"Este tipo de turbulência não aparece nos sistemas dos aviões e não pode ser evitada": os céus estão mais agitados e isso mata

22 mai, 08:00
A aviação precisa de acelerar a descarbonização (foto: Freepik)

A turbulência nos voos está em ascensão devido às mudanças climáticas, desafiando a segurança dos passageiros. Os especialistas recomendam medidas preventivas, como manter os cintos de segurança apertados, para mitigar os riscos

Os céus estão mais turbulentos do que há quatro décadas, revela um estudo da Universidade de Reading, o que pode explicar o mais recente episódio de turbulência severa a bordo de um voo da Singapore Airlines, que resultou num morto e dezenas de feridos. Segundo a investigação, há um aumento significativo da turbulência em ar limpo, um tipo de turbulência imprevisível e particularmente perigosa para as aeronaves, que se tem intensificado em várias regiões do mundo.

Um ponto específico sobre o Atlântico Norte é destacado no estudo, nesta que é uma das rotas aéreas mais movimentadas, onde a turbulência severa aumentou 55%, passando de 17,7 horas em 1979 para 27,4 horas em 2020. 

Os investigadores atribuem este aumento às alterações climáticas, que estão a aquecer o ar devido às emissões de CO2 e a intensificar, por sua vez, o cisalhamento do vento [qualquer mudança na direção e/ou na velocidade do vento numa dada distância, tanto na horizontal como na vertical] nas correntes de jato. 

Este fenómeno está a aumentar a turbulência de ar limpo em todo o mundo. 

Impacto das alterações climáticas 

O investigador Mark Prosser, um dos autores do estudo, avisa que "a turbulência pode ser perigosa". "As companhias aéreas precisam de saber como agir perante este fenómeno. Cada minuto adicional em turbulência aumenta o desgaste das aeronaves e o risco de ferimentos nos passageiros e na tripulação", alerta. 

José Correia Guedes, ex-comandante da TAP, explica à CNN Portugal que "os perigos são os mesmos de sempre". "O que está a aumentar é o número de casos de turbulência. Este tipo de turbulência não aparece nos sistemas dos aviões e não pode ser evitada", indicou. 

"Ocorre principalmente nas correntes de jato, que são correntes fortes na troposfera [camada inferior da atmosfera, em contacto com a superfície terrestre] usadas pelos aviões para chegarem mais rápido aos destinos. O ar aquecido a diferentes temperaturas provoca variações de densidade, gerando turbulência", acrescenta. 

O ex-comandante da TAP não tem dúvidas de que se trata atualmente de "um fenómeno abrangente, válido para todo o mundo". 

Tipos de turbulência 

Paul Williams, professor de ciência atmosférica na Universidade de Reading, explicou à CNN Internacional em 2022 que existem três tipos principais de turbulência: "A turbulência ligeira, que causa um leve desconforto, mas permite a continuação do serviço de bordo; a turbulência moderada, que causa uma tensão significativa nos cintos de segurança e dificulta a movimentação na cabine; e a turbulência severa, que é mais forte do que a gravidade e pode projetar passageiros e objetos não fixados."

Os números são alarmantes: anualmente, nos Estados Unidos, cerca de 65.000 aviões sofrem turbulência moderada e 5.500 enfrentam turbulência severa. 

As mudanças climáticas estão a modificar a frequência e a intensidade da turbulência, prevendo-se que a turbulência severa possa duplicar ou triplicar nas próximas décadas. Williams prevê um aumento exponencial da turbulência em ar limpo até 2050-2080, especialmente nas rotas aéreas mais movimentadas. 

Repercussões e medidas de segurança 

A turbulência é a principal causa de ferimentos em tripulantes e passageiros. Entre 2009 e 2018, em cerca de 28% dos acidentes relacionados com turbulência a tripulação não teve qualquer aviso prévio. 

Sara Nelson, presidente da Associação de Comissários de Bordo dos EUA, relatou à CNN que a maioria das lesões ocorrem durante a turbulência imprevisível. "Temos comissários de bordo que foram projetados contra o teto e de volta ao chão várias vezes", descreve Nelson.

José Correia Guedes reforça, neste sentido, a importância das medidas de segurança para os passageiros. "Devido à imprevisibilidade da turbulência, é crucial que os passageiros mantenham os cintos apertados durante toda a viagem. As acelerações causadas pela turbulência são enormes e em todas as direções. Sem o cinto, os passageiros podem ser projetados para a frente ou até mesmo para o teto", aconselha. 

Futuros desafios

Embora a integridade das aeronaves não esteja em causa, o aumento da turbulência impõe novos desafios à aviação. "Os aviões são construídos para suportar condições extremas. No entanto, a duração média da turbulência pode aumentar significativamente, passando de dez minutos para até meia hora num voo transatlântico," explica Williams. 

Além disso, a indústria da aviação está a adaptar-se às novas realidades climáticas, com recomendações de reguladores para melhorar a recolha e partilha de relatórios de turbulência, e a considerar mudanças nas normas de segurança, nomeadamente a obrigatoriedade de assentos para crianças menores de dois anos.

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