Estudo publicado em 2006 tornou-se base para as investigações sobre Alzheimer. Agora, suspeita-se de que tenha sido manipulado

24 jul 2022, 11:58
Cérebro (Unsplash)

Um relatório publicado esta semana na revista Science denuncia a falta de credibilidade de um dos mais marcantes estudos sobre a doença de Alzheimer e que, na última década, foi citado em mais de duas mil investigações um pouco por todo o mundo

O investigador da Universidade de Minnesota Sylvain Lesné trouxe, em 2006, uma nova esperança ao mundo científico ao ter colocado a hipótese de que uma proteína amilóide específica poderia ser responsável pelo declínio cognitivo. A sua descoberta, na altura publicada na revista Nature, trouxe uma luz ao fundo do túnel na ainda incessante procura pela causa da doença de Alzheimer e serviu de rampa de lançamento para milhares de estudos sobre a doença (foi citado em 2.300 publicações) e potenciais formas terapêuticas. Mas agora suspeita-se de que os resultados apresentados possam ser fraudulentos.

A denúncia é feita esta semana num relatório publicado na revista Science pelo jornalista Charles Piller, após o neurocientista Matthew Schrag, da Universidade Vanderbilt, ter levantado questões quanto à veracidade das imagens de vários artigos usados por Lesné para sustentar a sua teoria. Estas dúvidas surgiram também por parte de outros investigadores, sobretudo, devido à dificuldade em alcançar os mesmos resultados. 

Ao longo de seis meses, vários cientistas juntaram-se à Science para passar a pente fino o estudo de Lesné - que anteriormente já tinha sido colocado em causa no site PubPeer, onde os cientistas podem analisar estudos já publicados - e identificaram até 10 artigos sobre a proteína amilóide que merecem uma análise mais aprofundada. Em causa está a desconfiança de que as imagens desses mesmos artigos possam ter sido manipuladas para dar força à hipótese de Lesné, de que aglomerados de Aβ*56 eram a principal causa da doença. Os envolvidos na investigação lançaram dúvidas sobre centenas de imagens, incluindo mais de 70 nos artigos do cientista da Universidade de Minnesota. 

“Concentro-me no que podemos ver nas imagens publicadas e descrevo-as como bandeiras vermelhas, não conclusões finais”, diz Schrag à Science, defendendo que, por isso, “os dados devem falar por si”.

À Science, Elisabeth Bik, bióloga molecular e consultora de imagens forenses, afirma que os autores “pareciam ter composto imagens juntando partes de fotografias de diferentes experiências”. “Os resultados experimentais obtidos podem não ter sido os resultados desejados, e esses dados podem ter sido alterados para melhor se adequarem a uma hipótese”, denuncia.

Segundo o Star Tribune, à boleia do seu estudo de 2006, o investigador - que continua até hoje a dedicar-se à doença de Alzheimer - foi nomeado beneficiário de 757 mil euros (774 mil dólares) em subsídios do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos entre 2012 e 2013. Mais tarde, continua a publicação norte-americana, o cientista recebeu mais de seis milhões de euros (sete milhões de dólares) em subsídios adicionais do mesmo organismo.

A revista Nature está agora a rever o estudo que originalmente publicou em 2006. A Universidade de Minnesota já colocou Sylvain Lesné sob investigação. 

A doença de Alzheimer é uma patologia neurodegenerativa que se caracteriza pela redução do número e tamanho das células cerebrais, provocando demência e afetando de forma direta e irreversível a função cognitiva e a qualidade de vida. Por norma, o diagnóstico é feito a partir dos 60 anos, quando os sinais da doença se tornam mais notórios, mas há casos em que aparece mais cedo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença de Alzheimer representa entre 60% a 70% dos casos de demência em todo o mundo.

Em Portugal, estima-se que a doença de Alzheimer afete quase 200 mil pessoas. Em 2019, segundo o relatório Estatísticas da Saúde - 2019 do Instituto Nacional de Estatística, registaram-se em Portugal 1.687 óbitos pela doença.

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