O Psicólogo Responde: o "mau" humor tem solução?
Humor

O Psicólogo Responde: o "mau" humor tem solução?

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David Guedes
Psicólogo, Delegação Regional do Sul da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Antes de mais, importa clarificar o que entendemos por humor. Todos sabemos o que o humor é do ponto de vista da experiência: ao longo da vida, todos experimentamos diferentes tipos de humor. Habituamo-nos a tratá-lo como “bom” ou “mau”, ainda que na maior parte do tempo ele se situe algures pelo meio. Na realidade, o humor está sempre presente, mesmo quando não reconhecemos a sua presença. Não tem início nem fim definidos e assemelha-se mais ao caminhar sobre uma infinita “corda bamba” que oscila para um ou para outro lado, mas que tende para o equilíbrio. Parece confuso? Vamos por partes.

É impossível falar de humor sem falar de emoções. Apesar das semelhanças óbvias, são dois estados mentais que se distinguem em vários aspetos. Em primeiro lugar, as emoções têm um “gatilho”. Podemos sentir-nos tristes pela perda de algo importante, assustados com algo inesperado, frustrados quando algum obstáculo nos impede de concretizar um objetivo. Em todas estas situações há uma situação ou um evento que desencadeia a resposta emocional. O humor, por outro lado, tende a ser um estado difuso e de origens pouco claras. Raras vezes é precipitado por um acontecimento isolado, sendo mais frequente que resulte do efeito incremental de diferentes fatores.

As emoções são orientadas para a ação

Quando nos assustamos, o nosso organismo é capaz de organizar em poucos segundos uma resposta fisiológica que pode envolver o aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, a mobilização de energia para a função muscular e um estado geral de alerta que nos prepara para responder rapidamente à ameaça. Esta reação é orquestrada pela emoção de medo e acontece de forma largamente automática para responder a uma necessidade imediata. O humor pode também influenciar o comportamento, mas a sua interferência é consideravelmente mais subtil e menos dirigida. Pelo facto de ser mais duradouro e menos consciente, o humor pode influir significativamente em processos cognitivos como a memória, a tomada de decisão, os julgamentos ou até a criatividade.

As emoções são mais rápidas e intensas

De acordo com a investigação, as emoções podem ter diferentes escalas temporais. A surpresa, o medo ou o nojo estão entre as mais instantâneas – manifestando-se habitualmente no espaço de poucos segundos – e a tristeza entre as mais duradouras, estendendo-se por vários minutos ou até horas. A janela temporal do humor é normalmente medida em horas, mas pode persistir por mais que um dia. Por outro lado, é consideravelmente menos intenso e não se caracteriza por reações comportamentais tão distintas como a emoção. Por esse motivo, é muitas vezes descrito como um “pano de fundo” afetivo que de alguma forma enquadra pensamento, comportamento e emoções.

O humor tende a ter contornos pouco definidos

Tal como num gradiente de cores, é difícil perceber quando começa e acaba a transição entre estados de humor. Talvez por esse motivo tenhamos um vasto vocabulário para definir as inúmeras emoções que somos capazes de sentir (alegria, orgulho, zanga, culpa, tristeza, medo, saudade…), mas que do humor apenas se diga que é “bom” ou “mau”. De um modo geral, o primeiro pode caracterizar-se por uma sensação de bem-estar, energia, otimismo, interesse pela exploração do contexto e pela relação com os outros. O humor negativo, por outro lado, pode manifestar-se como cansaço físico e reduzida atividade, desmotivação, irritabilidade e menor conexão com os outros e o mundo.

O humor pode ser influenciado por diversos fatores

A investigação tem vindo a identificar relações consistentes entre o humor e aspetos como stress, acontecimentos de vida significativos, qualidade das relações e apoio social, hábitos de sono e a prática de exercício físico. De um modo geral, o humor reage de forma natural a estes fatores e tende a regressar a um ponto de equilíbrio saudável. No entanto, algumas pessoas podem experienciar períodos de maior instabilidade na transição entre estados afetivos ou uma predominância anómala de humor negativo.

Quando as alterações de humor se tornam persistentes e comprometem o bem-estar e a capacidade de funcionamento na vida diária, podemos estar perante sintomas de perturbações com significado clínico, tais como a depressão ou a perturbação bipolar. Nestes casos, o humor pode surgir associado a alterações de sono e alimentação, capacidades de atenção e memória, dificuldades de comunicação e de relação com os outros, desmotivação e desinvestimento nas atividades de rotina, e ainda, alterações emocionais, como tristeza, irritabilidade ou culpabilização excessivas. Nestes casos, estamos perante sinais de alerta que aconselham a procura de ajuda profissional.

Em resumo, o humor é um estado mental transitório que reflete o nosso mundo interno, mas também o que acontece à nossa volta. Serve como um barómetro discreto, ao qual muitas vezes não prestamos atenção, mas que subtilmente influencia e dirige pensamentos, comportamentos e emoções. Pode servir para informar o organismo sobre quando deve investir tempo e energia na ação ou quando deve promover a reserva e a reflexão. Pode reagir a flutuações biológicas, como as variações hormonais, mas também ao que acontece no dia-a-dia e na relação com os outros. Na maior parte das vezes, as suas transições são naturais e não requerem ação consciente, mas noutros casos devemos prestar atenção ao que o humor nos comunica.

Sugestões

  • Compreender as origens

O humor negativo pode não ter uma causa isolada aparente, mas antes resultar da acumulação de fatores perturbadores. Quando um estado de humor negativo se torna evidente, é importante procurar atender às origens subjacentes ao mal-estar.

  • Regular emoções

As pessoas não são vítimas das emoções e podem fazer escolhas para modificar aquilo que sentem. Procurar experiências agradáveis através de hobbies, fruição artística, contacto com a natureza ou relações sociais são apenas alguns exemplos quotidianos de como podemos moldar o nosso humor.

  • Ter compaixão 

​​​​​​​Na maior parte das vezes, o humor negativo é uma reação natural e transitória aos acontecimentos. No entanto, o desconforto que causa pode levar a tentativas de evitar ou suprimir essa experiência, o que pode acrescentar mais vergonha, culpa ou frustração. A autocompaixão passa por evitar o julgamento sobre o que sentimos e aceitar a vulnerabilidade como algo legítimo e saudável.

  • Praticar autocuidado 

Seguir um estilo de vida saudável e equilibrado tem um efeito evidente no humor. Aspetos como repouso, qualidade de sono, prática de atividade física e alimentação equilibrada podem contribuir para melhorar o humor.

  • Procurar ajuda 

​​​​​​​​​​​​​​A instabilidade do humor ou a persistência anómala de humor negativo podem influenciar significativamente o bem-estar. Quando o humor interfere significativamente com aspetos do funcionamento quotidiano, tais como sono, apetite, motivação, ou relações pessoais, poderá ser necessário procurar ajuda profissional.

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