Birras, mentiras e respostas tortas: truques e dicas para lidar com a indisciplina dos filhos

20 nov 2022, 18:00
Bullying (Pexels)

As crianças são “o melhor do mundo”, “a alegria de uma casa” e “a felicidade de um pai e de uma mãe”. Mas, com a maternidade e a paternidade, vêm também dores de cabeça. Lidar com o comportamento dos filhos e com a indisciplina das crianças é, por vezes, o maior desafio

“Birras infernais incontroláveis. Chegada do segundo filho. Diferença de dois anos. A mais velha faz birras por tudo e por nada, mas birras como nunca vi. Incontrolável, raivosa, atira-se de cabeça, manda-nos embora, contradiz-se, ora quer uma coisa ora não quer, berra desalmadamente, não se consegue acalmar, tudo o que dizemos a irrita, bate em todos, estaladas à séria.”

“Estou a desesperar com a indisciplina da minha L que tem oito anos! Depois de muito gritar, espernear, castigar e eu sei lá mais o quê, não consigo que ela entenda que lá em casa (infelizmente) não existe uma fada mágica que arruma tudo o que ela deixa espalhado.”

Os desabafos de duas mães num grupo de Facebook são o espelho do que se passa em muitas casas. A disciplina dos filhos afeta o funcionamento de centenas de famílias. Afeta rendimento escolar e põe os nervos em franja a muitos pais. Mas, afinal, o que é um filho indisciplinado? Como lidar com o mau comportamento das crianças e, acima de tudo, como evitá-lo?

Para tentar responder a estas e outras questões, a CNN Portugal ouviu uma psicóloga e uma terapeuta familiar. “Ser pai e mãe é uma tarefa exigente e desafiante. Traz alegrias, mas também desafios, medos e receios. Lidar com birras ou comportamentos desafiadores é uma necessidade constante e diária”, começa por lembrar a psicóloga Marisa Carvalho, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia da Educação, da Ordem dos Psicólogos.

Inês Sottomayor, terapeuta familiar, defende que, no âmago da questão, está a comunicação… ou a falta dela. “A indisciplina não é mais do que ir contra as regras estabelecidas, ter um comportamento desacuado face ao que é esperado. Então a primeira reflexão a ter é: será que as regras colocadas foram passadas de forma clara e assertiva? Foi compreendido por todos?”, questiona, lembrando também que “as crianças e jovens de hoje questionam mais e querem saber o porquê, já não basta dizer porque sim”.

As principais queixas dos pais

O desabafo da mãe da L, o segundo com que iniciámos este texto, é familiar a Inês Sottomayor. É um dos principais problemas que os pais lhe levam às consultas. Queixam-se das dificuldades em fazer com que os filhos cumpram rotinas e regras da casa. Mas há mais: “respondem mal e mentem para tentar obter o que desejam”. “Muitas das vezes, a indisciplina surge primeiro na escola, através das más notas, das faltas de respeito aos professores, de ‘brincadeiras’ inadequadas, tudo formas de mostrar que algo não está bem. A indisciplina nada é mais do que uma chamada de atenção para algo que não está a funcionar, quer no seio da família, quer na escola e por isso mais do que reprimir, castigar, que não vai resolver, o importante é ouvir, querer saber a verdadeira revolta e descobrir uma solução em conjunto”, acrescenta a terapeuta familiar.

Inês Sottomayor lembra que, “muitas das vezes, a indisciplina surge primeiro na escola"

A psicóloga Marisa Carvalho lembra que os problemas não diminuem à medida que as crianças vão crescendo. Só mudam o tipo de problemas com que os pais têm que se deparar. “Por exemplo, na infância é frequente os pais queixarem-se das birras dos filhos, algumas das quais associadas ao sono ou ao cansaço. Na adolescência, por exemplo, os pais queixam-se do desrespeito de regras relacionadas com o uso de tecnologias. São apenas exemplos, dado que podemos encontrar alguma variabilidade em função do contexto e da idade”, exemplifica.

“À medida que vão crescendo, os filhos vão questionando os pais. Este processo de questionamento é um processo normal que contribui para o desenvolvimento da autonomia e identidade pessoal. Os pais, nem sempre, compreendem o papel do questionamento como um sinal de desenvolvimento, mas sim como um sinal de desafio”, continua a psicóloga.

A indisciplina e as necessidades da criança

As profissionais ouvidas pela CNN Portugal concordam que é necessário olhar para a criança e para as suas necessidades, de forma a combater as manifestações de indisciplina. “Na base da indisciplina, estão sempre necessidades da criança ou do jovem que não estão a ser atendidas”, assegura Inês Sottomayor.

“Nas crianças mais pequenas, vemos as birras, o choro descontrolado. Nas crianças um pouco mais velhas, até à entrada da adolescência, é as chamadas ‘respostas tortas’ ou enfrentar o adulto, atirar com as roupas, livros, bater com as portas, tudo expressões de rebelião. Nos adolescentes o próprio isolamento e falta de comunicação é uma forma de indisciplina, assim como o desinteresse. Estarem em permanente desacordo”, acrescenta.

