Como atua o vírus nos vacinados? Sete respostas sobre o comportamento do Sars-Cov-2

5 dez 2021, 11:30
Covid-19

Com o crescimento do número de infetados a fazer soar os alarmes pela Europa e com a chegada de uma nova variante, os especialistas explicam como se comporta atualmente o vírus

O número de novos infetados com Sars-Cov-2 voltou a fazer soar os alarmes e a forma como a variante Ómicron se propaga levanta questões sobre o quão seguras as pessoas vacinadas estão e o quão perigosos pequenos hábitos podem continuar a ser.

À CNN Portugal, e a propósito da variante Delta, que continua a ser dominante no país, os especialistas deixam claro o papel importante que a vacinação tem no combate à propagação do vírus e às suas consequências: apesar de não ser totalmente eficaz no combate ao contágio, é um escudo-protetor contra formas graves de Covid-19 e, por isso, tem um impacto positivo não só nas hospitalizações, como também nos óbitos - atualmente, a maioria dos internados em Portugal são não vacinados ou pessoas imunodeprimidas. 

“O que sabemos é que qualquer vacina não impede a infeção a 100%, temos varicela e estamos vacinados contra a varicela e também temos gripe e há grupos que estão vacinados contra a gripe. O que sabemos é que a vacinação, de forma mais ou menos significativa e um bocadinho variável de acordo com o vírus e de acordo com a própria pessoa, reduz, de facto, não só a taxa de infeção, como também o facto a durabilidade e intensidade dos sintomas ser menor, por outro lado a transmissão”, diz Carlos Palos, intensivista e coordenador da Comissão de Prevenção, Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos do Hospital Beatriz Ângelo.

Durante a reunião de avaliação sobre a situação da pandemia em Portugal, que aconteceu no dia 19 de novembro na sede do Infarmed, em Lisboa, o epidemiologista Henrique Barros revelou que a cobertura vacinal em Portugal (cerca de 87% da população elegível) evitou a morte de quase duas mil pessoas desde maio, além de que evitou perto de 200 mil infeções. Para o especialista, a vacinação mostrou-se eficaz também na hora de evitar um novo colapso do Serviço Nacional de Saúde, uma vez que resultou em menos 135 mil dias em enfermaria e menos 55 mil dias em unidades de cuidados intensivos.

Quanto à nova variante, a Ómicron (e sobre a qual ainda pouco se sabe), a eficácia das vacinas é ainda um tema de debate, sobretudo devido às mutações que esta nova variante apresenta. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS) alertou para uma ligeira perda de eficácia, mas novas vacinas estão já em desenvolvimento, com a Novavax a estimar ter uma pronta já em janeiro do próximo ano. Quanto à sua transmissibilidade e risco de morte, ainda não existem dados suficientes para afirmar se é ou não mais grave do que a variante Delta, que continua a ser a mais comum.

Perante o crescimento do número de casos em Portugal e um pouco por toda a Europa, importa saber como é que o vírus se comporta atualmente e quais são as melhores estratégias de proteção.

1 - O que dita o comportamento do vírus?

“A transmissão do vírus vai depender da conjugação de vários fatores”, começa por dizer Carlos Palos. A variante Delta é, de momento, o fator principal, pois tem-se mostrado altamente contagiosa e de rápida propagação, tendo até levado a Organização Mundial da Saúde (OMS) a alertar para o facto de reduzir a taxa de eficácia contra a transmissão em 40%, sendo, por isso, necessário continuar a colocar em prática outras medidas de mitigação do vírus, como o uso de máscaras, a higienização das mãos e dos espaços e o distanciamento físico.

Para além da taxa de vacinação e da cobertura imunitária por ela oferecida, para o intensivista Carlos Palos, um outro fator que pode condicionar a forma como o vírus agora atua é o clima, uma vez que “a temperatura e a humidade relativa, de facto, condicionam a propagação do vírus e sabemos que o vírus se transmite mais facilmente no frio e com menor humidade relativa”. Tal faz com que a sazonalidade seja um fator a ter em conta, como disse Henrique Barros em declarações à CNN Portugal. 

