O Psicólogo Responde: A obsessão com a imagem pode ser um problema para a saúde mental?
Obsessão com a imagem

O Psicólogo Responde: A obsessão com a imagem pode ser um problema para a saúde mental?

O Psicólogo Responde é uma rubrica sobre saúde mental para ler todas as semanas. Tem comentários ou sugestões? Escreva para opsicologoresponde@cnnportugal.pt

Carla Rocha
Psicóloga e membro da direção da Delegação Regional dos Açores da Ordem dos Psicólogos Portugueses

Vivemos numa Sociedade onde o corpo se tornou “objeto de consumo” e que cultiva o corpo através de estereótipos de beleza e sucesso social e da imposição de ideais de completude. A expansão do mundo digital e as redes e plataformas de comunicação têm sido fortes aliados deste culto.

O corpo e o cérebro são produto de milhões de anos de evolução e de pressões evolutivas. O funcionamento integrado entre corpo, cognições e emoções tem o grande propósito da sobrevivência da pessoa. Tal como os restantes mamíferos, garantir a sobrevivência e prosperar depende de garantir a continuidade da espécie, a descendência e a vida em grupo. Do ponto de vista social nascemos com sistemas motivacionais sociais para estabelecer relações de vinculação, desenvolver sentimentos de pertença a um grupo social, procurar parceiro sexual. Garantir estas oportunidades significa assegurar a satisfação de necessidades básicas para a existência da pessoa, como sentir-se amada, cuidada, protegida e tranquilizada, através de relações sociais próximas e seguras. Neste sentido, ter uma aparência física socialmente valorizada tornou-se num veículo para a pessoa conseguir criar uma imagem positiva de si na mente dos outros e assim alcançar estatuto, inclusão e aceitação. Já ter uma aparência física diferente ou oposta à socialmente valorizada poderá colocar a pessoa em risco de ser julgada ou rejeitada.

Assim, a preocupação com o corpo e a aparência física é inerente à experiência humana, às suas motivações biopsicossociais para formar e manter relações sociais. Importa então perceber quando a preocupação se torna excessiva e ou patológica. A obsessão com o corpo vincula-se com uma avaliação do valor pessoal, quase exclusivamente, em termos de peso e imagem corporal, e a elevados níveis de vergonha e autocriticismo. Provoca sofrimento e interfere com as rotinas normais da pessoa, comprometendo o seu funcionamento familiar, profissional ou social. Relaciona-se com a necessidade de restauro do sentido de individualidade e de presença no mundo, resultado de uma singularidade afetada e de num corpo que registou significados e sentidos, limitadores ou até traumáticos, na experiência no mundo e com os outros significativos.

A disseminação de ideais de corpo desejado, atrativo e bem-sucedido explora a natureza humana e as suas vulnerabilidades, com o risco de desencadear ou agravar problemas de saúde mental, tais como: perturbação do comportamento alimentar, perturbação disfórmica corporal, depressão, perturbação de ansiedade ou perturbação obsessivo-compulsiva. Pode mesmo comprometer gravemente a vida da pessoa, pela adoção de comportamentos compulsivos como a restrição alimentar, o exercício físico desmedido, o recurso a cirurgias estéticas e ao uso de anabolizantes, diuréticos e outras substâncias, na tentativa de alcançar uma aparência imaginária.

Reconhecer e compreender de que modo o corpo e o cérebro foram desenhados pela evolução, e qual o seu propósito (sobrevivência), capacita a pessoa para um maior entendimento da sua experiência (pensamentos, emoções e memórias) e a desenvolver uma noção de si enquanto observador do contexto no qual as experiências ocorrem. Não podemos alterar o funcionamento do nosso cérebro e não escolhemos as nossas emoções, mas podemos sair do “piloto automático” e comprometermo-nos com valores que nos direcionem no sentido da vida e das relações que se deseja ter. Estas ações vão conduzir a maior felicidade e ao afastamento do conformismo social.

Sugestões

  • Reconheça que a beleza é subjetiva e diversa
     
  • Reflita sobre o seu valor enquanto pessoa, e não apenas como um corpo
     
  • O corpo é "o palco" das emoções resultantes da experiência. Cuide dele com respeito e cuidado
     
  • Não procure controlar ou suprimir estados emocionais dolorosos. Estas ações resultam no aumento da frequência e intensidade dos mesmos
     
  • Revisite os seus valores de forma consciente, gentil e intencionada, observando o que valoriza e o/a faz vibrar. Emplos de valores são autenticidade, aventura, conexão, contribuição, diversão, gratidão, independência, dedicação, responsabilidade, compaixão
     
  • Comprometa-se com um estilo de vida valorizado, ou seja, com significado e focado no que consideramos realmente importante
     
  • Faça escolhas conscientes e selecione aquilo que "consome" no mundo digital, nas redes e plataformas de comunicação
     
  • Se sentir que os seus sentimentos e preocupações com o corpo são persistentes e excessivos, se estiverem a afetar as suas relações e a condicionar o seu dia-a-dia, ligue para a Linha de Aconselhamento Psicológico do SNS24 ou procure ajuda de um Psicólogo

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