"A cultura de trabalho em Portugal valoriza a dedicação excessiva". Existe um estigma relativo a "ambientes de trabalho mais felizes”

ECO - Parceiro CNN Portugal , Isabel Patrício
30 set 2023, 16:00
(Foto Rick Madonik/Toronto Star via Getty Images)

Apesar dos avanços dos últimos anos em prol do cuidado da saúde mental, a cultura de trabalho em Portugal ainda valoriza muitas vezes os dias longos e a "dedicação excessiva", sublinha Tiago Santos, CEO da Workwell

Por mais de uma vez, a Ordem dos Psicólogos já calculou e avisou que a saúde mental dos trabalhadores portugueses tem um custo pesado para as contas das empresas, mas a cultura de trabalho praticada por cá continua, muitas vezes, a valorizar os dias longos, “a dedicação excessiva”, as altas cargas de trabalho “e os prazos apertados”. E tais fatores ajudam a explicar porque é que Portugal é, segundo da Organização Mundial da Saúde, o país europeu com maior risco de burnout, realça o diretor executivo da Workwell, que é especializada na implementação de programas de bem-estar nas empresas.

Em entrevista ao ECO, Tiago Santos defende que “é crucial elucidar os líder empresariais” para o impacto da saúde mental dos trabalhadores na produtividade e nos resultados financeiros, admitindo que o desconhecimento possa estar a justificar, em parte, a ausência de medidas no sentido de ambientes de trabalho mais saudáveis.

Mas não é a única explicação, reconhece o responsável. Persiste um estigma, que pode “inibir as empresas de abordar o problema de frente“, destaca Tiago Santos, cuja empresa que tem estado a promover os Wellbeing Awards 2023, uma iniciativa que visa promover e premiar projetos de saúde e bem-estar corporativo.

Portugal foi classificado pela Organização Mundial da Saúde como o país europeu com maior risco de burnout. O que é que explica, na sua visão, esse cenário ser tão grave em Portugal?

Portugal enfrenta um grave problema de burnout, devido a uma combinação de fatores. A instabilidade económica e social dos últimos anos, incluindo pandemia e inflação, criou insegurança e stress financeiro. Além disso, as exigências do mundo profissional moderno, marcado pela constante conectividade devido à tecnologia, tornam difícil desconectar do trabalho, levando ao esgotamento emocional e físico.

A cultura de trabalho em Portugal muitas vezes valoriza longas horas de trabalho e a dedicação excessiva, contribuindo para altas cargas de trabalho e prazos apertados, fatores-chave para o burnout.

O burnout não advém exclusivamente do trabalho, mas aquilo que fazemos com o nosso horário laboral pode dar um contributo relevante. Que avaliação faz do modo como as empresas portuguesas se posicionam perante a saúde mental?

As empresas portuguesas estão, progressivamente, a reconhecer a importância da saúde mental dos colaboradores. No entanto, há um caminho a percorrer para a plena integração nas práticas empresariais. Ainda existe uma lacuna no entendimento da necessidade de promover um ambiente onde a saúde mental seja priorizada e protegida da mesma forma que a saúde física.

A mentalidade tradicional de que o trabalho deve ser priorizado em detrimento do bem-estar muitas vezes prevalece, levando a altas expectativas de produtividade e exigências excessivas sobre as pessoas. As organizações devem adotar uma cultura que encoraje a abertura e a comunicação sobre problemas de saúde mental, sem medo de estigma ou represálias.

A propósito, a Ordem dos Psicólogos já mostrou que todos os anos as empresas portuguesas perdem milhões de euros por causa de problemas ligados ao foro mental. Porque é que não estamos a fazer mais para evitar esses problemas, nem que seja para mitigar esses prejuízos?

Pode haver uma falta compreensão sobre a extensão do impacto financeiro dos problemas de saúde mental no ambiente de trabalho. É crucial educar os líderes empresariais sobre como a saúde mental pode afetar diretamente a produtividade, o engagement dos colaboradores e, consequentemente, os resultados financeiros.

