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Diretor executivo CNN Portugal

Uma aventura triste do Presidente, do primeiro-ministro, do líder da oposição e dos conselheiros de Estado no jardim-escola

6 set 2023, 19:58
Conselho de Estado de 5 de setembro (Lusa/Rodrigo Antunes)

Há alturas em que não dá para levar políticos a sério

Zangam-se as comadres, descobrem-se as mentiras

Governantes que amuam, Conselheiros que bufam, Estadistas que mentem. Fecharam um punhado de ilustríssimos notáveis numa sala dourada e o que deu foi estes insultos e estas palavras: "Foi concluída a análise da situação política, económica e social". Bravo! Não estamos salvos de nenhum problema nem a salvo destes mestres de vazio, mas bravo!, acharam uma utilidade ao Conselho de Estado, a de inventar conflitos surdos para evitar confrontos sérios.

E querem que caiamos nisto. 

Os tribunais portugueses bloquearam todos por causa de uma obra numa infraestrutura em Évora. A ex-presidente da TAP processa a companhia e quer quase seis milhões por despedimento sem justa causa. Mas o que interessa é Marcelo ter reunido o Conselho de Estado.

demissões nos Hospitais, greves, utentes a perder consultas marcadas há meses, mortes de quem espera pelas urgências. Mas o rumor é o de que António Costa despeitou o Presidente e os conselheiros de Estado ficando em silêncio. 

Faltam vagas nas creches, há alunos que ainda não estão colocados, centenas de horários de professores por preencher, mais greves e problemas nos vales dos manuais escolares. Mas o que o líder da oposição tem a dizer é que o primeiro-ministro amuou no Conselho de Estado.

A inflação acumula-se, Centeno pede tino, o crédito encarece, os preços das casas superam as nossas possibilidades, a habitação tornou-se o maior problema social nas cidades. E o que o primeiro-ministro tem a dizer é que não contem com ele para conselheiros de Estado mentirosos.

E o Presidente da República? Ficou estupefacto. Naturalmente. E depois fez duplas negativas para... desmentir o primeiro-ministro: Costa ficou mesmo calado na reunião (confirmando que amuou) mas não foi por mal (negando as querelas), disse Marcelo a ser Marcelo. A facada é tão deliciosa quanto fútil. Naturalmente.

Há alturas em que não dá para levar políticos a sério, tenho dito e escrito muitas vezes que isto às vezes parece um jardim-escola. Mas é evidente que todo este vazio tem uma consequência, se não uma causa: a de que uma linha de coisa nenhuma ocupe o espaço de mais do que quatro parágrafos de problemas.

É mudar de assunto, é tática de comunicação, é o mínimo de discurso e o máximo de pobreza. 

Esta reunião do Conselho de Estado não interessa nada, o que é triste, mas o que querem é desviar as nossas atenções, o que é traste. A péssima relação que hoje existe entre Costa e Marcelo é um facto político relevante, mas esta discussão sobre quem se calou, quem pouco fez e quem não comentou numa reunião sobre nada não é relevante e não é sequer político, é só manobra de diversão. Zangam-se as comadres, descobrem-se as mentiras.

Infelizmente, assim António Costa foge às crises com que nos confrontamos. Infelizmente, Marcelo Rebelo de Sousa ajuda levando o bombo com que se faz a festa. Infelizmente, Luís Montenegro não tem inteligência política para fugir à cantiga e entoa-lhe o refrão. E, infelizmente, os Conselheiros de Estado prestam-se ao exercício público da futilidade à custa dos seus nomes. Não sei como não se demitem do cargo se os demitem das funções.

As 74 palavras de conclusões no comunicado final são exemplares: tão pouco chegou para "reafirmar a solidariedade e a admiração pela resistência" de um povo  e reconhecer que, perante tamanhas adversidades, há "concordância entre os órgãos políticos de soberania" e "o compromisso de Portugal". É bom que esta declaração de força e união esteja nas 64 palavras sobre a Ucrânia, mas é pena que nem sombra deste espírito salpique as singelas 10 palavras sobre Portugal.

Nós cá é mais amuos, mentiras e bufos.

Que Conselho. Que Estado.

 

Nota: artigo alterado às 20h14 para incluir a reação do Presidente da República.

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