Costa, o absoluto II

31 jan 2022, 02:04

A festa, como a vitória, foi absoluta. Apesar do resultado, Costa promete que ter mais de metade dos deputados na Assembleia da República “não é governar sozinho”. É tempo de “reconciliar” os portugueses com o conceito de maioria absoluta, a segunda no PS. E o diálogo com todos, à exceção do Chega, parece ser a receita.

António Costa entrou no Altis Grand Hotel a garantir que só tinha um discurso preparado. O mesmo homem que, em campanha, falou em duas direções distintas: a da maioria absoluta e, quando ela parecia tremida, a do diálogo com todos. Na noite deste domingo, confirmou que a estratégia não foi mero desespero perante as sondagens: acabou a conseguir combinar ambas.

Quando subiu ao palco, cinco minutos depois da meia-noite, na sala já ninguém duvidava que a maioria era absoluta. Os dados oficiais davam 112 deputados aos socialistas. Mas, viria a esclarecer o próprio secretário-geral, ainda era preciso contar os círculos da emigração. “Esperamos eleger 117 a 118 deputados”. E, se dúvidas havia, foram engolidas pela festa.

Costa, à entrada, admitia todos os cenários para esta noite eleitoral

Gritos de vitória tão intensos que Costa, visivelmente emocionado, teve de pedir para que o deixassem terminar a frase. Porque a mensagem que esta trazia explicaria o que o país se andou a perguntar durante as últimas semanas:

“Uma maioria absoluta não é o poder absoluto. Não é governar sozinho, é uma responsabilidade acrescida. E governar é governar com e para todas e todos os portugueses. Esta maioria será uma maioria de diálogo com todas as forças políticas que representam os portugueses na Assembleia da República”.

Costa quer apagar a má memória das maiorias absolutas no país, a última e única socialista tinha sido com José Sócrates, para “reconciliar os portugueses com a ideia”. Para fazê-lo, abre a diálogo a todos - só o Chega fica de fora. E para os antigos parceiros da esquerda, encolhidos neste sufrágio, não poupou o recado: “Os portugueses mostraram um cartão vermelho a qualquer crise política”.

Costa celebra a vitória com os militantes em Lisboa (Lusa/Miguel A. Lopes)

Com o receio de um jogo de forças que fosse mais desequilibrado, sem a maioria absoluta, Costa chegou a apontar Marcelo Rebelo de Sousa como o garante da estabilidade. Mas agora, com o desejo concretizado, o Presidente da República parece ter menos um peso sobre os ombros. Porque o futuro primeiro-ministro chama a si essa responsabilidade: “O primeiro garante de que nunca pisaremos o risco sou eu próprio”. Com Belém, prometeu, continuará a haver um relacionamento “pacífico e construtivo”.

Com a felicidade estampada no rosto, Costa deixou a festa com a mulher, Fernanda Tadeu. Na sala de militantes, que rapidamente se esvaziou, ficaram os técnicos a desmontar os materiais e os jornalistas a escrever balanços. Ainda não era uma da manhã quando se ouviu a confirmação: "É oficial, são 117 deputados".

O sobe e desce dos militantes (e os resultados a alimentar a festa)

No Altis Grand Hotel, a casa que os socialistas sempre encararam como sendo de sorte, a noite foi um autêntico rodopio entre patamares. Do piso térreo onde entravam as principais figuras do partido, passando pela cave onde os militantes se juntavam, ao 13º andar onde António Costa e o núcleo duro acompanhavam os resultados ao segundo. Um sobe e desce constante. Ao contrário dos resultados do PS, sempre em sentido ascendente.

Os rostos estavam satisfeitos, com os sorrisos escondidos pela máscara, ainda as televisões não tinham avançado com as primeiras sondagens. Já se acreditava numa vitória, mesmo que não fosse tão reforçada como viria a sê-lo. Às 20h00, a sensação confirmou-se. Gritaram-se os tradicionais lemas socialistas. E o burburinho tomou conta da sala. Nada voltou a ser como dantes. A noite era de festa. “Parabéns, grande vitória”. Os abraços não se pouparam.

O futuro primeiro-ministro também optou por um abraço (Lusa/Miguel A.Lopes)

E, como em qualquer festa, a multidão teve de apresentar primeiro os certificados de vacinação para se poder juntar. Multiplicaram-se as conversas. “O que me dá gosto é ver o PS reforçado…”, disse um militante à entrada. A maioria absoluta ainda era uma incerteza, quando um protagonista político involuntário entrou na sala sem pedir licença: Zé Albino, o gato de Rui Rio.

“Os gatos às vezes dão azar”, comentava Maria Natividade Correia. Inscreveu-se como militante quando Costa disputou a liderança do partido com António José Seguro. Já tinha assistido a outras vitórias mas “está é especial”, afirmou. E a amiga, Luísa Morais Sarmento, concordou: “O povo não se deixou apanhar pelo gato mas o Chega está aqui entalado”. Para todos os socialistas, que a qualquer menção ao partido da extrema-direita, responderam esta noite com um "Não passarão".

Secretário-geral do PS contou com sala cheia para o confirmar como primeiro-ministro (Lusa/Miguel A. Lopes)

Entre a multidão, uma estreia, num partido chamado casa

No meio da festa socialista, de olhar fixo em António Costa, houve pelo menos dois rostos que se nunca tinham estado numa noite eleitoral. Foi a primeira e, por isso, prometem não esquecer. Não é todas as noites que se tem uma maioria absoluta. Paulo Cunha e Filipa Fernandes não são militantes, mas viveram esta vitória do partido como ninguém. Dava-se com o homem, a meio da noite, em gritos emocionados: “Tenho a minha vida estabilizada graças ao PS”.

E porquê? Porque viveu 27 anos na rua, sem qualquer abrigo. Nesse percurso duro, havia de se cruzar com dois nomes que todo o partido recorda com saudade: Mário Soares e Maria Barroso, que o foram ajudando como puderam. “Estou grato, não só a eles, mas a toda a família do PS”.

Mesmo em contexto de pandemia, a festa teve lugar no piso -1 do hotel

Paulo Cunha arranjou forma de organizar a própria vida, enquanto se enamorava pela mulher entre visitas a igrejas. Mas, em 2009, viu concretizar-se um sonho antigo e transformador: a Câmara de Lisboa, então liderada por António Costa, deu-lhe uma casa. “Foi ele mesmo a entregar-me a chave à porta”, recordou. Na altura, curiosamente, também Costa tinha uma maioria absoluta, na autarquia.

A Paulo Cunha, tremeu-lhe sempre a voz a falar da vitória do partido. “Sempre confiei desde o primeiro segundo”. E não está fora da mesa a hipótese de tornar o amor ao PS oficial, tornando-se militante. Porque quando se encontra uma casa, mesmo que política, fica-se.

Paulo Cunha e a mulher (à direita) celebram a vitória do PS 

 

Relacionados

Partidos

Mais Partidos

Mais Lidas

Patrocinados