O champanhe está em vias de extinção

CNN , Rachel Ramirez
31 dez 2023, 16:00
O clima extremo e as mudanças de temperatura estão a tornar as uvas de champanhe mais difíceis de cultivar. Ridofranz/iStockphoto/Getty Images

A produção mundial de vinho em 2023 foi a mais baixa dos últimos 60 anos. Grande parte desse declínio deveu-se a fenómenos meteorológicos extremos, muitos dos quais foram agravados pelas alterações climáticas

À medida que o novo ano se aproxima, é possível que esteja a pensar em comprar uma garrafa de champanhe para o celebrar com o famoso "pop". Mas a crise climática pode estragar a festa, segundo novos dados.

As três uvas utilizadas em quase todo o champanhe - chardonnay, pinot noir e pinot meunier - estão entre as centenas à beira da extinção, segundo a empresa ClimateAi, de Silicon Valley, que partilhou dados com a CNN. Isto deve-se ao facto de a crise climática causada pelo homem estar a aquecer e a alterar os padrões climáticos em algumas das regiões vinícolas mais conhecidas do mundo, incluindo Champagne, no norte de França.

Em 2050, estas variedades de uvas populares poderão deixar de existir, afirma a ClimateAi. Utilizando centenas de modelos climáticos globais, dados de satélite e dados de campo, os investigadores da ClimateAi conseguem prever o futuro das uvas utilizadas para produzir champanhe e vinho espumante em todo o mundo.

Um estudo publicado em 2020 advertiu que o número de regiões que atualmente cultivam uvas para vinho diminuirá para mais de metade se as temperaturas globais subirem 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o mundo ultrapassará esse limiar ainda este século se não forem realizados em breve cortes mais profundos e sustentados na poluição por carbono. Com 4 graus de aquecimento, até 85% destas terras deixariam de ser viáveis para produzir uma gota decente.

"Se pensarmos especificamente no champanhe, trata-se de uma bebida muito especial", afirma Will Kletter, vice-presidente de operações e estratégia da ClimateAi. "Requer dias quentes e ensolarados para dar um sabor robusto e noites frias para aumentar a acidez, o que lhe dá aquele sabor crocante e refrescante que adoramos".

"Mas à medida que o clima aquece, esses dias quentes e ensolarados podem ficar um pouco quentes demais e as noites frescas desaparecem", acrescenta.

A produção mundial de vinho em 2023 foi a mais baixa dos últimos 60 anos. Grande parte desse declínio deveu-se a fenómenos meteorológicos extremos, muitos dos quais foram agravados pelas alterações climáticas, de acordo com um relatório anual sobre a produção de vinho da Organização Internacional da Vinha e do Vinho (OIV), publicado em novembro. Itália deixou de ser o principal produtor de vinho do mundo devido a vários fenómenos meteorológicos adversos, incluindo chuvas irregulares que desencadearam o míldio, bem como inundações, granizo e seca, segundo o relatório.

"Este é um problema atual", diz Kletter à CNN. "Isso significa que o vinho é mais caro, ou talvez o vinho produzido não seja da mesma qualidade, e talvez nem sequer se possa aceder a alguns dos vinhos que se está habituado a apreciar. E esse é um problema que estamos a enfrentar atualmente."

Uvas Chardonnay para champanhe em Ludes, França, a 8 de setembro. Francois Nascimbeni/AFP/Getty Images/FILE

Ao ritmo a que o planeta está a aquecer, Kletter defende que os viticultores têm de começar a aprender a adaptar-se - e, potencialmente, estar atentos a locais viáveis e mais frescos, mais a norte - para manter a indústria viva e em crescimento.

Na região de Champagne, em França, os viticultores registaram em 2021 a sua colheita mais pequena desde 1957 devido a fenómenos meteorológicos extremos, desde o calor extremo à geada precoce, bem como a fortes chuvas, noticiou a Reuters. Isso custou à França um total de cerca de dois mil milhões de euros em vendas, segundo a agência de notícias.

