Os filhos devem ou não ajudar nas lides domésticas? Sim, mas “os pais nunca devem pagar a uma criança para fazer tarefas”

3 dez 2022, 18:00
Crianças e tarefas domésticas

Gerir o que os filhos podem ou devem fazer em casa nem sempre é pacífico. E, muitas vezes, é mais exigente para os pais do que fazerem as tarefas domésticas sozinhos. Mas envolver as crianças nas atividades da casa é um contributo importante para o seu desenvolvimento

Madalena e Mariana têm apenas quatro e dois anos, mas já ajudam os pais nas tarefas domésticas como gente grande. E gostam. Aliás, para elas, é algo perfeitamente natural. Tão natural como brincar. Lá em casa não há tabelas, nem quadros, nem calendários. Elas tanto ajudam a fazer o jantar, como ajudam a colocar roupa para lavar ou a pôr a mesa e fazem as próprias camas todos os dias.

“Desde muito pequeninas que as incluo em tudo o que faço. A Madalena, aos dois anos, atravessou a covid e os confinamentos, e a irmã nasceu em plena covid. E a forma que nós tínhamos de conciliar tudo – trabalho e cuidar delas – foi incluí-la nas tarefas domésticas”, explica à CNN Portugal a arquiteta e designer de interiores Tânia Martins, que vai relatando as aventuras caseiras na sua página do Instagram.

Tânia admite que pedir a colaboração de Madalena e Mariana tem uma dupla intenção: afastá-las dos ecrãs. “Em vez de os colocarmos em frente à televisão para nos deixarem fazer as coisas descansados, prefiro incluí-las. Na realidade, elas não estão propriamente a fazer tarefas domésticas, estão a aprender como se faz, estão a usufruir da nossa companhia e da nossa atenção”, observa.

A importância de cuidar dos outros

Foi também esta a forma que Tânia encontrou de mostrar às filhas “a importância de cuidar da casa e dos outros”: “Elas sabem que têm de fazer a cama todos os dias – ‘eu vou fazer a minha cama, para ter o quarto arrumado, não porque a minha mãe manda’”.

A visão de Tânia Martins vai ao encontro daquilo que a psicóloga Marta Fialho destaca como importante nesta matéria. “A mensagem que deve ser passada aos filhos é que os contributos familiares são pequenos gestos de amor que devemos ter no cuidado uns com os outros. Os pais devem evitar o diálogo acusador, a vitimização (enviesando o sentido) e provocando na criança sentimentos de inferioridade, inutilidade e culpa do cansaço dos pais”, defende a especialista.

Mas Marta Fialho sublinha também a importância de realizar tarefas domésticas no desenvolvimento da criança: “Incentivar os filhos a colaborar na organização doméstica favorece a estrutura cognitiva da criança a longo prazo. Ajuda a desenvolver a capacidade de organização, planificação, orientação visioespacial, planeamento motor, atenção e concentração. Beneficia igualmente fatores emocionais tais como resistência à frustração, controle da autoestima por ser capaz de alcançar o objetivo pretendido, autoconfiança e sentido de colaboração.”

Sem forçar e sem “pagar”

Tânia incentiva as filhas a colaborar, mas assegura que “não força nada”. “Às vezes, estão só a brincar. Se não lhes apetecer, se elas estiverem a brincar bem, deixo-as brincar”, diz.

Mas a arquiteta também sabe que, muitas vezes, basta que uma das filhas aceite colaborar, para a outra também querer fazê-lo.

Tânia Martins reconhece que trazer as filhas para o universo das tarefas domésticas, às vezes, é mais exigente do que fazer tudo sozinha: “Demora mais tempo e exige muito mais paciência. E é evidente que nem todos os dias temos paciência. Há dias em que me apetece estar a cozinhar sozinha, por exemplo. Quando isso acontece, eu fico a cozinhar e o pai vai fazer outra atividade com elas, ou dar-lhes banho, ou brincar com elas para o jardim.”

A psicóloga clínica Marta Fialho lembra também a importância de não sobrecarregar os mais novos e de não mexer com o tempo que têm disponível para brincar. “É fundamental que as crianças possam contribuir em pequenas tarefas familiares em alguns dias da semana, sempre que estiverem disponíveis e desde que isso não comprometa a sua liberdade e os seus direitos… descanso, brincar, estar em família… ser criança!”, resume.

E se é importante que se cultive o voluntariado, é também importante que não haja remuneração. Marta Fialho defende que "os pais nunca devem pagar a uma criança para fazer tarefas, porque o filho não está a fazer um serviço”. “A criança é um agente participativo, que vive numa família que tem como objetivo central a harmonia familiar”, sublinha.

E, afinal, o que podem fazer as crianças?

Marta Fialho, especialista em psicologia do desenvolvimento, lembra que é necessário adaptar as tarefas às crianças. As atividades devem respeitar a idade das crianças, o seu nível de desenvolvimento e maturidade emocional. Por isso, deixa alguns exemplos daquilo que cada criança pode fazer, tendo em conta a idade.

Dos 2 aos 3 anos: a criança pode arrumar brinquedos em caixas, colocar papéis no lixo, colocar roupas no cesto da roupa suja, colocar almofadas no sofá e guardar sapatos.

Dos 4 aos 5 anos: pôr e tirar a mesa, dar comida ao animal, colocar a roupa suja dentro da máquina, guardar livros na prateleira e regar plantas.

Dos 6 aos 7 anos: preparar a mochila da escola, dobrar roupa, arrumar a sala, arrumar o seu quarto, aspirar, varrer o chão, lavar a loiça, limpar o pó e fazer a cama.

Dos 8 aos 9 anos: estender e apanhar roupa, varrer o chão, preparar sandes, cuidar do animal, limpar o pó, lavar a louça e preparar pequenos lanches.

Dos 10 aos 12 anos: arrumar o quarto, arrumar a cozinha, levar o lixo à rua, preparar uma salada, fazer pequenas refeições com supervisão, lavar uma peça de roupa simples à mão e lavar a banheira.

Adolescência: todas as tarefas domésticas.

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