Nos adolescentes, o isolamento também pode ser uma forma de indisciplina. 

Para a terapeuta familiar, na base da indisciplina está, por norma, a falta de comunicação quer na família quer na escola. E a chave está, por vezes, mais acima: “Muitas das vezes nós adultos temos dificuldade em passar a mensagem do que realmente é importante, quais as regras estabelecidas o porquê de elas existirem, o que é esperado dos nossos filhos e alunos. Temos dificuldade em parar para os ouvir, permitir que se expressem, que tragam ideias, sentimos isso como ameaça à nossa autoridade e tanto a impomos que acabamos por a perder”.

Truques e dicas para lidar com a indisciplina dos filhos

Como cada caso é um caso, as birras e a indisciplina em casa de uns não se resolvem da mesma maneira que se resolvem casa de outros. Mas há conselhos que todos podem seguir e que ajudam qualquer um. “Afeto e paciência são comportamentos dos pais que dão segurança aos filhos e que sustentam relações positivas entre pais e filho”, resume a psicóloga Marisa Carvalho.

Além disso, a aposta deve ser na comunicação e no diálogo: “Criar oportunidades para o diálogo, ouvir, dialogar são formas de percebermos as necessidades dos nossos filhos e as suas preocupações bem como de os fazer sentir acolhidos. É de reforçar que comunicar com os filhos é, também, escutar (não apenas falar).”

A psicóloga explica que “facilitar a expressão emocional face às situações e ao quotidiano, bem como a partilha e discussão de diferentes pontos de vista” permita à criança e ao “conhecer os sentimentos e os sentimentos dos outros, aprender a autorregular-se e a expressar-se face a situações diversas, o que é essencial para o bem-estar individual e relacional”.

As especialistas estabelecem algumas regras fundamentais para lidar com a indisciplina dos filhos e… acabar com ela:

  • 1º regra: ouvir e acolher

É importante ouvir o jovem ou a criança e acolher os seus sentimentos. “Ouvir, mostrar o nosso acolhimento em como percebemos que algo não está bem e que estamos dispostos a ajudar, que queremos encontrar uma solução mais do que repisar o que não funciona”, sublinha Inês Sottomayor.

“É preciso ouvir os filhos acerca de uma dada situação, explicações, preocupações e sentimentos. Procurar perceber o que aconteceu e enquadrar a situação”, acrescenta Marisa Carvalho.

  • 2ª regra: validar sentimentos

Mostrar que se entende o que o filho sente é fundamental. A psicóloga Marisa Carvalho sublinha que “face a uma dada situação, reconhecer os sentimentos e opiniões das crianças, não desvalorizando, mesmo os sentimentos negativos” é importante.

Validar os sentimentos da criança é um dos passos para lidar com a indisciplina.

“Acreditar neles e valorizar é algo que funciona logo desde os dois anos, apenas o nosso discurso é mais simples mais direto e com menos opções. Conforme vão crescendo basta adaptar a nossa linguagem e responsabilizando cada vez mais pelo encontrar da solução”, lembra Inês Sottomayor.

  • 3ª regra: torná-los parte da solução

A terapeuta familiar reforça também a necessidade de envolver os jovens na procura da solução para o problema identificado, até porque o problema os envolve a eles. Assim, devemos “perguntar como eles querem resolver a situação, o que eles acreditam que os vai ajudar”.

  • 4ª regra: partilhar

A psicóloga Marisa Carvalho sublinha ainda que é importante “partilhar com a criança nos nossos pensamentos e sentimentos, de forma adequada à faixa etária”.

  • 5ª regra: evitar moralismos

Marisa Carvalho diz ainda aquilo que devemos evitar no que toca a prevenir e gerir birras e comportamentos indisciplinados. “Sermões moralistas ou imposição de muitas regras ao mesmo tempo são comportamentos a evitar. Ameaçar, gritar e bater são comportamentos que nunca devem ser usados”, resume a psicóloga.

E é possível prevenir?

Inês Sottomayor não tem dúvidas em responder que sim. E, mais uma vez, lembra que a chave está na comunicação: “É importante fala e ouvir muito os nossos filhos, deixar que tenham voz.”

Além disso, há que estabelecer regras, “de forma clara e assertiva” e certificarmo-nos que essas regras e a respetiva importância foram interiorizadas.

E depois, é preciso ter consciência que Roma e Pavia não se fizeram num dia e que não se pode resolver tudo de uma vez. Assim, é necessário estabelecer prioridades e “Começar pelo que incomoda mais, seja o tempo dos écrans, o estudo, o tomar banho, ir para a mesa…”. “Ninguém consegue mudar tudo de uma vez, os nossos filhos não são exceção”, lembra Inês Sottomayor.

 

 

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