Volta a França: uma antevisão de olho na história e no duelo entre Pogacar e Vingegaard

Ontem às 09:30

111.ª edição da prova marcada por última semana «diabólica» e uma crono-escalada a substituir os Campos Elísios

A espera terminou. A Volta a França está aí ao virar da curva e os melhores ciclistas do mundo prontos para trazer até aos espetadores o melhor que a modalidade tem para oferecer.

Como é hábito, o mês de julho é sinónimo de bom ciclismo e em ano de Euro 2024 e Jogos Olímpicos, há mais estrelas a brilhar, mas desta feita pelas estradas gaulesas.

Esta quinta-feira, a apresentação em Florença mostrou pela primeira vez o pelotão completo para a 111.ª edição do Tour, porventura o mais competitivo dos últimos anos (pelo menos no papel). Destaque claro para o duelo que apaixonou os amantes da modalidade nos últimos quatro anos, Pogacar vs Vingegaard, para o que pode ser o desempate (a golo de ouro ou até mesmo bicicleta de ouro), tendo em conta que ambos têm dois troféus no palmarés.

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E foi precisamente este um dos temas principais de uma série de perguntas feitas a Tiago Machado, um dos ciclistas portugueses mais «internacionais» deste século e a Nuno Sabido, antigo ciclista e atualmente treinador. Ao Maisfutebol, o quase quarentão (38 anos para ser preciso) prevê uma luta acesa entre o esloveno e o dinamarquês, à semelhança do que tem acontecido nos últimos anos.

«Acredito que vá existir esse duelo entre Pogacar e Vingegaard, ainda por cima com a última semana, que é duríssima e pode favorecer o Vingegaard que vai chegar mais fresco na sua preparação», explica Tiago Machado. A estas palavras, o famalicense acrescenta que apesar da queda sofrida no País Basco, Vingegaard teve pela frente um desafio ainda maior, competir sem um dorsal nas costas.

«Não teve competição com dorsal, mas por vezes, as competições mais difíceis para um ciclista são as que temos em casa. Essas é que são as piores e falo por experiência própria, porque uma pessoa por vezes excede-se nos treinos (risos). As maiores batalhas são as que temos de travar contra nós mesmos, tentamos dar sempre mais, mas o corpo tem limites e avisa-nos», acrescenta.

«Acho que existem apenas três candidatos à vitória do Tour: Vingegaard, Pogacar e Roglic. Nenhum outro atleta tem maior capacidade que estes três, são os melhores ciclistas da atualidade, não há ninguém como ele. Não creio que o Remco alguma vez tenha a capacidade para vencer uma Grande Volta, com algum destes ciclistas presentes na mesma. Dificilmente o Remco terá essa capacidade, porque isto é muito genético, nunca será um trepador de alta montanha», considera Nuno Sabido, quando questionado sobre os favoritos à conquista da prova.

Mas porque não perceber melhor um pouco da temporada de cada um destes atletas, considerados por muitos, os dois melhores ciclistas da atualidade.

Tadej Pogacar

Um dos erros apontados ao esloveno na última época foi o facto de ter «ido a todas». Perante os avisos, Pogacar centrou atenções nas Grandes Voltas e pelo meio arrecadou ainda mais duas «Clássicas», com as vitórias na Strade Bianchi, em março deste ano e a Liège-Bastogne-Liège, a meio de abril.

Na Volta a Itália, despachou toda a concorrência com mestria e provou uma vez mais o porquê de ser considerado um «one of a kind». Seis vitórias em etapas, recorde de mais dias com a camisola rosa ao peito e duas classificações no bolso (geral e montanha), deram ao esloveno o primeiro troféu da carreira no Giro.

A este Tour chega fresco e nas palavras do próprio, numa forma «melhor do que esperava». Mas se Pogacar por si só já é uma ameaça, quando juntamos João Almeida, Juan Ayuso e Adam Yates, estão reunidas as condições para um domínio que nos leva até aos tempos áureos daquela Sky, com Froome, Porte, Thomas, entre outros.

«As estratégias do Pogacar e da UAE Emirates por vezes deixam muito a desejar, sobretudo porque ele é um ciclista que se expõe demasiado», considera Nuno Sabido, face às estratégias da equipa do esloveno, nomeadamente contra um adversário como Vingegaard.

Jonas Vingegaard

Ao contrário do mais direto rival, a vida não parece estar muito facilitada para o dinamarquês da Team Visma / Lease a Bike. É certo que triunfou no Gran Camiño e no Tirreno-Adriático, mas a queda (muito feia) que sofreu na Volta ao País Basco deixou cair uma preparação mais consistente para este Tour.

Para piorar as coisas, viu-lhe ser retirado o seu mais fiel «escudeiro», após Sepp Kuss testar positivo para a Covid-19. Ainda assim, nas costas, além do dorsal número um, Vingegaard tem também o peso de tentar fazer o «tri», depois das duas vitórias consecutivas em 2022 e 2023.

Ao seu lado vai ter um alinhamento de luxo, no papel se calhar não tão forte como da Emirates, mas certamente com mais experiência nesta prova. Destaque claro para Wout Van Aert, uma locomotiva e «pau para toda a obra», Matteo Jorgenson ou até mesmo Wilco Kelderman, apostas seguras para o sucesso da equipa na Volta a França.

