“Jamais trairiam o legado daquele homem”. Rui Nabeiro deixou o império nas mãos dos netos. O que poderão Rui Miguel, Rita e Ivan fazer com ele?

19 abr 2023, 07:00
Família Nabeiro (Crédito: Arlindo Camacho, DDD / Cortesia: Delta)

O império que Rui Nabeiro, o fundador da Delta que morreu a 19 de março passado, construiu é agora gerido pelos sucessores. Um mês depois da morte do “senhor Rui”, três dos quatro netos - Rui Miguel, Rita e Ivan – encontram-se aos comandos. Quem são os herdeiros do café e como cada um pode fazer crescer o negócio

“Já fiz as partilhas e já tenho as pessoas indicadas nos respetivos lugares”. A garantia era dada em 2021 por Rui Nabeiro. Nesse ano, alterou a estrutura acionista do grupo Delta, sentou os netos que faltavam no conselho de administração e fez a família assinar um acordo com um conjunto de condições.

O objetivo era claro: assegurar que a Delta não só não saía de Campo Maior como também se mantinha nas mãos da família, contra todas as tentações de vendas que foram surgindo ao longo dos anos. Assim, se algum dos membros da família quiser vender a sua participação, terá de dar direito de preferência aos restantes Nabeiro.

A distribuição é a seguinte: 16% para cada um dos filhos: João Manuel e Helena. E 8% para cada um dos quatro netos: Rui Miguel, Rita, Ivan e Marcos. O restante, que estava nas mãos do comendador, passa agora a ser detido pela viúva, Alice Nabeiro, cuja situação de saúde também é frágil.

A Delta é vista como uma empresa verdadeiramente familiar. E é a família que se senta no conselho de administração. Dos filhos e netos, apenas o neto Marcos Tenório não tem assento neste órgão, por vontade própria, uma vez que, já dizia o avô, “puxou o sangue” do lado paterno e, em vez do café, dedica-se à tauromaquia. A estes junta-se, no conselho de administração, o único elemento que não tem Nabeiro como apelido: António Cachola, antigo diretor financeiro e homem de forte confiança do comendador.

Sobre os netos, Rui Nabeiro não tinha dúvidas. “São moços de trabalho, estão preparados para encarar o melhor e o pior”, contava à Sábado em 2021. É nas mãos deles que está um grupo que fatura cerca de 400 milhões de euros por ano, dando emprego a quase quatro mil pessoas. Mais de três dezenas de empresas que passam por áreas tão distintas como a distribuição alimentar, o turismo ou os serviços.

Quem conhece Rui Miguel, Rita e Ivan assegura que têm todas as condições para a responsabilidade que deles se espera. Se aos irmãos Rui Miguel e Rita é destacada a capacidade de “ter mundo”, necessária ao desenvolvimento de um negócio cada vez mais profissionalizado, ao primo Ivan elogia-se a sua capacidade de manter as raízes com Campo Maior, determinante para dar continuidade à ‘outra Delta’ e ao seu projeto social na terra que a viu nascer.

“Os netos têm um respeito profundo pelo passado. Eles sabem de onde vêm”, argumenta o professor universitário e consultor de marketing estratégico Pedro Celeste. Já Conceição Zagalo, empreendedora social e antiga presidente da associação GRACE – Empresas Responsáveis, é ainda mais assertiva: “Jamais trairiam a memória daquele homem”.

Fotografias de família há muitas. Como aquela que ilustra este artigo à cabeça. Nela estao, da esquerda para a direita: Rita Nabeiro, Rui Miguel Nabeiro, João Manuel Nabeiro, Rui Nabeiro, Helena Nabeiro, Ivan Nabeiro e Marcos Tenório. A fotografia foi tirada para a revista DDD – D de Delta que assinalou, em 2021, os 90 anos do comendador e os 60 anos de Delta. Mas quem são eles? É o que pode descobrir a seguir.

Saída da urna de Rui Nabeiro da Igreja Matriz de Campo Maior, no dia do funeral, a 21 de março (Lusa)

 

Rui Miguel, o neto dos números

Avô, podes estar seguro de que aprendemos a lição”. Erguer os punhos e gritar “Para a frente”. Foi desta forma que Rui Miguel Nabeiro se despediu do avô, na missa que precedeu o funeral, a 21 de março. Mais do que o nome Rui, avô e neto têm um desafio comum: o de liderar a Delta.

