A eleição fraudulenta de Vladimir Putin

CNN , Ekaterina Kotrikadze
15 mar, 15:08
Presidente da Rússia, Vladimir Putin (EPA)

OPINIÃO || As eleições presidenciais russas vão, com toda a certeza, prolongar o domínio de Vladimir Putin até 2030. A Rússia está a viver esta vergonha com depressão e tristeza.

Nota do Editor: Ekaterina Kotrikadze é diretora de informação e pivô do canal de televisão russo independente Dozhd (TV Rain). O canal foi encerrado em março de 2022 e relançado a partir da Europa em julho de 2022. Kotrikadze vive e trabalha nos Países Baixos. As opiniões expressas neste comentário são da sua inteira responsabilidade.

 

No dia 17 de março, haverá um acontecimento na Rússia a que, por hábito, chamaremos eleições. Mas, como é óbvio, já não há eleições na Rússia. Em vez disso, trata-se da recondução de Vladimir Putin ao mais alto cargo do maior país do mundo.

Ekaterina Kotrikadze. Foto Denis Kaminev

Em 2003, quando Putin era ainda um jovem presidente, eu era estudante na Faculdade de Jornalismo da Universidade Estatal de Moscovo. Foi a minha primeira eleição parlamentar. Lembro-me de ter feito o caminho para participar na votação através dos montes de neve do inverno moscovita, com muito frio.

Mas fazia sentido - eu ia dar o meu voto ao partido liberal União das Forças de Direita (URF), que tinha como um dos seus líderes Boris Nemtsov. O político Vladimir Kara-Murza candidatou-se pelo mesmo partido. O URF perdeu nessa altura e não conseguiu entrar no parlamento.

No entanto, a oposição continuou a existir no país e a concorrência política era forte e interessante. Eu adorava campanhas eleitorais brilhantes e, mesmo apesar do movimento óbvio em direção à autocracia, os concorrentes do Kremlin tinham uma relativa liberdade de ação.

Não podiam ganhar as eleições, mas podiam participar, podiam falar para os meios de comunicação social independentes e transmitir as suas ideias a um público significativo. Podiam fazer comícios e viver na Rússia.

Oito anos mais tarde, e já estabelecida na minha carreira jornalística, telefonei a Nemtsov e pedi-lhe uma entrevista durante a campanha parlamentar de 2011. Encontrámo-nos numa das assembleias de voto no centro de Moscovo. Nemtsov estava inspirado: falava de observadores que detectavam violações e falsificações, acreditava que as autoridades seriam responsabilizadas.

As alegações de fraude eleitoral deram origem aos maiores protestos da história moderna da Rússia. Dezenas de milhares de pessoas saíram à rua.

Milhares de pessoas protestam contra as eleições parlamentares em Moscovo, a 24 de dezembro de 2011. Yuri Kadobnov/AFP/Getty Images

Hoje em dia, tal coisa é impossível de imaginar. Mas todas essas pessoas não desapareceram - apenas se calaram.

Em 2015, Nemtsov foi morto com um tiro nas costas a curta distância das muralhas do Kremlin. Em 2023, Kara-Murza foi condenado por "traição" e enviado para uma colónia de segurança máxima durante 25 anos.

Com a eclosão de uma guerra em grande escala na Ucrânia e a introdução da censura militar, a maioria absoluta dos meios de comunicação social independentes foi proibida e os jornalistas, incluindo eu própria, enfrentam acusações criminais.

O meu trabalho na nova realidade é informar os russos sobre o que está a acontecer na Rússia, estando em Amesterdão. Não posso ir às assembleias de voto, não posso falar com os eleitores, não posso fazer perguntas aos funcionários do governo.

O canal de televisão Dozhd (TV Rain), onde trabalho, foi declarado não só um "agente estrangeiro", mas também uma "organização indesejável", o que significa que, por uma única entrevista com o Dozhd ou até mesmo por publicar um vídeo do Dozhd, qualquer cidadão da Rússia pode ser acusado num processo criminal.

