o seu presidente, fortificou um exército que parecia destinado a falhar. A guerra tem duas semanas e, como alguns previram, não está a decorrer de acordo com os planos da Rússia. Ainda assim, o conflito continua, com a brutalidade da Rússia a aumentar. Os cenários possíveis são muitos. Mas mesmo que a Rússia vença, no curto prazo, mesmo que consiga assumir o controlo da cidade de Kiev e depor o Governo, a coragem e o patriotismo que Zelensky despertou, o apoio que reuniu significa que uma força de ocupação irá enfrentar uma resistência incansável no país e um apoio contínuo além-fronteiras. Como afirmou  Zelensky na Câmara dos Comuns, no Reino Unido, na terça-feira, os ucranianos estão determinados "a ser" e preparados para "continuar a lutar pela nossa terra, a qualquer custo." Ele é que é uma arma sem igual.

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