Especialistas dizem muitas vezes que a melhor maneira de falar sobre peso com as crianças é evitar dizer o que quer que seja sobre peso
O filho de Oona Hanson regressou um dia a casa da escola com um desejo de comer de forma mais saudável. A mãe pensou que isso era um desenvolvimento positivo. Mas seis meses mais tarde, o seu filho estava no hospital com um distúrbio alimentar, contou Hanson, que não quis revelar o nome e a idade do seu filho para proteger a sua privacidade.
Hanson, que vive em Los Angeles, nos EUA, deu aulas a crianças durante anos e, tendo formação em psicologia educacional, pensava saber tudo o que precisava para evitar distúrbios alimentares nos seus filhos. Mas, segundo a própria, a sua experiência mostrou o quanto as famílias precisam de aprender.
Agora, Hanson treina pais e prestadores de cuidados sobre como ajudar os seus filhos a desenvolver uma relação saudável com a alimentação e com o seu corpo. É também mentora familiar na Equip, um serviço online de tratamento de distúrbios alimentares.
As perturbações alimentares têm impacto em pessoas de todas as idades, géneros e origens, dizem os especialistas, e um estudo publicado a 1 de agosto na JAMA Pediatrics mostra que até 5% das crianças com 9 e 10 anos de idade apresentam desordens nos comportamentos alimentares.
De onde vêm estas perturbações é uma questão complicada, disse Tom Quinn, diretor de assuntos externos da instituição de caridade britânica Beat, anteriormente conhecida como Eating Disorders Association (Associação das Perturbações Alimentares). Os distúrbios alimentares podem ter raízes no trauma, na genética, na imagem corporal, na pressão social, em perturbações na alimentação ou numa combinação de todas elas, disse Quinn.
Mas o que o mundo dos adultos transmite pode ter um impacto definitivo. Um estudo publicado em julho na revista BMJ analisou como os estudantes reagiam quando as escolas pesavam as crianças e notificavam as famílias, informando-as se a criança era considerada como estando num raio de peso saudável. Os estudantes - mesmo aqueles a quem foi dito que estavam num raio de peso normal - tinham mais probabilidades de tentar perder peso depois de as famílias receberem as cartas, mostrou o estudo.
Claramente, conversa negativa sobre peso pode ser prejudicial, mas o estudo sugeriu que os comentários positivos também podem ter um efeito contrário. Ter uma relação saudável com a sua alimentação, corpo e peso pode preparar as crianças para uma vida mais feliz e há formas de os adultos poderem moldar as suas conversas de modo a ajudar, dizem os especialistas.
Foco no equilíbrio
Biscoitos, brócolos, peixe grelhado, gelados, batatas fritas e amêndoas: é provável que consiga olhar imediatamente para esta lista e distinguir as que lhe parecem boas e as que são más.
No entanto, rotular alimentos desta forma pode na verdade contribuir para uma má relação com os alimentos e com o corpo, diz Hanson.
"Muitas destas mensagens sobre comida e corpo vêm através destes ‘cavalos de Tróia’. Muitos comportamentos são descritos como sendo saudáveis quando na realidade são muito semelhantes a comportamentos de perturbações alimentares."
Em vez de falar sobre alimentos como sendo bons ou maus, saudáveis ou não saudáveis, pode ser útil concentrar-se no equilíbrio, aponta Lisa Damour, psicóloga clínica do Ohio especializada no desenvolvimento de raparigas adolescentes.
Isso pode significar colocar a ênfase sobre o saber cuidar de si próprias de uma forma bem fundamentada, com atividades agradáveis, bom descanso, atenção às pistas que o corpo dá e alimentação variada, recomenda.
"A lista do que o seu corpo precisa incluirá muitas frutas e vegetais, muitas proteínas saudáveis, pode e deve absolutamente incluir alimentos que são guloseimas só porque são divertidos de comer", refere Damour.
"Há muitas conversas que os adultos podem ter com os seus filhos que podem abordar preocupações que os adultos podem ter... que não têm nada que ver com falar com as crianças sobre quanto pesam", acrescenta.
Olhem para o que estão a criar como modelo
É importante estar atento não só ao que diz aos seus filhos sobre o seu peso mas também ao que eles o ouvem dizer de si próprio e dos outros.
Talvez seja admirar um corpo pequeno de alguém na televisão, elogiar a perda de peso de um amigo ou lamentar oralmente as suas próprias inseguranças: seja qual for a forma como enquadra o peso, é provável que os seus filhos comecem a moldar a sua visão com base no que ouvem, considera Hanson.
E muito do que eles ouvem diz-lhes que corpos mais pequenos são melhores e que ganhar peso é mau.
"Uma grande parte da forma como as crianças aprendem a navegar pelo mundo é observando", diz Damour. "Um bom lugar para começar seria examinar os padrões dentro de casa."
Mudar a forma como fala sobre o corpo com os filhos é um poderoso princípio para começar mas pode ser difícil retirar a vergonha e o estigma do seu próprio vocabulário. Nesses casos, quando lhe escapa um comentário crítico ou um elogio à perda de peso de alguém, Hanson recomenda que fale com o seu filho sobre o que aconteceu - mesmo que seja depois do facto.
"Volte depois e diga 'sabes que mais? estávamos a fazer as malas para a viagem e eu estava a tirar os calções do ano passado e eles não cabiam e eu disse algumas coisas más sobre o meu corpo, isso vem de uma maneira antiga de pensar e eu estou realmente a tentar pensar em mim de uma maneira diferente'", aconselha Hanson.
Mudar as proporções
Sabemos que criticar o peso e os corpos pode ter um efeito negativo - mas que tal comentários positivos ao corpo, tais como "tu és tão bonito" ou "tu estás em grande forma"?
Isso também é complicado, dizem os especialistas.
"Não vou dizer a alguém que não pode dizer ao seu filho que ele é belo", afirma Damour. Mas "o que queremos fazer é ter a certeza de que estamos realmente atentos a quanto tempo estamos a comentar o corpo da nossa criança e a quanto estamos a comentar o seu conteúdo".
Há maneiras de falar sobre corpo de uma criança que não se concentram na aparência, como elogiar a sua força ou graça e enfatizar todas as grandes coisas que o seu corpo lhes permite fazer, acrescenta.
Mas, em muitos aspetos, o seu corpo e aparência são uma questão de sorte, sublinha Damour.
Há um tempo e um lugar para dizer ao seu filho o quão especial e adorável o acha - basta ter a certeza de que passa a maior parte do tempo a falar sobre carácter e não sobre aparência, afirma.
"Há muitas desvantagens em comentar o peso de alguém, não importa o que se diga. Se tiver a opção de simplesmente não o fazer, penso que é uma opção maravilhosa".
*artigo originalmente publicado a 13 de agosto de 2022
Leia aqui as recomendações do Serviço Nacional de Saúde sobre perturbações do comportamento alimentar.