Dedicação plena “vai levar a uma debandada dos diretores de serviço” dos hospitais. Médicos ameaçam com despedimentos em massa já em janeiro (e alguns já entregaram a carta de demissão)

21 dez 2023, 07:00
Médicos (Frank Molter/picture alliance via Getty Images)

A entrada em vigor do regime de dedicação plena promete abrir mais uma ferida no Serviço Nacional de Saúde e provocar saídas de diretores de serviço, o que vai afetar as consultas e cirurgias. Segundo Susana Costa, porta-voz do movimento Médicos em Luta, para 2024 estão a ser planeados outros protestos, como demissões em bloco a nível nacional e greves de zelo para contestar a degradação a que se chegou

Diretores de serviços de várias especialidades ameaçam demitir-se assim que entrar em vigor o regime de dedicação plena, a 1 de janeiro. O alerta é dado à CNN Portugal por Susana Costa, porta-voz do movimento Médicos em Luta, que revela que esta “debandada de diretores de serviço” será notória de norte a sul do país, em diversas especialidades. A responsável avisa ainda que há clínicos que já apresentaram a sua demissão junto da administração hospitalar.

O ano 2024 traz um problema seríssimo que é a dedicação plena, que prevê a obrigatoriedade de todos os diretores de departamento e de serviço em aderir, o vai levar a uma debandada dos diretores de serviço por não aceitarem. E a grande maioria não aceita. Vamos ter serviços sem diretores, departamentos sem diretores. Vamos ter uma degradação gravíssima do Serviço Nacional de Saúde”, alerta a médica que impulsionou o movimento que levou a que milhares de clínicos apresentassem recusa à realização de mais horas extraordinárias este ano.

Segundo Susana Costa, “há muitos diretores de serviço que têm a sua carta de demissão preparada”, e “a grande maioria deles vai fazê-lo”, isto é, demitir-se. Além disso, acrescenta, são esperadas demissões em “todas as especialidades, de ortopedia à urologia, cirurgia plástica, cirurgia vascular, medicina interna”, entre outros. Há cartas de demissão que, assegura, “serão entregues até 31 de dezembro”, podendo alguns serviços ficar já desfalcados de chefia logo em janeiro e até defraudar a expectativa de Manuel Pizarro em conseguir que sete mil médicos adiram à dedicação plena.

O que é o regime da dedicação plena?

O regime da dedicação plena, aprovado no final deste ano pelo Governo de forma unilateral, foi desde o primeiro momento alvo de duras críticas por parte dos profissionais de saúde, com os sindicatos a dizerem que era “inconstitucional”, tendo até causado “inúmeras dúvidas e reticências” a Marcelo Rebelo de Sousa, que acabou por o promulgar.

Este regime assenta, sobretudo, numa jornada de trabalho diária de nove horas e no aumento para 250 as horas extraordinárias anuais, mais 100 horas do que aquelas que estão agora em vigor para os médicos. A maioria dos clínicos pode aderir individualmente à dedicação plena (que traz também um aumento salarial), mas há um grupo de profissionais que estão à mercê deste novo regime, como é o caso dos chefes de direção de serviço ou de departamento, os médicos de Saúde Pública e os médicos que estejam em Unidades de Saúde Familiar (USF) e nos Centros de Responsabilidade Integrados (CRI).

A grande maioria dos serviços obrigados à dedicação plena vão ficar sem diretores de serviço”, continua a médica Susana Costa, revelando que este cenário “vai criar uma desorganização e um quadro muito complexo” dentro dos hospitais, podendo ficar comprometidas consultas e cirurgias, assim como o próprio funcionamento dos departamentos de cada especialidade.

A médica não hesita em dizer que, em 2024, o setor público de saúde vai ainda ficar pior. “Vamos assistir a uma degradação ainda mais aguda do SNS”, explica, acusando o governo de ter ficado de braços cruzados perante um cenário que se começou a adensar ainda este ano: “A tutela não esteve nada preocupada com a saúde dos portugueses e muitos colegas já saíram e vão sair”. Apesar de poder haver alguma acalmia no início do ano no que diz respeito às escalas para o serviço de urgência, uma vez que a contagem de horas extraordinárias começa agora do zero, Susana Costa vinca que o início do próximo ano não se avizinha normal, até porque o movimento Médicos em Luta já prepara novas reivindicações.

“Manteremos o protesto logo que esgotemos as 150 horas extra anuais, mas temos vindo a estudar outras formas de luta dos médicos face a este desmantelamento do SNS, como uma demissão em bloco a nível nacional e greves de zelo também”, esclarece, frisando: “A partir de janeiro não vamos ter o SNS que tivemos, de todo”.

Quanto às urgências, alerta que “há vários colegas que faziam” este serviço e que vão deixar de o fazer no próximo ano porque “perceberam que o seu esforço não tem significado”, referindo-se a médicos que, por lei, já estariam dispensados de fazer serviço de urgência ou trabalho noturno, mas que ainda assim se incluíam nas escalas para compensar a falta de recursos humanos.

Relacionados

País

Mais País

Patrocinados