Por que motivo uma cimeira com Putin seria um grande risco para Biden

CNN , Stephen Collinson
21 fev 2022, 20:12
Vladimir Putin durante uma reunião do Conselho de Segurança no Kremlin, em Moscovo. Foto: Alexei Nikolsky, Sputnik, Kremlin Pool via AP

Ao concordar, em princípio, com uma cimeira com Vladimir Putin, da Rússia, o Presidente Joe Biden está à procura de uma vitória na política externa, mas também está a aceitar enormes riscos políticos e estratégicos que lhe podem facilmente sair pela culatra

O desesperado, ainda hesitante e altamente condicionado acordo para se encontrar com o presidente russo aconteceu após um fim de semana de diplomacia frenética e novas alegações alarmantes por parte dos EUA de que a Rússia estava prestes a invadir a Ucrânia.

Há sérias dúvidas de que o encontro, mediado pelo Presidente francês Emmanuel Macron, venha a acontecer. A Casa Branca disse no domingo que avançaria apenas “se não acontecesse uma invasão”.

Qualquer cimeira está dependente do resultado das conversações entre o Secretário de Estado Antony Blinken e o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, esta semana na Europa. Essa reunião também depende de as tropas de Moscovo não avançarem mais sobre a Ucrânia.

“Blinken e Lavrov vão conversar mais, se a invasão não tiver começado até então. Nesse caso, fica tudo sem efeito”, disse um funcionário a Kaitlan Collins e Arlette Saenz, da CNN.

Ainda não há uma data ou um local para a cimeira. A Secretária de Imprensa da Casa Branca, Jen Psaki, também sublinhou que, caso a Rússia opte por invadir a Ucrânia seja como for, os EUA vão impor “consequências rápidas e severas... E, atualmente, a Rússia parece estar a continuar com os preparativos para um ataque em grande escala à Ucrânia, muito em breve.”

Apenas algumas horas antes de surgirem as notícias de uma possível cimeira, após um telefonema entre Macron e Putin – e no seguimento de uma conversa anterior entre o presidente francês e Biden - os EUA alertaram para o facto de terem informações que sugeriam que o líder russo já tinha dado ordens aos seus comandantes de campo para invadir a Ucrânia. E, na manhã de segunda-feira, o conselheiro de segurança nacional de Biden, Jake Sullivan, pintou uma imagem terrível da situação em torno da Ucrânia, dizendo que um ataque “extremamente violento” poderia acontecer “nas próximas horas ou dias”.

“Custará a vida a ucranianos e russos, civis e militares. Mas também temos informações que sugerem que haverá um tipo ainda maior de brutalidade, porque não será simplesmente uma guerra convencional entre dois exércitos. Será uma guerra travada pela Rússia contra o povo ucraniano, com o objetivo de o reprimir, esmagar e prejudicar”, disse Sullivan no programa “Today” da NBC.

Membros da Guarda Nacional ucraniana em Kiev, na Ucrânia. Foto: Emilio Morenatti/AP

A extrema desconfiança partilhada por todas as partes do conflito - Rússia, Ucrânia e aliados ocidentais - significa que esse avanço diplomático estará por um fio. As recentes trocas de palavras entre os EUA e a Rússia foram caracterizadas pelo desprezo, a desconfiança e o sarcasmo. Portanto, dificilmente há garantia de sucesso se Lavrov e Blinken se encontrarem. Qualquer resultado de uma cimeira que mantenha a Ucrânia como um estado funcional e democrático provavelmente seria visto por Putin como uma derrota.

E a situação à volta das fronteiras da Ucrânia, onde mais de 150 mil soldados russos estão em alerta máximo, é tão tensa que os confrontos locais podem desencadear um conflito mais amplo e pôr fim à diplomacia. Os EUA e os seus aliados também estarão atentos à possibilidade de Putin estar disposto a falar não por estar a hesitar no impasse, mas sim por procurar uma maneira de afastar a América dos seus amigos antes de uma invasão.

Mas se Putin adiar o que foi visto em Washington como uma quase certa incursão na Ucrânia, isso contará como um sucesso temporário da agressiva guerra de informações da Casa Branca, destinada a remover o elemento surpresa do grande acumular de tropas e frustrar qualquer justificação falsa para uma invasão.

Sempre que uma guerra é evitada, especialmente uma em que os EUA previram milhares de baixas civis, evita-se a tragédia, a miséria e a possibilidade de desestabilizar os fluxos de refugiados. Portanto, cabe a todos tentar. A Rússia não se comprometeu com a ideia de uma cimeira e o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que, até agora, “não havia planos concretos”.

Até França, que ajudou a intermediar a ideia de um encontro entre Putin e Biden, alertou que muito trabalho deve ser feito antes de os dois se poderem reunir. “Estamos a fazer os nossos últimos esforços, os mais intensos, para evitar o pior”, disse uma fonte do palácio presidencial francês aos jornalistas, na segunda-feira.

A aposta política de Biden

Mesmo que o aparente acordo para uma cimeira se mantenha, Biden estará a correr um risco significativo.
Os republicanos mais acérrimos acusá-lo-ão certamente de apaziguar o líder russo e de recompensar a agressão mantendo a Ucrânia refém. Se o encontro com Putin falhar e a invasão acontecer de qualquer forma, Biden ficará exposto a acusações de fraqueza.

Qualquer cimeira que não seja completamente coreografada para o sucesso, de antemão, é uma perigosa jogada política. E Biden não pode sofrer mais golpes com as suas taxas de aprovação a cair e as suas reivindicações de estadista terem sido prejudicadas pela caótica retirada dos EUA do Afeganistão, no ano passado.