«Vingegaard é muito mais metódico e espera pela iniciativa dos adversários, a equipa da Visma joga mais na defensiva e no fim ser espetacular não interessa muito, o importante é ganhar», refere Nuno Sabido, quanto à forma de correr do dinamarquês e da própria equipa.

Só que este Tour não se faz apenas de dois nomes, há mais candidatos ao título, ainda que não sejam assumidos (pelo público em geral). Primoz Roglic e Remco Evenepoel completam um quarteto de luxo e um sonho antigo de muitos fãs, que antecipavam uma batalha entre estes quatro «monstros» das duas rodas.

Um deles tem a maldição de nunca ter vencido a Volta a França (Roglic) e o outro (Remco) faz precisamente a estreia nesta competição. Agora, há que olhar também para as opções dentro destas equipas e o destaque é óbvio, sobretudo para nós portugueses.

João Almeida está indicado como gregário de Pogacar, mas o impacto do português pode ser muito maior do que se espera. Para Tiago Machado, o «legado» dos ciclistas lusos mostrou ao longo dos anos a importância que representam nesse papel de «ajudante», muitas vezes esquecido pelo sucesso dos líderes.

«Os portugueses têm um legado muito grande de gregários fiéis aos seus líderes e basta ver quando eles têm um gregário português não abdicam dele com facilidade para outras equipas. Isso quer dizer que nós somos fiéis, cumprimos a nossa parte, porque sabemos que há dias para todos, um dia é para eles e no outro pode ser para nós. Numa corrida de ciclismo nem sempre ganha o mais forte», explica o antigo vencedor da Volta à Eslovénia.

O ciclista de Á dos Francos junta-se aos compatriotas Rui Costa (campeão nacional de fundo) e Nelson Oliveira (quatro vezes campeão nacional de contrarrelógio). Ao contrário de João Almeida, ambos devem ter maior liberdade para «caçar» etapas, algo que já conseguiram no passado.

«Não creio que o João tenha liberdade para tentar vencer uma etapa logo à partida, mais para a frente e consoante a posição do Pogacar na classificação geral, as coisas podem alterar-se. Ainda é muito cedo para fazer este tipo de previsões, mas apenas em circunstâncias muito específicas é que o João pode tentar fazer algo desse género. Diria que este é o ano do “tudo ou nada” para a UAE e o objetivo principal é vencer o Tour», afirma Nuno Sabido.

A favor dos portugueses joga a experiência, a leitura da corrida e a capacidade de perceber os momentos certos para atacar, defender ou manter ainda seguir na roda. Rui Costa tem em mãos o «dever» de proteger Richard Carapaz, líder da equipa EF Education – EasyPost, ainda que a história (três vitórias em etapa no Tour) possa ser aliciante para deixar o ciclista de 37 anos sonhar.

Na Movistar, Nelson Oliveira vai certamente trabalhar para Enric Mas, que procura atingir uma boa classificação, depois da infelicidade que o retirou da Volta a França no ano passado. Ainda assim, o português tem uma boa oportunidade para subir ao pódio, no contrarrelógio da sétima etapa, que termina em Colombey-les-Deux-Églises.

«Para mim, o Rui Costa vai à Volta a França para vencer pelo menos uma etapa, sendo que não está previsto um trabalho de apoio ao Richard Carapaz, sobretudo porque a forma do equatoriano é uma incógnita neste momento. A Movistar está numa situação preocupante no ranking do World Tour, sendo que uma boa prestação do Enric Mas já será importante para as aspirações da equipa. No entanto, nada impede que o Nelson integre uma fuga porque qualquer vitória é importante para eles», acredita Nuno Sabido, quanto às aspirações dos ciclistas portugueses na prova.

Mark Cavendish – Atrás de um sonho

Sem tirar importância aos demais, senti que o «míssil de Man» merecia um destaque especial nesta antevisão. Com 34 vitórias na Volta a França, o sprinter da Astana (provavelmente o melhor de todos os tempos) procura garantir um triunfo histórico, não só para ele, mas para a modalidade.

Isto porque aos 39 anos, o britânico pode chegar às 35 e ultrapassar o mítico Eddy Merckx, como o mais bem sucedido no maior dos palcos. Em 2023, esteve perto de o conseguir, mas acabou por ser batido por Jasper Philipsen e mais tarde uma queda enviou para casa o homem, as aspirações e o sonho de ficar na história.

«Ele tem uma coisa que os outros não têm, que é mais experiência e o melhor lançador do mundo, que é o Michael Morkov, porque quem está com ele é praticamente obrigado a ganhar. Gostava muito de o ver ganhar, sou da geração dele e sentia na pele quando ele era lançado pelo Mark Renshaw, era o caos total, davam cabeçadas e valia tudo. Embora ele não seja muito consensual no mundo do ciclismo, o Cavendish é o Cavendish», garante Tiago Machado.

O tiro de partida é dado este sábado, na primeira de quatro etapas em solo italiano e logo com uma jornada propícia a aventureiros. Sete contagens de montanha, três delas nos últimos 50km podem levar a ataques e a segundos perdidos por alguns dos favoritos.

Uma coisa é certa, espetáculo não vai faltar e desta vez, será mesmo até ao último quilómetro, já que devido aos Jogos Olímpicos, não teremos a mítica etapa nos Campos Elísios. Ao invés, os ciclistas têm uma crono-escalada que promete trazer reviravoltas à classificação geral. Fica a questão, quem leva para casa a tão desejada camisola amarela.

Veja aqui a constituição completa das 22 equipas deste Tour:

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