A transferência de poder foi feita em vida, passando Rui Miguel Nabeiro a ser presidente executivo do grupo. Mas o avô, lembravam todos, estava sempre lá para a palavra final. O cenário mudou há um mês.

O neto mais velho, nascido em 1979, a 23 de janeiro, no mesmo dia da avó Alice, ainda sonhou ser piloto. Mas o cheiro do café falou mais forte para o filho de João Manuel Nabeiro. Isso e as insistências do avô. “Tens que ir estudar para ajudar o avô”. Depois da formação universitária na Católica, ainda foi ao estrangeiro perceber como era o negócio do café noutras realidades. Mas a Delta acabou por se transformar na sua realidade.

Um percurso que se foi fazendo pela área estratégica e de operações ou pela direção comercial e de marketing. E é essa apetência para o negócio, para fazê-lo crescer, que frequentemente se destaca ao novo líder da Delta, visto por Conceição Zagalo como “um homem dos números”. Mas também de criatividade: foi ele quem, contra todas as críticas e barreiras, acabou por lançar um dos produtos de maior sucesso: as cápsulas Delta Q. Desde 2006, tem apurado a marca.

Mais recentemente lançou um novo sistema de extração de café expresso, o RISE, onde o café entra pelo fundo da chávena. Nesta experiência, por exemplo, desafiou o célebre designer francês Philippe Starck a desenhar a máquina – mais uma das provas do “mundo” que o avô tanto apreciava nele.

Em várias entrevistas que deu, Rui Miguel Nabeiro garantia que teve de trabalhar “o dobro ou o triplo para provar” o seu valor. Mas quem com ele priva, como António Saraiva, ex-presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), não tem dúvidas quanto às suas capacidades: “Há todas as garantias de que foi treinado e preparado. E já deu provas, no seu tempo de gestão, de que tem condições e visão estratégica”.

Comparações com o avô, avisa António Saraiva, são praticamente inevitáveis, mas injustas. Porque cada um vive num tempo próprio, com desafios próprios.

Rui Miguel Nabeiro no cortejo fúnebre do avô (Lusa)

 

Rita, a neta das coisas simples

Era a menina do avô. E não só por ser a única neta rapariga. Na hora da despedida, Rita Nabeiro descreveu o avô como “o porto seguro, o que aponta o caminho para a luz”, como “o nome onde cabem todos”, com “olhos vivos de eterno gaiato”.

A memória dele, garantia Rita, iria estar no café, mas também no copo de vinho. Porque esse sonho, o de plantar videiras em Campo Maior e ver nascer delas o néctar com que se celebram as vitórias, Rui Nabeiro confiou-o à neta.

Cerca de uma década depois das primeiras plantações surgia, em 2007, na Herdada das Argamassas, a Adega Mayor, com um edifício assinado pelo arquiteto Siza Vieira. Rita, nascida em Lisboa em 1980, ganhava um motivo adicional para se ligar às raízes.

Filha de João Manuel e irmã de Rui Miguel, Rita deixava em segundo plano a carreira como designer para assumir a “responsabilidade” de construir uma marca de vinhos altamente premiada – e na qual conseguiu imprimir o seu percurso mais criativo.

Mas, dizem aqueles que a conhecem, que é uma mulher simples. E de prazeres simples, como a fotografia ou a escrita. Ligada à terra, ao campo, aos valores fundamentais da família. Chama-lhe o seu “escritório a céu aberto”.

“A Rita é uma jovem extraordinariamente sensata, trabalhadora até dizer chega. Mesmo tendo nascido em Lisboa, ela conhece o caminho de Campo Maior de olhos fechados. Puxa muito ao avô na sua costela solidária e humana”, diz Conceição Zagalo, que é amiga próxima da família Nabeiro.

Daí que, na hora de passar o testemunho, o avô, seu “mentor e conselheiro de exceção”, tenha confiado nela para assumir, além da Adega Mayor, as áreas dos recursos humanos e da sustentabilidade.

Conceição Zagalo lembra que a natureza tem caminhos curiosos de se expressar. “Se olhar para os netos, quais são os mais parecidos com o senhor Rui?”. Os primos Rita e Ivan, responde também. Foram ambos, no dia a seguir ao funeral, fazer o mesmo percurso pelas empresas em Campo Maior que o avô tinha por hábito fazer, confidencia.