O inverno é a época mais propensa aos vírus respiratórios e a ação entre os vários vírus (desde o da gripe, o Sars-Cov-2, o vírus sincicial respiratório e o rinovírus) é também um fator importante na hora de avaliar como o novo coronavírus de comporta. “Os vírus respiratórios podem interagir de forma competitiva ou de forma cooperativa, ou seja, podem interagir potenciando ou inibindo-se uns aos outros e não sabemos muito bem neste jogo o que é que verdadeiramente acontece”, afirma o coordenador da Comissão de Prevenção, Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos do Hospital Beatriz Ângelo.

O facto desta nova variante apresentar 50 mutações, a maioria (32) na proteína S, pode colocar em causa a eficácia das vacinas, desenvolvidas para atuar nessa mesma proteína de forma a proteger as células. Com a eficácia das vacinas de algum modo melindrada, aumenta o risco de desenvolvimento de doença grave, embora ainda não haja evidência científica que comprove esta relação.

2 - Como atua o vírus nos vacinados?

“Sabemos que o vírus [Sars-Cov-2] circula livremente entre vacinados, somos vetores de transmissão”, diz Pedro Simões Coelho, investigador na Nova Information Management School (NOVA IMS). Na pessoa vacinada, o vírus acaba por atuar de uma forma mais leve e embora possa “ficar novamente doente”, o mais provável é que tenha “uma doença que é mais ligeira” e com sintomas mais suaves ou fique até mesmo assintomática. No entanto, é já sabido que a imunidade conferida pela vacina decai com o tempo, o que pode levar à necessidade da administração de doses de reforço, como já está a acontecer com os grupos de risco e com as pessoas que tomaram a vacina da Janssen (de dose única). “Do ponto de vista matemático e probabilístico, esta primeira geração de vacinas dá validade para seis meses, depois a proteção diminui”, explica Carlos Antunes, matemático e membro da equipa da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa que tem colaborado com as autoridades de saúde portuguesas no combate à pandemia.

De acordo com uma análise publicada pela revista Nature, a variante Ómicron tem-se mostrado mais forte do que os anticorpos, tendo-se registado casos de reinfeção em pessoas recuperadas da infeção pela variante Delta.

3- E nos não vacinados?

“As pessoas não vacinadas podem funcionar como reservatórios virais, que depois vão transmitindo o vírus”, explica Carlos Palos. Ao The New York Times, Erin Bromage, imunologista na Universidade de Massachusetts, nos Estados Unidos, diz que as pessoas não vacinadas “têm uma alta carga viral”, o que acelera e intensifica a contaminação, pois não possuem anticorpos para combater o vírus. De acordo com a Universidade de Colorado, também nos Estados Unidos, há estudos que sugerem que a carga viral nos não vacinados é “cerca de 1.000 vezes maior do que com a cepa original do SARS-CoV-2” e a variante delta é um fator importante nesta situação.

Além disso, as pessoas não vacinadas estão mais vulneráveis ao desenvolvimento de formas graves da doença e de necessitar de hospitalização (seja em enfermaria ou cuidados intensivos), uma vez que além de não terem o sistema imunitário preparado para combater o vírus, acabam por ficar mais tempo com ele no organismo, ao contrário do que acontece com as pessoas vacinadas, como diz um recente estudo, ainda não revisto pelos pares, levado a cabo pelo Centro Nacional para Doenças Infeciosas de Singapura

4- Os sintomas são os mesmos?

