Não sabe em quem vão votar os pais e perdeu amigos quando criou o Chega. Um outro lado sobre André Ventura

2 mar, 11:00

Com a entrada na política perdeu amigos - "houve um dois casos particularmente duros" - mas, tal como fez com os pais, não deu ouvidos e decidiu seguir em frente

Descobriu a fé aos 14 anos e até pensou ser padre, já depois de ter sonhado ser ciclista. Mas não foi por nenhum desses dois caminhos que André Ventura decidiu seguir.

Quis antes formar-se em Direito e dar aulas, isto antes de formar um partido e concorrer à Assembleia da República, onde deve conseguir colocar ainda mais deputados após as eleições de 10 de março. Foi nessa área que se encontrou, confesso conservador e nacionalista. André Ventura esteve à conversa com Cristina Ferreira no Dois às 10, na TVI (do mesmo grupo da CNN Portugal).

Cristina Ferreira começa por confessar que recebeu várias mensagens a criticar a presença do presidente do Chega. André Ventura não percebe essa situação, diz que é sinal de falta de cultura democrática, até porque se trata do terceiro maior partido português na atualidade.

“Há uma parte das pessoas que acha que se resolve a disputa democrática não dando voz a algumas pessoas, ou seja, dando a uns e não dando a outros”, afirma, admitindo que isso também lhe dá força. A ele e ao partido.

“Temos de deixar de achar que os portugueses são estúpidos. Veem, ouvem e fazem o seu juízo”, acrescenta, lamentando que exista quem acha que o melhor é calá-lo, em vez de dialogar. André Ventura lembra mesmo que este ano se comemoram os 50 anos do 25 de Abril.

O rebelde ciclista que não era batizado

Hoje faz da Igreja Católica um pilar. Na vida e na política – a associação a Deus anda sempre lado a lado com o Chega. Curiosamente, isso não era expectável até aos 14 anos. Foi só aí que descobriu a fé. Até lá nem sequer era batizado, porque os pais queriam que pudesse escolher quando tivesse capacidade de pensamento para isso.

E foi já na Igreja que percebeu que tinha “um dom de comunicar, de falar”. “Sentia que tinha mais facilidade que os outros”, continua, lembrando o fascínio pela comunicação do padre que o acompanhava, em Mem Martins.

“Eram centenas de pessoas numa igreja e o padre falava para elas, mudava-lhes a vida, conseguia chegar-lhes ao coração”, acrescenta.

Afinal um dos seus maiores dons não era o ciclismo – foi uma desilusão, o corpo “não dava para ser ciclista –, nem jogar à bola. Era falar.

Mas porquê o ciclismo? Porquê a bicicleta? “Porque era um meio de rebelde”, responde André Ventura, que muitas vezes saía nas duas rodas sem os pais saberem, até porque vivia numa zona de muito trânsito, onde era perigoso uma criança andar de bicicleta.

Pais, os portugueses “comuns”

André Ventura ainda volta muito a casa. Fá-lo especialmente quando quer sentir o pulso à população. “Quando eu preciso, às vezes, de saber o que é que os portugueses comuns pensarão sobre um determinado assunto fora da nossa bolha, ouvir o meu pai e a minha mãe permite saber o que é que as pessoas normais pensam”, explica.

O gosto da política, de resto, veio do pai: “Era uma pessoa que acompanhava muito política sem ter grande formação académica. Acompanhava tudo o que era política, todos os debates”.

Isto depois de ter sido combatente no Ultramar, uma guerra que lhe deixou marcas. “O meu pai nunca gostou muito de falar sobre isso, como muitos outros”, confessa o presidente do Chega, assumindo que isso se mantinha mesmo quando ele e o irmão tentavam saber algo mais porque tinham curiosidade.

Uma carta para o filho

Dessa época guardam-se cartas, muitas delas trocadas entre João e Ana, os pais de André Ventura. E foi precisamente dessa forma que decidiram chegar ao filho através do Dois às 10.

