“O caso de Moedas foi uma vacina para a esquerda”. O que fez António Costa ganhar com maioria absoluta, segundo os analistas

31 jan 2022, 01:03

Analistas políticos explicam maioria absoluta inesperada do PS. E como a direita mudou - e Costa venceu a sua esquerda com um "abraço de urso"

O voto útil da esquerda foi a chave para a vitória de António Costa, dizem os especialistas em análise política. Mas há um detalhe que pode ter sido decisivo: a conquista inesperada de Carlos Moedas a Fernando Medina na presidência da Câmara Municipal de Lisboa, em setembro. “A esquerda mobilizou-se toda com receio de a direita ganhar”, refere o politólogo José Fontes, notando que a ideia que se foi formando nos últimos dias de campanha de existir uma “corrida taco-a-taco entre o PS e PSD” ajudou ainda mais o eleitorado de esquerda a querer dar a vitória a Costa.

O especialista em Ciência Política sublinha que, apesar do voto útil, António Costa teve “capacidade de agregar os votos” dos outros partidos, em especial dos antigos aliados de geringonça, Bloco de Esquerda e PCP. Estes estão a ser vistos por todos os analistas como tendo grande parte da responsabilidade na vitória do PS. “Foram penalizados pela queda do Executivo”, diz por seu lado José Pinto Filipe, politólogo e professor catedrático.

“A maioria do PS foi sem dúvida resultado do medo da direita pelos eleitores do Bloco e do PCP”, concorda Marco Lisi, do Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, considerando que, pelos vistos, os eleitores queriam mesmo a geringonça e, como que esta não funcionou, decidiram dar “uma base maior ao PS” para governar.  

Aliás, nota José Pinto Filipe, “António Costa viu este ato eleitoral como um referendo ao seu Orçamento” e apostou nessa estratégia de querer executar as propostas que já eram conhecidas.  “Ele não precisou de prometer muita coisa, apenas de falar na continuidade e explicar a crise artificial que existia”, acrescenta o especialista, notando: “Costa não saiu sequer do Governo, manteve-se em funções”. Mas há alguns pequenos que, frisa, têm de ser tidos em conta: “Os 700 mil funcionários públicos que viram o governo de António Costa dar-lhes o descongelamento das carreiras com aumentos salariais mantiveram o voto”, diz José Pinto Filipe, considerando que, dentro deste grupo de funcionários públicos, muitos votos são transferidos entre o "bloco central" nas várias eleições.

Por outro lado, acrescenta Marco Lisi, as mensagens de Costa sobre “os números positivos da economia deram esperança aos eleitores” e, enquanto Rio foi vago na aplicação de medidas, Costa falou em decisões a curto prazo.

Segundo José Pinto Filipe, há mesmo uma “teoria, a do minimax, que se aplica bem” à conquista da maioria por Costa. Esta teoria assenta na ideia de minimizar a possível perda máxima, ou maximizar o ganho mínimo.

“As pessoas já sabem com o que contam e têm uma garantia do que conhecem”, diz ainda José Pinto Filipe, que fala de outros momentos que podem ter sido decisivos: “António Costa ganhou empatia quando disse que saía caso fosse derrotado”, até porque o líder do PS conseguiu colocar na campanha o peso na bipolarização. “Passou a ideia de que mais importante do que ganhar era a questão da esquerda e direita”.

Esta questão de esquerda e direita tornou-se vincada também em relação ao partido de André Ventura. “A ideia de que, caso o PSD ganhasse, para ter estabilidade precisava do Chega, também contribuiu” para reforçar a ideia de que a esquerda tinha de unir-se à volta de Costa, diz Bruno Gonçalves Bernardes, Investigador Associado do Observatório Político, considerando que as sondagens e a bipolarização foram decisivas para o voto útil no PS.

Erros estratégicos

Segundo os politólogos, se Costa conseguiu ganhar votos dos partidos da esquerda, Rui Rio ficou sem muitos eleitores por causa dos partidos da direita. “Hoje a direita está fragmentada”, refere Bruno Gonçalves Bernardes, falando dos vários partidos á direita do PSD, como CDS, Iniciativa Liberal e Chega. Este tornou-se, aliás, a terceira força política do país, sendo o partido de Cotrim de Figueiredo a quarta. O CDS desapaereceu do Parlamento.

Mas se, à direita, Rio desceu e os novos partidos cresceram, à esquerda a subida de Costa significou uma queda dos antigos aliados. “Foram incapazes de justificar o voto contra no Orçamento”, diz José Fontes, considerando que ficaram, por isso, com uma fraca força política em Portugal, fruto de dois erros estratégicos. “Votar contra o Orçamento foi um erro. E o apoio em 2015 ao PS foi bom para o PS mas nunca foi bom para BE e PCP, que tinham ganho maior dimensão como oposição”.

Por isso, segundo José Fontes, a geringonça devia mudar de nome e passar a chamar-se um “abraço de urso” – uma expressão usada para referir um afeto que na verdade causa um dano.

Decisão 22

Mais Decisão 22

Mais Lidas

Patrocinados