Rita Nabeiro com o pai na homenagem prestada pelos trabalhadores (Lusa)

 

Ivan, o neto da terra

Não dava um não. Dava a esperança. Era o maior. O meu avô, que não era meu. Era nosso”. No dia do funeral do avô, Ivan Nabeiro quis partilhar a sua perda com Campo Maior. Porque o “senhor Rui” era família de todos.

“O Ivan é o único em Campo Maior. Ele está ‘in loco’. É ele quem faz alguns dos périplos que o avô fazia todos os dias”, diz Conceição Zagalo, apontado a este neto um “papel mais local”. Mas, nem por isso, secundário. Antes pelo contrário.

Ivan, que tal como Rita subiu ao conselho de administração da Delta em 2021, fez no grupo um percurso fortemente ligado à área industrial e à componente social, através da Associação Coração Delta e do Centro Educativo Alice Nabeiro.

E essas são as chaves para que o filho mais velho de Helena Nabeiro - nascido em 1983, licenciado em Gestão e na Delta desde os seus 24 anos - possa ir atenuando alguns dos receios que tomaram conta de Campo Maior com a morte do fundador: de que o trabalho seja deslocado para outro lado e que falhe o apoio às instituições locais.

Ivan Nabeiro com a mãe, Helena (à direita), no cortejo fúnebre de Rui Nabeiro (Lusa)

 

Marcos Tenório, o neto fora do negócio

Apesar de ser acionista do grupo, o quarto neto, Marcos Tenório, nascido em 1986 e filho de Helena Nabeiro, não se senta no conselho de administração, nem participa nas decisões sobre o dia a dia do grupo. “Ele tem a doença que o pai tinha pelos touros”, dizia o avô, lembrando as crescentes críticas a esta atividade e deixando sempre a porta entreaberta para que também este herdeiro pudesse fazer o seu percurso no mundo do café. Um universo em que a mulher, Dália Madruga, antiga apresentadora de televisão, já está integrada: é responsável pela comunicação e marketing do Centro de Ciência do Café.

Os filhos de Rui Nabeiro, João Manuel e Helena, agradecem o apoio à população de Campo Maior (Lusa)

 

Pulo de uma geração?

“É das empresas que mais refiro como sendo um exemplo de cultura de empresa, que passa de geração em geração. E isso percebe-se: o respeito pela cultura da empresa, pelos valores, que não são apenas descritos nos relatórios e contas. Neste caso, é algo vivido e partilhado”, descreve Pedro Celeste, que coordenou cursos de formação de executivos para o grupo Nabeiro.

Mas, na hora de transmitir o legado, fica-se com a ideia de que houve um salto de uma geração, com a responsabilidade a ficar nas mãos dos netos. Mas será mesmo assim? Pedro Celeste descarta: “O filho do senhor comendador é de lá. É um homem da região, respeitado na região”.

Fala de João Manuel Nabeiro, nascido em 1954, que trabalhou mais de 40 anos com o pai. Mas,  visto como estando na sombra do comendador, enquanto administrador foi também tomando decisões nas várias etapas da vida da Delta. “É um cargo extremamente leve ser filho de quem sou, pais adoráveis, gente que sempre me encheu a alma e o corpo. Encheram a minha vida de luz”, disse à revista Forbes.

E, dos filhos, também não esconde o orgulho: “O meu Rui e a minha Rita têm tido um desempenho muito forte na empresa. Do lado da minha irmã Helena, o meu sobrinho Ivan também tem tido um bom desempenho na empresa”.

João Manuel Nabeiro tornou-se conhecido quando, na década de 1990, presidiu ao Campomaiorense, que chegou a disputar uma final da Taça de Portugal. Um clube de futebol que contou na altura com o forte investimento da família Nabeiro e da Delta - e ao qual o filho do magnata ainda hoje se mantém ligado. O foco está agora na formação, incluindo outras modalidades como o judo, a natação e a ginástica.

Também Helena Nabeiro, nascida em 1959, tem feito o seu percurso enquanto administradora no grupo. Um dos projetos que abraça com maior intensidade é o do Centro de Ciência do Café. “Pretende ser um centro de encontro de pessoas das mais diversas áreas e interesses”, descrevia numa das brochuras da Delta. Foi casada com o cavaleiro tauromáquico Joaquim Bastinhas.

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