Ruturas de ‘stock’ de medicamentos ocorrem diariamente em 41,6% dos hospitais do SNS

Agência Lusa , AM - notícia atualizada às 11:15
17 nov 2023, 07:37
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Hospitais relatam falhas que têm que ser colmatadas através de empréstimos com outros hospitais do SNS ou utilizando outros fármacos, alternativas terapêuticas, para os doentes, uma situação que obriga “a uma sobrecarga de trabalho para as farmácias hospitalares”

As ruturas de ‘stock’ de medicamentos ocorrem diariamente em 41,6% dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde, semanalmente em 36,1% e mensalmente em 19,4%, com 2,7% a não registarem ruturas, revela um estudo divulgado esta sexta-feira.

Segundo o Índex Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar 2023, promovido pela Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), 94,4% dos administradores consideram as ruturas um problema grave (77% em 2020) e 47,2% consideram que afetam apenas medicamentos genéricos (33% em 2020).

Em declarações à agência Lusa, o presidente da APAH, Xavier Barreto, adiantou que as ruturas e a utilização de medicamentos baseada em resultados são “as duas dimensões menos positivas” que contribuem para o resultado do Index Global de Acesso ao Medicamento relativo a 2022 situado em 58% quando em 2020 era de 66% e de 77% em 2018.

Os hospitais relatam falhas que têm que ser colmatadas através de empréstimos a outros hospitais do SNS ou utilizando fármacos alternativos, uma situação que "obriga a uma sobrecarga de trabalho para as farmácias hospitalares”.

Segundo o responsável, as ruturas não se devem a falta de financiamento dos hospitais, explicando que muitas vezes se devem a “dificuldade do mercado para abastecer os hospitais e as unidades de saúde em geral”.

O estudo, que teve como universo os hospitais do SNS, com uma taxa de resposta de 75% (45% em 2022), revela que 81% dos hospitais não têm um sistema integrado de gestão de dados clínicos, financeiros e administrativos, que permitiria realizar uma análise de custo/efetividade das intervenções em saúde.

Aponta também que 67% dos hospitais têm programas de dispensa de medicamentos de proximidade, sendo que em 50% dos casos os medicamentos são entregues via farmácia comunitária.

O documento realça o aumento do número de hospitais com consulta farmacêutica (39% contra 27% em 2020) e refere a carga administrativa como “a grande barreira” no processo de aquisição dos novos medicamentos.

Questionados sobre as barreiras identificadas, 33% dos hospitais afirmaram que o processo não é desencadeado atempadamente (57% em 2020), 41% apontaram a carga administrativa (70% em 2020) e 8% indicaram o fator preço/modelo de financiamento (10% em 2020).

Analisando os dados do estudo, Xavier Barreto disse que surpreenderam “pela negativa”, considerando que "há, de facto, uma redução do acesso ao medicamento”, que é medido em seis dimensões - acesso a medicamentos inovadores, distribuição de proximidade, ruturas, acesso a medicamentos em função do custo/financiamento, utilização de medicamentos baseado em resultados e no acesso em fase de pré-financiamento.

Apontou a redução de 87% em 2020 para 76% em 2023 dos hospitais que utilizam novos medicamentos aprovados previamente à decisão de financiamento.

Após a decisão de financiamento, em 77% das instituições, o acesso ao medicamento ocorre apenas após a sua inclusão no Formulário Nacional do Medicamento, refere o estudo que conta com o suporte científico da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e apoio da Ordem dos Farmacêuticos e da Associação Portuguesa de Farmacêuticos Hospitalares.

Apenas 11% dos hospitais avaliam uso dos medicamentos

Apenas 11% dos hospitais públicos fazem a avaliação do uso de medicamentos na qualidade de vida dos doentes a médio e a longo prazo, revela um estudo hoje divulgado pela Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares (APAH).

O Índex Nacional do Acesso ao Medicamento Hospitalar 2023 revela que este valor baixou relativamente a 2020, ano em que 30% dos hospitais do SNS fazia a avaliação de efetividade e segurança dos medicamentos com base em dados da vida real.

Para o presidente da APAH, este é o dado “mais preocupante” do estudo: “Gastamos muitos milhões de euros na compra de medicamentos nos hospitais e não estamos a avaliar o valor em saúde que é acrescentado por estes medicamentos”.

Como os resultados não são avaliados, não se consegue utilizar esta informação para fazer melhores negociações com a indústria, disse, sublinhando que em sistemas de saúde de muitos países “os acordos de partilha de risco estão perfeitamente disseminados e sustentam a negociação entre fornecedor e os hospitais”.

O responsável explicou que, se porventura o resultado clínico do medicamento na vida dos doentes não se verificar, “o preço pode e deve ser reajustado”.

“Este é um aspeto fundamental que nos permite estabelecer acordos, partilha de risco com a indústria, mas também perceber quais são os medicamentos que têm melhores resultados nos doentes e, nesse sentido, incentivar aquilo que é a verdadeira inovação, os fármacos que de facto acrescentam valor em saúde e que fazem a diferença no dia-a-dia dos nossos doentes”, defendeu.

O estudo revela também que, após a introdução de uma nova terapêutica, 61% das instituições não possuem mecanismo de reavaliação dos seus resultados.

Segundo Xavier Barreto, a despesa com medicamento hospitalar aumentou 12% em 2022 e este ano está a crescer ao mesmo nível, acima dos 10%.

No seu entender, “é um contrassenso” investir-se “tantos recursos do erário público numa tecnologia que depois não é avaliada convenientemente”, defendendo que esta é uma matéria que deve preocupar a todos e constituir “uma prioridade para o Governo”.

Como razões para haver menos instituições a fazer esta avaliação, apontou a sobrecarga que os hospitais têm neste momento e, muitas vezes, até com falta de capacitação das suas estruturas.

Por outro lado, disse, “muitos serviços farmacêuticos têm recursos humanos, particularmente recursos humanos qualificados [farmacêuticos], aquém daquilo que deveriam ter” e, muitas vezes, os serviços de compras também carecem de profissionais qualificados para fazerem processos de compras baseados em valor.

“E, portanto, na verdade, as estruturas hospitalares não estão capacitadas, não têm este foco, esta prioridade de medir esta dimensão, o valor em saúde, que é acrescentado pelos medicamentos e depois utilizar essa informação, nomeadamente, em termos de contratação pública”, rematou.

No Fórum do Medicamento, será debatido entre outros temas, a reforma na legislação farmacêutica europeia.

Os objetivos passam, entre outros, por garantir que todos os doentes da União Europeia tenham “acesso atempado e equitativo a medicamentos seguros, eficazes e acessíveis; reforçar as cadeias de abastecimento e tornar os medicamentos mais ambientalmente sustentáveis”.

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