Mas França teve um ano de produção decente em 2023, produzindo bem no norte, inclusive em Champagne, indicou o relatório da OIV, embora alguns vinhedos no sul tenham sido atingidos por míldio, ondas de calor e seca.

Como as adegas se estão a adaptar

Dave e Lois Cho mudaram-se da Califórnia para o Vale Willamette, no Oregon, para abrir uma adega em 2020, um ano particularmente desafiador, pois o oeste dos EUA enfrentou uma seca histórica de vários anos que desencadeou uma escassez de água sem precedentes e incêndios florestais que afetaram a terra.

"As alterações climáticas foram definitivamente um fator", assume Lois à CNN, ao explicar a razão da partida. O casal, que fundou a CHO Wines, procurou inicialmente diferentes regiões vinícolas na Califórnia, mas ouviu os produtores dizerem que tinham dificuldades com os padrões erráticos de precipitação para irrigar as uvas.

Estavam determinados a encontrar um local com uma altitude elevada. Isto porque uma vinha mais alta é mais fresca e recebe mais chuva. Significa também que as uvas não amadurecem demasiado cedo, como acontece no calor, permitindo o desenvolvimento de mais sabor e acidez.

"O facto de estarmos a 305 metros de altitude, o que é uma elevação bastante considerável para muitos vales, foi um fator muito importante", explica Dave. "Agora, estamos em média cinco a 10 graus mais frios do que o fundo do vale, por isso pensámos que isso nos daria algum tempo (para nos adaptarmos totalmente à crise)."

A indústria vinícola utiliza o método graus-dia (MGD) para medir a quantidade de calor que se acumula durante a época de crescimento e ajuda a determinar a velocidade a que as uvas se desenvolvem. Os Cho dizem que o número desses "dias" está a aumentar, o que acelera o amadurecimento das uvas e antecipa as épocas de colheita.

À medida que o oeste se torna mais quente e seco, muitos produtores de vinho dos EUA, como os Cho, veem o Willamette Valley do Oregon - a cerca de nove horas de carro a norte do famoso vale vinícola de Napa, na Califórnia - como a próxima grande região vinícola do país.

"É como um comboio em movimento. Se tentarmos saltar para um comboio em movimento, é muito difícil", observa Lois Cho. "Mas no Oregon, é como se estivéssemos a colocar os carris, porque há muita terra não desenvolvida e recursos inexplorados."

Oportunidade para um novo sabor

Trabalhadores colhem uvas numa região de Champagne em Châtillon-sur-Marne, França. Thierry Monasse/Getty Images

Uma das questões que se colocam atualmente à indústria vinícola é se os viticultores tradicionais estão dispostos a abandonar as suas regiões e a adotar novos processos de vinificação. Kletter, da ClimateAi, afirma que os grandes produtores de vinho precisam de considerar se existem áreas emergentes e oportunidades para desenvolver novas vinhas e novos sabores.

"Esse é o manual de adaptação do vinho", sublinha Kletter, que já viveu em França e é um grande fã de vinhos espumantes. "Penso que esta é, de facto, uma excelente oportunidade para as empresas e, potencialmente, para os consumidores terem acesso a vinhos saborosos que poderão nunca ter experimentado antes."

Mas isso é um desafio para regiões como Bordéus e Champagne, em França, que estão vinculadas aos seus territórios. Por lei, para ser considerado "champanhe" autêntico, o vinho deve provir da região de Champagne. É por isso que noutros países, incluindo os EUA, bebidas semelhantes são chamadas de "vinho espumante".

Mas para os Cho, a sua mudança para o Oregon inspirou a experimentação. Em 2022, cofermentaram as suas uvas com maçãs para criar um novo sabor para o seu vinho espumante. Tornou-se um produto bastante popular entre os seus vinhos de 2022, conta Lois Cho.

"Não se pode viver com medo", argumenta Dave Cho. "Há uma oportunidade para sermos criativos."

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