"Pode eternizar-se no poder". Vladimir Putin está mais perto de ultrapassar o longo mandato de Estaline

18 mar, 08:00
Vladimir Putin posa em tronco nu em cima de um cavalo (Alexei Druzhinin/Pool Photo via AP)

À frente dos destinos da Rússia, Vladimir Putin conheceu três presidentes portugueses, cinco presidentes americanos e três papas. No entanto, a sua liderança pode agora estender-se ainda mais, ultrapassando um dos mais conhecidos ditadores da história

Quase 25 anos depois de ter subido ao mais alto cargo da Federação Russa, Vladimir Putin, de 71 anos, voltou a vencer as eleições. Com esta vitória, o presidente russo vai governar os destinos da Rússia nos próximos seis anos. Se completar o mandato até ao fim, será o líder russo que governou mais tempo desde Estaline, que comandou a União Soviética com um punho de ferro durante 30 anos. Mas isso pode vir a trazer graves problemas para o regime russo.

“Estas eleições confirmam que a Rússia transformou-se numa autocracia implacável, por muito contraditório que possa parecer. Vladimir Putin matou na imaginação dos russos a possibilidade de haver outro líder que não ele próprio”, afirma a investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais, Diana Soller.

Um ano antes de iniciar a guerra na Ucrânia, Vladimir Putin aprovou uma lei que lhe permitia recandidatar-se mais duas vezes e estender o tempo dos mandatos de quatro para seis anos. O processo de aprovação da legislação foi marcado por controvérsia. Para permanecer no poder, o antigo espião do KGB iniciou um processo de referendo para “limpar” o seu registo de mandados – que a constituição russa limita a apenas dois consecutivos. Isto significa que, na prática, Putin pode governar, pelo menos, até 2036.

Essa mesma lei garante a Putin e ao antigo presidente Medvedev imunidade vitalícia, mas não só. O documento vai mais longe e faz com que os familiares de todos os antigos presidentes estejam isentos de ser interrogados pela polícia, bem como ser alvos de buscas ou de pressões. Esta imunidade só pode ser levantada por maioria no parlamento em caso de suspeitas de crimes graves como o de traição ou outros.

“Putin escolheu o modelo do KGB e existe a possibilidade de se eternizar no poder na Rússia. Ele ajudou a criar um sistema de poder vertical, onde para os amigos e aliados reina a impunidade e para os inimigos a força da lei. Rodeou-se das pessoas que lhe seriam fiéis e procurou sempre que toda a oposição fosse proibida”, explica o professor José Filipe Pinto, especialista em Relações Internacionais.

Durante a campanha, o partido de Vladimir Putin, o Rússia Unida, criou um novo slogan. Vazhno Vybrat’ Pravil’no (VVP) ou É Vital Escolher Bem, em português. A mensagem para o povo russo era clara: estas eleições são uma escolha entre o bem e o mal. Mas o acrónimo do slogan sugere a escolha certa: Vladimir Vladimirovich Putin (VVP). “É uma demonstração de que controla o poder vertical, controlando o partido.”

Mas nem sempre foi assim. Durante os primeiros anos da presidência de Putin, ainda existia imprensa livre no país e políticos populares dispostos a colocar em causa as palavras e rumo escolhido pelo Kremlin. Um a um, tantos os opositores como as publicações livres foram desaparecendo. No seu lugar, apareceu um “aparelho de poder e propaganda” enorme, de forma a perpetuar o núcleo duro. Amigos de infância de Vladimir Putin e muitos homens do aparelho de espionagem soviético sobem ao poder e adquirem algumas das maiores empresas do país.

Políticos, jornalistas e antigos espiões aparecem mortos. O caso mais recente foi o do político Alexei Navalny, que morreu depois de ter sido envenenado e posteriormente detido numa prisão na Sibéria. Mas já no passado, Boris Nemtsov, então figura central da oposição e da luta contra a guerra da Rússia na Ucrânia, perdeu a vida depois de ter sido baleado enquanto passeava com a namorada ucraniana nas imediações do Kremlin.