Aprendemos a obter vídeos de toda a Rússia, aprendemos a inventar formas relativamente seguras de entrevistar pessoas da Rússia e tornou-se possível falar sobre a Rússia fora das suas fronteiras. Ekaterina Kotrikadze

Trabalhar nestas circunstâncias é, à primeira vista, uma loucura e, no início da minha emigração forçada, parecia simplesmente impossível. Mas acabou por se verificar que nos podemos adaptar a tudo. Aprendemos a obter vídeos de toda a Rússia, aprendemos a inventar formas relativamente seguras de entrevistar pessoas da Rússia e tornou-se possível falar sobre a Rússia fora das suas fronteiras.

As próximas eleições estão a decorrer sem um único concorrente influente a Putin. Parece que já não há necessidade de imitar a democracia.

A Rússia está a viver esta vergonha com depressão e tristeza. Um mês antes do dia das eleições, Alexey Navalny, de 47 anos, parece ter sido morto numa colónia penal para lá do Círculo Polar Ártico. Digo "morto" porque, na minha opinião, este crime é óbvio. Durante quase 300 dias, o líder da oposição russa, prisioneiro político número um, foi mantido em isolamento, o que é fisicamente quase impossível de suportar. Além disso, esconderam o corpo de Navalny à sua mãe durante uma semana.

Uma vez que já foi envenenado uma vez e milagrosamente não morreu, também desta vez as suspeitas de envenenamento ou outra influência externa - apesar de a sua certidão de óbito declarar que morreu de causas naturais - são mais do que justificadas. Com a sua morte, milhões de russos perderam as suas últimas forças. O chão desapareceu debaixo dos seus pés.

Algumas semanas antes da morte de Navalny, assistimos a um fenómeno espantoso. O político Boris Nadezhdin anunciou a sua vontade de participar nas eleições presidenciais. Este homem pertence ao passado, ao mesmo partido em que votei em 2003. No entanto, ao longo dos anos, transformou-se num "liberal do sistema": aparecia regularmente nos canais de televisão do Estado e permitia que os propagandistas o usassem como bode expiatório. É cuidadoso e flexível. Ele próprio me disse que não é um herói ou um lutador, que faz compromissos e tem medo.

O político Boris Nadezhdin fala aos jornalistas depois de ter sido impedido de concorrer às eleições presidenciais russas, em fevereiro. Alexander Zemlianichenko/AP

Mas este homem teve a coragem de se manifestar contra a guerra na Ucrânia. Este facto, por si só, foi suficiente para provocar bichas de pessoas por toda a Rússia, que esperavam em longas filas para apoiar a candidatura presidencial de Nadezhdin. O procedimento na Rússia não permite que um candidato seja colocado nos boletins de voto sem as assinaturas de cidadãos de diferentes regiões.

A Comissão Eleitoral Central da Rússia, como é óbvio, não autorizou Nadezhdin a participar nas eleições. Mas as filas já se fizeram sentir e este erro já custou caro ao Kremlin. Milhares de pessoas que se opõem a Putin viram-se e reconheceram que não estavam sozinhas. Este sentimento intensificou-se durante o funeral de Navalny, a 1 de março, quando uma enorme multidão se deslocou ao cemitério, apesar dos ameaçadores cordões policiais.

É importante salientar que, apesar das repressões mais severas na Rússia, ainda há Internet. Sim, o Facebook, o X e o Instagram estão proibidos, mas os jovens russos sabem como utilizar uma VPN. Além disso, os vídeos dos smartphones aparecem imediatamente nos chats do Telegram. O YouTube ainda não está bloqueado na Rússia, e é o YouTube que se tornou a nova televisão para os jornalistas e políticos independentes.

Quanto mais tempo Putin governa o país, menos vestígios restam das antigas liberdades, da democracia, que parecia inevitável no início da década de 1990. Embora não possamos tornar livres as próximas eleições, podemos cobrir este circo com a maior honestidade possível.

E os nossos espectadores estão a aumentar; só em fevereiro, 22 milhões de pessoas viram o TV Rain, de acordo com os dados analíticos do YouTube. Isto dá-nos esperança. Tal como as filas de espera para Nadezhdin. Tal como o sonho de Navalny de uma "bela Rússia do futuro".

Sabemos que não podemos desistir.

 

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