"Se começamos a entrar em pânico e a dispensar pessoas, o têxtil pode colapsar"

ECO - Parceiro CNN Portugal , António Larguesa
1 dez 2023, 16:00
Empresa têxtil

José Manuel Ferreira, presidente de uma das principais empresas portuguesas da indústria têxtil, produtora de vestuário para grandes grupos internacionais, como a H&M ou a Aeffe (Moschino), reconhece o momento “complicado” numa indústria que tem de manter o emprego: "À beira do que está agora a acontecer no têxtil, pandemia foi uma pequena dor de cabeça"

O presidente da Valérius, uma das principais empresas portuguesas da indústria têxtil, produtora de vestuário para grandes grupos internacionais, como a H&M ou a Aeffe (Moschino), traça um retrato sombrio do atual momento do setor, ilustrando, em entrevista ao ECO, que até faz o anterior período crítico da pandemia da Covid-19 parecer “uma pequena dor de cabeça”. Nos primeiros nove meses de 2023, as exportações do setor caíram 6% em valor (para 4.408 milhões de euros) e 12% em volume, face a igual período do ano anterior.

O empresário minhoto, que pôs a Dielmar a dar lucro depois da falência, dramatiza a manutenção dos postos de trabalho num setor que depende 80% de pessoas e 20% de máquinas. “Se começamos a entrar em pânico e a dispensar pessoas, o têxtil pode colapsar”, adverte. Um inquérito recente realizado pela associação do setor (ATP) mostrou que quase metade das empresas está a cortar no emprego e a maioria a perder vendas na reta final do ano.

Como descreve o atual momento da indústria têxtil em Portugal, partindo do vosso negócio?

Faturámos 38 milhões de euros em 2022 e em novembro do ano passado fizemos uma previsão de crescimento de 20% para 2023, mas devemos ficar pelo mesmo volume de vendas. O setor começou a arrefecer no final do ano passado com a subida das taxas de juro e devido aos custos da energia. Os clientes não estão a sair de Portugal, mas a reduzir os seus forecasts entre 20% a 30% a nível global, o que é muito para um setor de mão-de-obra intensiva e que tem de colocar trabalho todos os dias nas fábricas para produzir.

É muito complexo. Porque uma coisa é desligar uma máquina; outra coisa é desligar pessoas — e não conseguimos desligar pessoas porque todas elas ao final do mês têm de atender aos seus compromissos. O têxtil depende 80% de pessoas e 20% de máquinas.

Como se estão a ajustar a isso?

Está a ser muito complicado. Um avião com um ou dois problemas não cai, mas com quatro já pode cair. O têxtil enfrenta neste momento um problema de redução do consumo a nível global devido às taxas de juros e à inflação. O mercado encolheu e ainda se está a ajustar. Não sabemos onde é o fim. E temos de nos ajustar ao mercado. Nós subcontratamos muito, mas há sempre alguém que no meio desta cadeia vai ficar mal porque não vai ter trabalho para manter o nível [de emprego]. Desde 2015, depois da troika, as empresas equiparam-se, tornaram-se mais capazes de fazer mais coisas diferentes, com mais valor acrescentado, e estavam preparadas para o setor continuar a crescer. Depois, em 2020, veio a pandemia. Mas à beira do que está agora [a acontecer], a pandemia foi uma pequena dor de cabeça.

O cenário hoje é mais assustador para as empresas?

É mais perigoso. Os empresários estão habituados a viver em cenários adversos e a serem resilientes, mas a verdade é que os indicadores e a informação que temos não são bons. O setor fez investimentos, as empresas hoje estão muito bem equipadas, mas como não temos marcas próprias, não dominamos o mercado e estamos completamente dependentes do que acontece nas marcas globais e sujeitos a este ajustamento. Quanto mais empurramos o nosso cliente à compra, mais risco temos depois que ele não pague. Está tudo a acontecer a uma velocidade estonteante.

Como é que estão a fazer essa leitura?

 

A Valérius tem mais de 20 pessoas que só fazem leitura de mercado, que estão a ver o que está a acontecer para perceber qual o caminho que a fábrica tem de tomar. Ligamos para A, B e C e toda a gente diz o mesmo: as quebras estão nesta ordem de grandeza. No tempo da troika havia dois ou três países com problemas e países que estavam bem. O que acontece hoje é que está tudo mal. Para já, as empresas portuguesas estão a tentar aguentar isto, no fundo, perdendo rentabilidade. É que este setor depende muito de pessoas e se começamos a entrar em pânico e a dispensar pessoas, pode colapsar.

Por outro lado, a indústria portuguesa representa 3% dos têxteis mundiais e 7% a nível europeu, e sabemos que nos nossos concorrentes, como a Turquia e a Ásia numa quantidade de produtos, as quebras das compras são muito maiores, perto do dobro. Temos algumas procuras de clientes que compravam a seis meses, por exemplo, no Bangladesh, e agora dizem que vão comprar [em mercados] mais próximos. Porque reduzindo o tempo de compra também mitigam o risco. Isto pode dar-nos um input para o primeiro trimestre do ano que vem. Começámos a perceber esse movimento de procura. Não sabemos exatamente a dimensão que terá. Até porque o cliente tem de ajustar-se. É uma compra diferente, com preço diferente.

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