“Rodeou-se das pessoas que lhe seriam fiéis e procurou sempre que toda a oposição fosse proibida. Hoje governa com um sistema de livre-arbítrio e de medo. O livre-arbítrio do líder e o medo dos cidadãos”, defende José Filipe Pinto.

Existem elementos da cultura russa que levaram Putin a permanecer no poder, defende o especialista em Relações Internacionais. Desde a era da Rússia imperial que existe o culto do líder, uma prática que se manteve durante a União Soviética e tem vindo a ser reconstruída pelo Kremlin ao longo dos anos para garantir a Putin o mesmo estatuto.

Um elemento fundamental desse culto foi o resgate da Igreja Ortodoxa russa, que foi severamente oprimida durante a ditadura soviética. O seu patriarca, Cirilo I de Moscovo, é um ávido defensor das decisões do regime russo, abençoando armamento e apelidando o governo de Putin de “dádiva de Deus aos russos”. Outro fator é a criação do mito de Vladimir Putin herói. Ao longo dos anos, a imagem de Vladimir Putin vem sendo cuidadosamente construída para aparentar ser uma figura heroica, não apenas do ponto de vista político.

“Na Rússia, as palavras mudam o mundo e Vladimir Putin é um dos melhores exemplos do culto da personalidade. Não sendo fisicamente muito dotado, as imagens que lhe tiram a andar de cavalo em tronco nu servem para mostrar que tem um vigor físico superior aos adversários. É uma metáfora importante”, defende.

Ao contrário do que se pensou inicialmente, o conflito na Ucrânia demonstrou ser uma excelente ocasião para Vladimir Putin projetar a sua força no plano interno, aumentando a repressão contra dissidentes e críticos no geral. Alguns dos quais detidos apenas por segurarem folhas em branco em locais públicos. Atualmente, a maior parte da oposição russa ou está morta, ou detida ou no exílio e sem força de se organizar no interior da Rússia.

Por isso, defendem os especialistas, o destino de Putin na liderança da Rússia não está definitivamente ligado à evolução da guerra na Ucrânia. Vladimir Putin tem conseguido posicionar-se na esfera da comunicação como o “defensor do povo russo” e o defensor dos “valores tradicionais”, contra a expansão da “sociedade ocidental decadente”.

“Ao princípio, todos nós acreditámos que esta era uma guerra existencial para o regime. O que percebemos é que o regime se está a escudar de desaparecer, através de uma eliminação brutal dos inimigos e através de uma propaganda brutal”, considera Diana Soller.

Apesar de não ser existencial para o regime, o desfecho do conflito pode vir a influenciar bastante a postura russa na sua política externa. Diana Soller defende que o Ocidente deve esperar um Kremlin “mais ousado” e com um sentimento de que é “capaz de ir mais além” no confronto com o Ocidente. Caso a guerra acabe com o insucesso russo, a Rússia terá uma postura “mais tímida.

A situação torna-se mais grave ainda pelo facto de o presidente russo estar rodeado das mesmas figuras há quase 25 anos. Nos regimes autoritários, é comum que as elites que rodeiam o líder digam apenas aquilo que este quer ouvir, para garantir a sua própria sobrevivência. “Existe agora uma maior tendência para o pensamento de grupo e de viés de confirmação, com aqueles que rodeiam Putin a dizer-lhe aquilo que ele quer ouvir, ao invés de lhe dizer o que precisa de ouvir”, observa o psiquiatra Kenneth Dekleva, em declarações à RFE/RL.

A aparente vontade de Vladimir Putin em permanecer no poder por tempo indeterminado e a natureza do regime que criou e das elites com que se rodeiam aparentam demostrar que o seu substituto aparecerá por escolha do próprio líder russo. No entanto, entre a imagem criada de que Putin é insubstituível e um regime com sérias divisões entre a linha dura e a ala mais modera, o futuro político pode ser turbulento.

“Este tipo de regimes são regimes sucessórios. Putin preparará a sua própria sucessão, mas parte da mitologia deste regime está relacionada com o facto de ele ser insubstituível. Estes regimes parecem muito seguros até ao dia em que não estão. Muitas vezes as sucessões correm mal”, alerta Diana Soller.

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