Como «muita cerveja» originou a sardinhada que parou o trânsito em Gelsenkirchen

Vítor Maia , Enviado especial ao Euro 2024, em Gelsenkirchen
27 jun, 21:18
Bei Gil (Foto: Vítor Maia)

O Maisfutebol visitou o restaurante português Bei Gil, outrora denominado Vasco da Gama e recuperou memórias com 20 anos. Uma tarde que quem viveu não esquece antes do Mónaco-FC Porto da final da Champions.

«Ó! Não acredito! É a minha mãe!.»

Elisabete Silva não segura as lágrimas quando lhe mostramos uma fotografia da sardinhada portuguesa que parou o trânsito em Gelsenkirchen há 20 anos, um mês e um dia.

A 26 de maio de 2004, o restaurante «Vasco da Gama», propriedade de Elisabete e Gil, foi o ponto de encontro dos adeptos portistas que viajaram até à Alemanha para o jogo da final da Liga dos Campeões frente ao Mónaco. É esse, de resto, o motivo da nossa visita.

«Posso tirar uma fotografia para enviar ao meu pai?», pergunta esta portuguesa, emigrante na Alemanha há 50 anos.

 

A fotografia da sardinhada pela lente dos enviados do Maisfutebol a Gelsenkirchen em 2004.


Esse São João antecipado é recordado com nostalgia. Muito mudou desde essa tarde em que se comeram 500 quilos de sardinha e se bebeu um incontável número de garrafões de vinho verde de Felgueiras. A começar pelo nome do restaurante, de resto.

«Os clientes referiam-se ao restaurante como o Gil. Costumavam dizer que vinham ou que estavam no Gil. E de vez em quando é preciso mudar», explica Elisabete, natural de Gondomar, ao Maisfutebol.

«Então não me lembro! Até comprámos bilhetes de avião aos meus pais que vieram de Gondomar e fomos os três ver o jogo. Desta vez não fomos ao jogo, mas estivemos abertos e servimos bifanas e cachorros», acrescenta.

A ideia de fazer uma enorme sardinhada e reunir cerca de 12 mil adeptos do FC Porto nasceu no mesmo sítio onde nasceram outras tantas: numa noite de copos. Ao contrário da maioria que sai de uma noite de excessos, esta ganhou vida e foi colocada em prática.

«A ideia da sardinhada em 2004 nasceu naquela mesa [aponta para o nosso lado esquerdo] às 3h e meia da manhã em conversa com o vereador da cultura de Gelsenkirchen depois de termos bebido muitos copos. Ele perguntou: ‘E se fechássemos a rua?’. Imediatamente concordámos. A rua, de facto, fechou e tivemos aqui milhares de pessoas», relembra Gil, nascido em Pombal e na Alemanha há 46 anos.

A conversa decorre ao balcão. Elisabete mostra-se mais participativa e com vontade de recordar um dia que guarda, nota-se, com especial carinho enquanto Gil exibe-se mais atarefado a planear a abertura do estabelecimento. Ainda assim, o dono do restaurante toma a palavra.

«Em 2004 mandei fazer t-shirts para os funcionários com caricaturas dos jogadores do FC Porto. Assei sardinhas todo o dia, mas assim que acabei guardei a t-shirt tal e qual como estava quando a tirei. Nunca mais lhe mexi», sublinha.

Uma dessas t-shirts acabou, de resto, num outro estabelecimento na cidade do Porto. «Não sei onde, mas o meu pai foi a uma taberna no Porto que estava cheia de coisas do FC Porto e falou-lhes da t-shirt. Agora eles têm lá uma», partilha Elisabete, com um orgulhoso sorriso.
 


Se o passado traz boas recuperações, o presente é sinónimo de ligeira tristeza. Desta vez, a autarquia e as autoridades alemães afastaram os adeptos da Seleção do restaurante português de Gelsenkirchen.

«Sempre que a Seleção ou clubes portugueses jogavam em Gelsenkrichen, éramos contactados para uma reunião na Câmara Municipal da cidade. Desta vez, decidiram criar uma fan zone numa outra zona da cidade. A justificação que a polícia apresentou foi que, uma vez que os portugueses vão estar em maioria, vão para uma zona mais próxima do estádio», justifica Elisabete que não esconde a desilusão pela decisão das autoridades.

 

O Bei Gil ainda guarda memórias da final da Liga dos Campeões de 2004.


Gil interrompe o que está a fazer – está quase fora do nosso ângulo de visão pelo que não conseguimos perceber o que é – e intromete-se na conversa. Opta por um discurso duro.

«É completamente mentira. É simples: há uma parte da cidade onde mora a elite e como os portugueses são pacatos e não arranjam confusões, colocaram-nos lá. Por exemplo, os italianos partiram da estação aqui ao lado [jogo contra a Espanha] e correu tudo bem. Não se compreende», protesta.

Elisabete apressa-se a contrapor a opinião do marido, que conheceu há muitos anos já em solo germânico. «Se calhar foi melhor assim. Também já estamos a ficar velhos para isto.»

Estamos quase de saída, mas acabmos por ficar mais um pouco. Somos aliciados pelo cheiro que vem da cozinha e que aguça o apetite. «Almoce aqui, claro», atira prontamente Elisabete.

Não recusamos o convite. Não houve sardinhada, mas pelo menos atenuamos ligeiramente as saudades de quem está há quase 20 dias longe de casa.

 

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