150.000 soldados russos às portas da Ucrânia: porque foram para lá, porque não saíram e porque ganharam algo novo

21 fev 2022, 23:31

Putin anunciou ao mundo que tem duas boas razões para invadir a Ucrânia, depois de reconhecer os territórios separatistas de Donetsk e Lugansk. Uma decisão que mostra, no fundo, porque a Rússia não chegou a retirar um que fosse dos 150.000 soldados que deslocou para a fronteira

Putin reconheceu esta segunda-feira as autoproclamadas repúblicas de Donetsk e Lugansk, na região ucraniana de Donbass, percebendo-se agora porque nenhum militar russo foi desmobilizado da fronteira, como havia prometido o presidente russo. A decisão, que surge após os pedidos de reconhecimento de independência de Donetsk e Lugansk, era já temida por vários analistas, uma vez que este era um cenário que permitiria à Rússia invadir a Ucrânia com alegada legitimidade. Os dois territórios separatistas pró-russos podem, agora, pedir ajuda militar, permitindo a entrada das forças russas - que estão posicionadas no terreno com mais de 150.000 soldados. Ou seja, ganharam a possibilidade de entrar até com o argumento da "manutenção de paz".

"A partir do momento em que a Rússia reconheça estas duas repúblicas como independentes, elas podem pedir assistência militar à Rússia e dotar a Rússia de uma presunção de legalidade. É começar a ceifar o território da Ucrânia. Putin já fez isso com a Crimeia", antecipou, logo no domingo, o comentador da TVI e antigo ministro da Defesa Paulo Portas.

No seu longo discurso de mais de uma hora, Putin disse que a Ucrânia era "parte integrante" da História russa, no fundo dois países "parentes" ligados "por laços de sangue". Para o presidente russo, a Ucrânia só existe devido ao colapso da União Soviética em 1991, desperdiçando tudo o que foi dado então, inclusive a herança de Catarina, a Grande.

"Já não é novo este remeter para a parte histórica, o enquadramento histórico, para fundamentar muito do que tem sido as ações e opções da política externa russa. Agora é perceptível o porquê de os exercícios militares não terem sido suspensos conforme o calendário previsto à data de ontem [domingo]. A Rússia considera estar a ser alvo de uma ameaça por parte do Ocidente alargado, nomeadamente a NATO e os Estados Unidos, mas porque a questão ucraniana iria ter o apoio dos pró-russos", explica Sónia Sénica, investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais e comentadora da CNN Portugal.

Trata-se, igualmente, de um fechar de portas ao processo de paz resultante dos acordos de Minsk de 2015, assinados pela Rússia e pela Ucrânia, sob mediação franco-alemã. Só na sexta-feira houve 1.666 violações de cessar-fogo, 1.400 das quais explosões, cenário de pré-guerra em Donbass que antecipava já a decisão de hoje.

"Era um facto mais ou menos expectável considerando a cenografia. Mas há uma alteração qualitativa: havia uma ocupação e sabia-se qual o Estado envolvido, uma situação que foi subsistindo desde 2014, e a comunidade internacional foi a certa altura fingindo que era uma situação de facto. Hoje as coisas mudam significativamente. A partir do momento em que a Rússia reconhece a independência destas duas entidades, que ela própria criou, que sustenta e que só sobrevivem com o seu apoio, a partir deste momento passa a tratar destas duas entidades como se estivesse a lidar com Estados. Quaisquer ações de força que a Rússia venha a imputar à Ucrânia na região passam a ser acões contra um Estado amigo", analisa o comentador da CNN Portugal e antigo ministro da Defesa Azeredo Lopes.

A sustentação russa para intervir assenta ainda na ideia de genocídio, que Putin já tinha avançado. Azeredo Lopes recusou-se a explanar o termo associado a esta crise, considerando que genocídio "não é de certeza" o que se passa na região ucraniana, apesar de milhares de baixas.

Já o embaixador e especialista em assuntos internacionais Francisco Seixas da Costa diz que estamos perante uma situação "muito tensa", considerando que a Rússia "meteu-se num beco, sabendo que a NATO e os Estados Unidos estão a caminhar noutro sentido".

"A Rússia optou por uma das soluções que tinha em pacote. Uma das opções era a invasão da Ucrânia em termos formais - e de que todos estavam à espera. Mas percebíamos que havia uma tentação de densificação de consagrar aquelas repúblicas separatistas. É um gesto arriscado e penso que a Rússia ganhou algum tempo. Vai pôr pressão sobre Kiev", defende, referindo-se à decisão da Ucrânia de atacar ou não a região de Donbass, legitimando "entre aspas" a intervenção russa.

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