Em entrevista à CNN Portugal, o matemático Henrique Oliveira, do Instituto Superior Técnico, diz que o fim do uso obrigatório de máscara foi tomado "ao arrepio dos indicadores" e que a recomendação dos especialistas era só para as escolas e não para os locais de trabalho
Numa altura em que não é obrigatório usar máscara na rua ou no trabalho (com algumas exceções) e o número de casos de covid-19 aumenta a cada dia, importa equacionar o regresso da medida de proteção. Quem o defende é o matemático Henrique Oliveira, um dos autores do relatório do Instituto Superior Técnico (IST) sobre a pandemia, que indica que a eliminação do uso de máscara aumentou as infeções em Portugal e colocou o país na iminência de uma sexta vaga de covid-19.
De acordo com o matemático, a eliminação do uso de máscara "parece ter tido um efeito muito acentuado na subida de casos atual", uma medida que os especialistas do IST consideram ter sido "acertada" nas escolas, mas que está a provocar um "excesso de contágios" em ambiente laboral.
Recorde-se que o uso de máscara deixou de ser obrigatório a partir de 22 de abril, com exceção dos estabelecimentos de saúde, assim como nos lares de idosos, serviços de apoio domiciliário, unidades de cuidados continuados e transportes coletivos de passageiros.
"Quando fizemos a recomendação a 19 de abril foi só para eliminar nas escolas", começa por dizer o matemático. Isto porque retirar a máscara na generalidade tem "efeitos imprevisíveis", sobretudo quando conjugados com outros fatores. "Sabíamos que estávamos a atingir o prazo de validade das linhagens anteriores."
"Quando a máscara foi totalmente retirada estávamos com mais mortos que o expectável. Tomámos a decisão ao arrepio dos indicadores. Agora nota-se que há um aumento de contágios na população ativa: devido à nova linhagem mais contagiosa - e está a começar a notar-se nos números - e, por outro lado, a máscara em contexto laboral propicia esse crescimento na população ativa", indica o especialista.
Outro exemplo: num concerto, apenas três infetados podem causar 200 contágios
Henrique Oliveira defende, assim, que o uso de máscara no local de trabalho pode travar o crescimento do número de casos na população ativa. "Estar a trabalhar com um conjunto de pessoas num escritório fechado e sem máscara continua a propiciar o contágio."
"Se tomarmos algumas medidas de alerta para usar máscara em contexto laboral, vamos ter uma travagem nos contágios", afirma o matemático.
Mas não só. Também há eventos que contribuem para acelerar o número de casos, como concertos ou festivais ao ar livre. "A sociedade tem de interiorizar que é preciso usar máscara em espaços fechados, mas também em locais onde as pessoas estiverem muito concentradas", adverte o matemático, que exemplifica: "Num concerto com 1.500 pessoas numa sala fechada, se três estiverem infetadas com covid-19 pode haver cerca de 200 contágios."
"Estatisticamente, se deixássemos as discotecas sem máscara e o trabalho com máscara, isso já ajudaria: a média de contactos diários já baixava", conclui Henrique Oliveira.
Em conversa com a CNN Portugal, o presidente da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública diz que Portugal está a seguir o caminho mais prudente no que diz respeito ao isolamento, mas também defende que podíamos ter mantido medidas mais restritivas em relação ao uso de máscara. “Não devíamos ter libertado o uso de máscara de forma tão radical”, considera Gustavo Tato Borges, que concorda que teria sido prudente manter o uso obrigatório da máscara no local de trabalho.
Também o matemático Óscar Felgueiras, um dos conselheiros do governo, é da opinião que "há situações em que deveria ser recomendável" o uso de máscara. "Estamos a assistir a um aumento muito expressivo de casos. Há mais 41% de novos casos na última semana", sublinha, antecipando: "Este crescimento está a ser impulsionado pelos mais jovens, mas vai alastrar-se às faixas etárias superiores." Por isso, o especialista defende que, neste momento, faz sentido usar máscara em inúmeros contextos: principalmente tudo o que envolva proximidade com pessoas mais vulneráveis, como imunodeprimidos e idosos.
Bastaria voltar a usar máscara para travar a sexta vaga?
Não é bem assim. Isto porque, explica o matemático Henrique Oliveira, usar máscara no trabalho "ajudaria a travar a sexta vaga e a salvar algumas vidas, mas não a iria deter totalmente". Além disso, prevê-se que "a sexta vaga não vai ser infinita" como em janeiro do ano passado. "Vamos ter uma redução normal nos meados de junho e julho, mesmo que não tomemos grandes medidas. O que é persistente são os contactos diários e também estes se saturam: ao fim de uma recomposição dos contágios - do círculo estar todo infetado - vamos ver uma descida", indica.
No entanto, "se implementarmos medidas, travamos o crescimento de novas linhagens", salienta Henrique Oliveira.
Também Óscar Felgueiras destaca que o momento atual "de transição de variantes". Aliás, o mais recente relatório do INSA mostra a ascensão da linhagem BA.5 em detrimento da BA.2.
"Não vamos conseguir afastar uma sexta vaga. É inevitável. Conjugam-se vários fatores", antecipa.
Contudo, Óscar Felgueiras lembra que estamos num contexto muito diferente do ano passado: há muitos mais casos, mas com um impacto inferior. "A grande diferença é que, ao dia de hoje, não temos risco de ruptura hospitalar e a esse nível é justificável a mudança de postura. O que não quer dizer que a pandemia tenha acabado", adverte, reiterando: "A pandemia não acabou e as pessoas devem agir em conformidade tendo em conta o risco individual."
"As próprias pessoas deviam ter consciência que, atualmente, andar sem máscara é mais arriscado em termos de contração da doença do que era há umas semanas", reforça Óscar Felgueiras.
Há ainda outro fator a ter em conta: o fim dos testes gratuitos nas farmácias pode ter causado uma alteração de paradigma, aponta o especialista, que indica que mais de um terço dos testados estão a dar positivo. Além disso, na última semana, o número de testes PCR foi superior ao número de testes rápidos.
"Isto significa que muitos infetados não se estarão a testar - tal é o expectável quando temos um aumento significativo da positividade - e é mais um fator que pode impulsionar o aumento de casos", explica.