Sim e não. Numa publicação atualizada em julho (a mais recente), o site do Serviço Nacional de Saúde aponta como sintomas de Covid-19 “febre (temperatura acima de 38.0ºC) sem outra causa atribuível, tosse (seja recente ou como agravamento do padrão habitual, ou associada a dores de cabeça ou dores generalizadas do corpo), dificuldade respiratória/dispneia (sem outra causa atribuível), perda total ou parcial do olfato (anosmia), enfraquecimento do paladar (ageusia) ou perturbação ou diminuição do paladar (disgeusia) de início súbito”. No entanto, as queixas mais recentes apontam para uma sintomatologia mais próxima daquela que é sentida com as constipações típicas desta altura do ano. “Com a mudança do perfil epidemiológico, a vacinação e a adaptação do vírus, parece um resfriado comum, febre e cefaleia”, explica Vítor Laerte, infeciologista da Clínica Cuf Almada.

No caso da Ómicron, a perda do paladar e do olfato parecem não ser sintomas comuns. Atualmente, a sintomatologia associada a esta nova variante varia da fadiga severa à tosse seca e há ainda casos de dores de cabeça e no corpo e também de dores de garganta. No entanto, ainda é muito cedo para saber se a Ómicron provoca doença mais grave, apesar de uma médica que tratou alguns doentes na África do Sul ter declarado à Reuters que os doentes tinham apenas sintomas ligeiros

5 - O vírus pode ficar nas superfícies? 

Sim pode, mas o risco não é tão elevado como se pensava. “Há muitas discussões sobre os tempos de permanência. Sabemos que as bactérias, vírus e fungos chegam  a ficar semanas ou meses nas superfícies, isto não é novidade nenhuma. No entanto, a carga que fica nas superfícies pode não ser suficiente para provocar infeção no mundo real. O que sabemos é que de facto a componente respiratória é de longe o mais importante”, afirma Carlos Palos. Quanto ao risco, o intensivista explica que “as superfícies poderão conter os vírus, de facto, a pessoa pode contaminar-se com o vírus, mas é preciso, por exemplo, que a pessoa faça qualquer coisa como tocar e depois levar à boca”, daí a importância da higienização das mãos.

6 - O vírus fica nas máscaras?

Sim e o infecioloista Vítor Laerte, alerta que “não devemos pôr a mão na máscara, é trocar e deitar fora”. Com o passar do tempo o uso de máscara tem vindo a ser feito de forma mais relaxada, mas a verdade é que este acessório continua a ser a melhor arma contra a contração do vírus. “Quanto ao uso de máscaras, o que recomendo fortemente é que sejam usadas em espaços fechados e sem distanciamento físico. A transmissão ocorre quando um de nós inala ar que foi expirado por outra pessoa. A probabilidade [de contaminação] é muito maior quando as pessoas estão encostadas umas nas outras, porque as partículas ficam suspensas no ar”, explica Manuel Carmo Gomes, professor de epidemiologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Mas, continua, “se houver movimento do ar, através de janelas ou [se as pessoas estiverem] na rua, as partículas dissolvem-se” e o risco de contágio é menor.

No entanto, para que a máscara seja eficaz, não importa apenas usá-la, é também necessário manuseá-la da forma correta. “Há a possibilidade de o vírus pode ficar algum tempo na superfície [da máscara] até ressecar. Para evitar isso [risco de contágio] é trocar de quatro em quatro horas a [máscara] cirúrgica comum. E claro, evitar colocar a mão na máscara, só tocar na parte dos elástico”, diz o infeciologista, que continua: “a máscara tem um impacto muito maior no controlo do vírus e, este ano, não temos como fugir à máscara. Sabemos que há países em que as pessoas não usam máscaras e isso reflete-se no aumento no número”.

7- Ainda é preciso manter a distância de 1,5 metros?

Sim, especialmente se as pessoas estiverem sem máscara ou em aglomerados. E Carlos Palos dá um exemplo simples para explicar como o risco é instantâneo: “O espirro funciona como uma bomba biológica, rapidamente dissemina o vírus por uma determinada área”. Para Carmo Gomes, “a variante Delta é altamente contagiosa” e, por isso, “requer coberturas vacinais elevadas e distanciamento, um comportamento que não interfere com a vida social e setores e economia, mas que atrasa a propagação”.

 

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