Além disso, o persistente estigma associado à saúde mental pode inibir as empresas de abordar o problema de frente. Por outro lado, o medo de discriminação, ou consequências negativas na carreira, não ajuda à partilha de dificuldades por parte dos colaboradores.

Ainda assim, que práticas é que hoje são mais comuns no seio das empresas para ir tentando mitigar os riscos de problemas mentais?

Apesar do caminho ser longo, as empresas estão cada vez mais conscientes da necessidade de promover o bem-estar mental das suas pessoas e têm vindo a implementar diversas práticas para atingir esse objetivo. Algumas das práticas mais comuns que vemos nas empresas incluem a educação e formação sobre saúde mental. Muitas empresas oferecem workshops, palestras e cursos.

Algumas empresas disponibilizam também serviços de apoio psicológico no local de trabalho, permitindo que os colaboradores tenham acesso a profissionais de saúde mental para discutir questões pessoais e profissionais de forma confidencial. Algumas empresas oferecem também horários de trabalho flexíveis, trabalho remoto ou opções de teletrabalho. As empresas começam também a adotar práticas que garantem uma distribuição mais eficaz de trabalho, evitando sobrecarga excessiva de tarefas.

Há ou não um estigma em torno de quem quer promover esse tipo de ambientes mais felizes?

Sim, existe muitas vezes um estigma em redor da promoção de ambientes de trabalho mais felizes e centrados no bem-estar dos colaboradores. Em muitas culturas empresariais, mais tradicionais, familiares, a ênfase ainda pende para produtividade e lucro. Qualquer desvio desta mentalidade pode ser visto como um sinal de fraqueza ou falta de compromisso.

Há também a questão da falta de consciência sobre os benefícios, mas que a ciência tem ajudado a clarificar. Ou o entendimento de que é um custo adicional e não um investimento. Não considerando os benefícios a médio e longo prazo.

A propósito, fala-se muito na necessidade de haver uma boa conciliação entre a vida pessoal, profissional e familiar. Que avaliação faz do cenário vivido pelos trabalhadores portugueses?

Em Portugal, a conciliação entre vida pessoal, profissional e familiar é um grande desafio. Embora a carga horária dos portugueses tenha diminuído nas últimas décadas, ainda é relativamente longa em comparação com a média europeia. A média de horas trabalhadas por semana em Portugal é superior à média da União Europeia, aumentando o desequilíbrio entre a vida profissional e pessoal.

Este desequilíbrio é muitas vezes agravado pelo facto de as remunerações não acompanharem proporcionalmente o aumento da carga de trabalho ou o aumento do custo de vida. Portugal ainda tem muito espaço para evoluir neste tema. O lado bom é que ainda temos muito para fazer melhor.

Os baixos níveis de produtividade das empresas podem estar a funcionar como um travão à adoção de práticas que promovam essa conciliação?

É uma pescadinha de rabo na boca. Os baixos níveis de produtividade nas empresas portuguesas acabam por condicionar a adoção de práticas de conciliação devido à priorização de resultados, à perceção de custos adicionais, ao medo de redução de produtividade, à rigidez das estruturas organizacionais e à pressão competitiva.

É crucial destacar todos os benefícios de longo prazo da conciliação. Colaboradores satisfeitos produzem mais, vestem a camisola da sua empresa e promovem ambientes de trabalho mais saudáveis.

Os portugueses têm vivido tempos difíceis, com a subida do custo de vida. Como andam os níveis de felicidade de quem vive por cá?

Com a crescente pressão económica do aumento do custo de vida, os níveis de felicidade entre os portugueses podem estar comprometidos. A situação económica impacta diretamente a qualidade de vida, o acesso a necessidades básicas e o bem-estar psicológico. No entanto, os custos crescentes podem gerar preocupações financeiras, levando a uma maior ansiedade e stress, influenciando negativamente sua perceção de felicidade.

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