Ainda assim, os presidentes são eleitos para tomar as decisões mais difíceis. Se Biden se recusasse a ir à cimeira e a guerra começasse na Ucrânia, ele seria acusado de não levar a diplomacia até ao limite. E ele tem alguma potencial cobertura: se Putin recuar e a cimeira não acontecer, ele livrará Biden de um problema político.

Blinken explicou de forma eficaz a abertura do presidente à diplomacia, apesar da sua convicção de que uma invasão estava iminente, quando foi ao programa “State of The Union” da CNN, no domingo.

“Acreditamos que o Presidente Putin já tomou a decisão, mas até os tanques estarem a andar e os aviões a voar, usaremos todas as oportunidades e todos os minutos que tivermos para ver se a diplomacia ainda pode dissuadir o Presidente Putin de avançar com isto”, disse Blinken a Dana Bash, da CNN.

No entanto, o tom cético da declaração da Casa Branca a explicar a abertura “em princípio” de Biden a um encontro, não se devia apenas a desconfianças relativamente aos motivos russos. Também parecia ser uma tentativa de isolar o presidente de ataques políticos internos.

Mas há razões para correr este risco. Apesar de os EUA não enviarem tropas para defender a Ucrânia porque o país não é membro da NATO, Biden tem uma razão nacional genuína para evitar a guerra na Ucrânia. Qualquer invasão russa pode levar a um aumento dos já crescentes preços da gasolina e das taxas de inflação, o que pode prejudicar ainda mais as hipóteses dos Democratas nas eleições intercalares.

Biden está a entrar no jogo de Putin?

Além de assumir um grande risco político, Biden enfrentará um terreno geopolítico traiçoeiro se decidir encontrar-se com Putin.

Uma teoria sobre a concentração de tropas russas à volta da Ucrânia é que Putin quer devolver ao Kremlin o prestígio que tinha na Guerra Fria como uma potência igual aos EUA. Em suma, Biden está a conceder essa plataforma a Putin, embora muitos em Washington considerem a Rússia como uma força muito diminuída, apesar do seu formidável arsenal nuclear.

A mesma acusação - de que um presidente dos EUA estava a conceder igual prestígio - rodeou as cimeiras inconclusivas do antigo presidente Donald Trump com o ditador norte-coreano Kim Jong Un. Há poucas hipóteses de o afeto exibido nesses encontros se repetir nas conversações frias entre Biden e Putin.

Mas Putin também gostaria claramente de debater e decidir os grandes assuntos das nações com os EUA - como foi o caso durante as cimeiras da Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética. O facto de este potencial encontro ter sido organizado pelos franceses aliviará alguns receios na Europa de que os aliados dos EUA estejam a ser marginalizados - um fator que veio a lume no início da crise na Ucrânia.

O Palácio do Eliseu disse que outros “interessados” serão incluídos. Isso pode incluir a Ucrânia e outros aliados da NATO, incluindo antigos membros do Pacto de Varsóvia, na Europa de Leste. Mas a presidência francesa não deu mais pormenores. O papel de destaque de Macron - que pretende tornar-se o estadista europeu dominante depois da saída da chanceler alemã Angela Merkel, e que enfrentará uma campanha de reeleição dentro de semanas - não passará despercebido dentro ou fora de França.

Uma desconexão total

A ameaça mais elementar ao sucesso de qualquer conversação entre Putin e Biden é a natureza incompatível das posições dos dois lados.

Os russos exigem uma garantia de que a Ucrânia nunca será autorizada a fazer parte da NATO e querem que a aliança retire armas e tropas de estados-membros que já estiveram atrás da Cortina de Ferro, como a Polónia, a Hungria e a Roménia. Essa condição não é negociável para o Ocidente, que diz que cabe a cada nação decidir o seu destino.

Os EUA rejeitam os avisos russos de que se sentem ameaçados pela expansão da NATO para oriente, após a Guerra Fria, classificando a aliança como meramente defensiva. Esta posição pode fazer sentido nas capitais ocidentais, mas não tem em conta o ferido orgulho russo - a raiz do esforço de duas décadas de Putin para reformatar o resultado aceite da Guerra Fria após o colapso da União Soviética.

Ao tentar desestabilizar repetidamente a Ucrânia, o líder russo também deixa clara a sua determinação de nunca permitir que a antiga república soviética faça um movimento ideológico para ocidente em direção à NATO e à UE. Portanto, qualquer esforço para salvar as aparências pode prejudicar a sua missão histórica e ser difícil de aceitar, para ele.

Soldados ucranianos junto a uma casa destruída na região de Luhansk. Foto: Vadim Ghirda/AP

Mas se Putin decidiu que os custos de uma invasão à Ucrânia - punitivas sanções ocidentais e uma possível insurgência sangrenta no país - são demasiado altos para suportar, Biden pode conseguir construir uma rampa diplomática para o líder russo. Há muitas questões, incluindo o controlo de armas, a contenção de conflitos no ciberespaço e o impedimento da disseminação das armas nucleares, que podem tornar ambos os lados mais seguros.

Mas essas questões estão reféns da mesma desconexão fundamental entre a Rússia e os EUA que ferveu durante o conflito na Ucrânia - e mostram por que razão qualquer cimeira entre Biden e Putin será vista como incerta até que ocorra e por que razão o sucesso da mesma é improvável.
 

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