Cristina Ferreira lê algumas passagens de uma carta enviada à produção: “Sempre respeitámos as escolhas e deixámos seguir. Se era o destino dele, não podíamos fazer nada. O André é a pessoa mais obstinada e decidida que conhecemos”.

“Quando quer muito uma coisa, nada nem ninguém o impedirá. Fundou o Chega e está a empenhar a vida toda para vencer. Não nos surpreende, porque sempre foi assim”, acrescentam.

João e Ana sabem que “isto é muito importante” para o filho, mas confessam: “Gostaríamos que em breve deixasse a política para poder ter uma vida normal”. Mas sabem que isso é utopia. Afinal o filho nunca os ouviu muito sobre os objetivos e a vida que os pais gostavam que tivesse.

“Às vezes perguntamos se ele acha que vale a pena todo este sacrifício, mas é visível a todos que ele está onde quer estar e não vai parar ou desistir. Gostávamos muito que não perdesse coisas importantes da vida que nesta loucura lhe podem passar ao lado”, acrescentam, garantindo que vão sempre apoiar o filho.

E foi, de facto, quase sempre assim. As escolhas de André Ventura pouco coincidiram com os desejos dos pais, nomeadamente a ida para o seminário, que os pais discordavam. Como discordaram quando se tornou comentador de futebol ou como discordam que seja político. “Pedem-me muitas vezes para sair”, sublinha, brincando que não sabe se os pais vão votar em si: “Espero que sim, espero que sim, mas não sei”.

Os amigos perdidos na política

Assim que entrou para a faculdade focou-se automaticamente em tirar boas notas. Conseguiu os objetivos: o 19, mas perdeu coisas pelo caminho. "Fiquei um pouco arrependido de não ter vivido num determinado momento certas coisas", assume, dizendo que não tem muitos amigos, o que atribui aos tempos em que preferia ficar a estudar a ir a festas.

Se já trazia poucos amigos da escola, a política só desajudou. "Perdi alguns [amigos], é verdade, mas nunca fui uma pessoa de muitos amigos", diz, referindo que já nem tem contacto com quase nenhum dos colegas da escola primária e do ensino básico.

"Na faculdade, eventualmente no secundário, não fiz muitos amigos, porque me dediquei muito e não fiz laços. Perdi isso na vida e não conseguir recuperar", sublinha.

Mas quando assumiu o projeto Chega também perdeu amigos. Alguns "desapareceram", outros disseram que não se reviam, "que não era bom para a sociedade". André Ventura não compreende, até porque no Parlamento fala com todos, mesmo com os maiores adversários. Sobre essas quebras de laços pessoais, diz, houve algumas que lhe custaram.

"Houve um ou dois casos que foram particularmente duros, porque eram pessoas com quem me dava muito bem, e que entenderam que não conseguiam conciliar a sua família com as minhas posições", explica, admitindo que essas amizades possam ser reatadas, mas só num futuro em que não esteja na política.

A mulher como barómetro

No Dois às 10 André Ventura reafirmou as posições mais polémicas do partido: é contra a subsidiodependência, defende a castração química para pedófilos e quer penas mais pesadas para vários crimes.

Recusa o rótulo de fascista, racista ou extremista, mas admite que até a mulher lhe diz, de vez em quando, que houve um momento em que não esteve tão bem. "Não, [ela] não concorda com tudo. É muito crítica. Quando não gosta dos discursos ou quando eles são demasiado agressivos, diz 'assim nunca mais tens o voto das mulheres, assim não vais conseguir tocar no outro eleitorado'", refere, recusando também o rótulo de machista.

Apesar disso, e apesar de assumir que já teve momentos de excessos, mesmo no Parlamento e contra adversários políticos, André Ventura defende esses atos como sendo genuínos. "Mas também, repare, isto só acontece com políticos que não estão preocupados com o jogo normal da aparência. Querem ser autênticos. Eu acho que os portugueses confiam em mim", aponta, lembrando que tinha a mesma postura quando era comentador de futebol, por exemplo.

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