Ici c'est la Bonbonnière: foi a melhor das decisões erradas, Payet!

12 jun 2016, 00:17
Stade de France

Espaço de crónicas «Era Capaz de Viver na Bombonera» muda de nome até 10 de julho

*Enviado-especial ao Euro 2016 
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Há muitos anos que, para mim, formatar significa apagar tudo e não

Definir a disposição e o aspecto de caracteres, campos, texto e imagens de um documento

que é a outra definição, e que se usa muito quando se fala de futebol.

Os jogadores são formatados. Moldam-lhes o potencial, como num sintetizador imaginário, em que aumentam e diminuem os baixos, tornam melódicas as guitarras roucas e constroem uma versão mainstream a partir da energia crua de garagem. Retira-se o ruído, adicionam-se ritmos e, num ápice, já não há nada que interesse.

Por isso, é pior.

Imaginem: o que fizeram e fazem hoje em dia aos futebolistas é escolher format disc no mono do passado ou no policromático de hoje. Ficam reduzidos a zero. Vazios. E depois enchem-nos de novo, de coisas que não são deles. Com uma pendrive 2.0, cheia de tácticas desenhadas em Power Point, estatísticas individuais em Excel e uma base de dados para ligar tudo, construída em Oracle ou coisa que o valha. Porque o Access já é coisa do passado e não liga tanta coisa.  

Já não é bem só tema de ficção. Se formatamos a memória de um disco, será igualmente possível refazer a memória de uma pessoa, de um jogador, retirar-lhe o que a rua lhe deu. O instinto que faz com que escolha mais vezes determinada finta

Por que Garrincha fintava sempre para a direita e nunca perdia a bola?

Porque a dificuldade era adivinhar quando...

da mesma forma que fugia das raízes de árvore levantadas no pelado de circunstância, outrora um jardim que se gastou com correrias de decalques de craques. Ou aquela linha direita feita de ésses que destroçava Materazzis de circunstância, ainda de sardas e boné de pala traseira, elerons aerodinâmicos para dar estabilidade nos carrinhos.

Gosto desses jogadores com pequenos defeitos, excluídos a certa altura da linha de montagem. Que vão para caixas à parte, e são vendidos mais baratos. Muitos deles voltam depois a cruzar-se nos mesmos caminhos dos clones perfeitos, e várias vezes até são melhores.

Payet obrigou Deschamps a mudar as regras só para ele.

Ou tê-las-á mudado ele e o treinador apenas acenou com a cabeça. A esquerda, onde o colocaram, tornou-se apenas zona para fechar. Não estava destinado que ali passasse o verão inteiro a apanhar sol. Foi esquerda, sim. Mas também direita. E muito meio. Foi energia, e em vez de esgotar-se acumulava. Carregou sobre os defesas, sentou um ou dois com simulações de corpo, desenhou passes de rotura. Cruzou. Uma, duas, três, muitas vezes. Quando cruzou da direita assistiu.

A Roménia empatou, e Payet foi o único que não baixou os braços, que acreditava ser possível.

Depois de ter feito tudo para os outros, decidiu fazer alguma coisa por ele e pelos outros. Rematou. A um minuto do fim, o homem de quem Deschamps esperava mais no início da época decidiu dar um pouco mais: atirou. A um minuto do fim pensava-se em chuveirinhos, em dar largura aos ataques para cruzamentos, mas ele chutou. O jogador que só voltou em Março aos Bleus quando já não acreditavam que voltasse sacudiu todo o peso do país-candidato com um tiro fantástico.  

A bola ainda ia a meio e provavelmente já chorava. O Stade de France soltou o buuuut por que desesperava, e alguém teve de apagar no ecrã letra a letra

Format disc

Foi a melhor das decisões erradas.

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«ERA CAPAZ DE VIVER NA BOMBONERA»  é um espaço de opinião/crónica de Luís Mateus, sub-director do Maisfutebol, e é publicado de quinze em quinze dias na MFTOTAL. Pode seguir o autor no FACEBOOK e no TWITTER. Luís Mateus usa a grafia pré-acordo ortográfico.

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