Zelensky não abdica do Donbass, não acredita nos russos e pede ao Ocidente para ir além das palavras 

17 abr 2022, 22:00

Presidente ucraniano afirmou, em entrevista exclusiva CNN Internacional, que a batalha pelo Donbass "pode influenciar o curso de toda a guerra com a Rússia". Zelensky disse ainda que perdeu a esperança no mundo e, se morrer no meio da guerra, não quer ser recordado como herói

Volodymyr Zelensky afirmou, em entrevista exclusiva CNN Internacional, que a Ucrânia não está disposta a abrir mão do território na parte leste do país para acabar com a guerra. A partir do gabinete da presidência, em Kiev, reiterou a importância da região e assegurou que os militares ucranianos estão preparados para lutar contra as forças russas, numa batalha que, disse, pode influenciar o curso da guerra.

"Para nós, o combate pelo Donbass é muito importante. Importante por vários motivos: de segurança... Mas antes de mais, o grupo que temos no Donbass é uma das melhores unidades militares que dispomos. É um grupo numeroso e a Rússia quer cercá-lo e destruí-lo. É por isso que se torna tão importante preservar esse grupo das nossas forças armadas, é um dos mais poderosos", afirmou. 

Nesta mesma entrevista, realizada pelo jornalista Jake Tapper, o presidente da Ucrânia explicou que não existem certezas ou garantias de que a Rússia não iria tentar, mais uma vez, tomar Kiev depois de conquistar a totalidade do Donbass.

"Daí a importância de não permitirmos que eles pisem o nosso território (...) É muito importante para nós garantir que eles [os militares ucranianos] se mantêm firmes, porque esta batalha pode influenciar o decurso de toda a guerra", disse acrescentando ainda: "Não confio nos militares russos, nem na liderança russa"

Declarações reveladas num dia de grande tensão na Ucrânia. A Rússia ameaçou matar todos os que ainda defendem a cidade de Mariupol, depois da rejeição do ultimato. Importa referir que Moscovo vê como fundamental a capitulação desta cidade portuária para alcançar os objetivos na zona leste.

Entretanto, um assessor do autarca de Mariupol disse que as forças russas anunciaram que a cidade sitiada será fechada para entrada e saída de civis esta segunda-feira, alertando que os homens que permanecerem na cidade serão "filtrados". Petro Andriushchenko afirmou, no Telegram, que os militares russos começaram a emitir passes para circulação dentro de Mariupol.

"Já não acredito no mundo depois de ver o que está a acontecer na Ucrânia" 

Foi nesta mesma entrevista que Volodymyr Zelensky fez uma das afirmações mais marcantes dos últimos tempos: "Já não acredito no mundo depois de ver o que está a acontecer na Ucrânia". Uma frase que surgiu depois de ter sido questionado, pelo jornalista Jake Tapper, se as declarações dos líderes dos países ocidentais se tinham tornado "ocas".

"Eu não acredito neste sentimento de que devemos acreditar em alguns países ou em alguns líderes. Não acreditamos nas palavras. Depois da escalada da Rússia, não acreditamos nos nossos vizinhos. Não acreditamos em nada disto. Eu próprio não acredito em documentos, porque já tivemos o Memorando de Budapeste e, para mim, é apenas um pedaço de papel. Não tem valor. É só isto. Só acreditamos no que pode ser contradito, nas coisas pragmáticas".

E por "coisas pragmáticas", Zelensky quis dizer armamento, ajuda humanitária, ajuda monetária e em duras sanções contra a Rússia. "Parem a Rússia, expulsem a Rússia". "A única crença que existe é a crença em nós mesmos, no nosso povo. A crença nas nossas forças armadas e a crença de que os países nos vão apoiar. Não apenas com palavras, mas com ações", acrescentou.

Questionado sobre se a Ucrânia vai vencer a guerra, o chefe de Estado foi perentório: "Sim, claro. Vai". Não quer "abdicar do território", mas admite que é cada vez mais difícil dialogar com a Rússia. "Lembrem-se de Bucha, de Borodianka, de Vulnevaha, de Izium, de Mariupol. Depois de tudo isso, ninguém quer dialogar. A nossa sociedade não quer que continuamos com as conversações. Esta é uma grande tragédia".   

Genocídio? "Tenho a mesma opinião que o presidente Biden"

Foi na semana passada que o presidente dos Estados Unidos acusou Vladimir Putin de ser um "ditador" e utilizou pela primeira vez a palavra "genocídio" para se referir à invasão russa. Volodymyr Zelensky está de acordo.

"Tenho a mesma opinião que o presidente Biden (...) olhem para o que aconteceu em Bucha. Fica claro que aquilo não é guerra, é genocídio. Eles simplesmente mataram pessoas. Não eram soldados, eram pessoas. Eles disparam contra civis no meio da rua. As pessoas estavam a andar de bicicleta, estavam à espera do autocarro ou simplesmente a andar na rua. Havia cadáveres espalhados nas ruas".  

Foi aqui que aproveitou para convidar Joe Biden a visitar a Ucrânia. "Acho que ele é o líder dos Estados Unidos e por isso devia vir cá, para ver". 

O desejo do homem do momento

Zelensky admitiu que se emociona quando vê o sofrimento do seu povo: "Como é que se compensa a perde de um filho?". No meio desta tragédia e deste sofrimento, o presidente ucraniano tem um único desejo: se morrer nesta guerra não quer ser recordado como herói, mas como um homem comum.

"[Quero ser recordado] como um ser humano que amou plenamente a vida, que amava a sua família, que amava a sua pátria. Definitivamente não como um herói. Quero que as pessoas me aceitem como sou, um tipo normal". 

Esta entrevista foi gravada na sexta-feira, mais de sete semanas depois do início da invasão russa. Zelensky transmitiu várias mensagens importantes, mas existe um pormenor que não é irrelevante e que demonstra que o presidente ucraniano consegue chegar a quem quer. Sempre que a mensagem era para o mundo, ou para Ocidente, Zelensky falava em inglês. Quando a mensagem era para o povo, falava em ucraniano.

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