Querida China, de que lado estás na guerra da Ucrânia? A pergunta de Friedman e a resposta possível

6 mar 2022, 22:15
O presidente da China, Xi Jinping, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin. (Greg Baker/Pool Photo via AP, File)

A questão foi colocada num artigo de opinião do norte-americano Thomas L. Friedman, este domingo no The New York Times. Porque a posição da potência asiática não é clara. De que lado está? Francisco Seixas da Costa responde: do lado de si própria

Há 11 dias que a Rússia avança com ofensivas em território ucraniano, numa guerra que acontece a mais de cinco mil quilómetros da China. Mas a distância não faz com que o país liderado por Xi Jinping esteja fora da discussão. Ao não se juntar às sanções económicas do Ocidente, que pretendem isolar e enfraquecer a Rússia, está a China a colocar-se ao lado de Vladimir Putin? A questão não é simples, mas pode ser decisiva.  

Num artigo de opinião publicado este domingo no The New York Times, o norte-americano Thomas L. Friedman defende que a China é, mais do que os Estados Unidos, o único país capaz de travar o conflito - ao enfraquecer o poder político e económico de Putin -, conseguindo, por consequência, sair reforçada enquanto um “verdadeiro líder mundial”. "Querida China, de que lado estás?", titulava o jornal americano. Fomos à procura de resposta. 

Para Francisco Seixas da Costa, antigo embaixador na Organização das Nações Unidas (ONU), na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e na UNESCO, até pode parecer que a China está do lado da Rússia, mas, na verdade, está apenas do lado dela própria neste “conflito que não provocou”.

Para o diplomata, a China está “a tentar passar pelos pingos da chuva” e a “tentar preservar a sua autonomia decisória e que é uma grande potência mundial”. Na prática, destaca, está a “preservar a sua própria posição” enquanto inimiga do Ocidente e esse é um dos principais motivos para não se juntar ao conjunto de sanções já aprovadas pelos Estados Unidos e pela União Europeia contra a Rússia - a quem tem "piscado o olho" já com o pensamento no futuro. 

Tal como a CNN noticiou, a China e a Rússia criaram laços estreitos nos últimos anos, laços esses que agora saltam à vista em pleno conflito na Ucrânia. O líder chinês, Xi Jinping, até se referiu ao presidente russo, Vladimir Putin, como o “seu melhor amigo do coração”, em 2019. Durante a visita de Putin a Pequim, no mês passado, os dois Estados assinalaram que a amizade que os une “não tem limites”.

Mas faz isso com que a China seja uma aliada da Rússia na invasão à Ucrânia? Sim e não. “É colocar-se ligeiramente ao lado da Rússia , mas não quer dizer que esteja de forma literal e completa do lado da Rússia”, analisa Seixas da Costa. 

Para o diplomata, a “China tem sabido estar com uma posição neutral”, mas esse seu lado ‘imparcial’ acaba por dar alguma força a Putin, mesmo que ligeira e indiretamente - o presidente da Rússia acaba por ter a maior potência mundial não do totalmente do lado dele, mas sem estar contra ele. 

A China está a fazer uma neutralidade colaborante”, frisa Seixas da Costa, dando como exemplo dois momentos de silêncio protagonizados pelo país asiático: primeiro, “perante um coro mundial muito grande de rejeição, a China não disse nada sobre a Crimeia”, depois, “na assembleia das Nações Unidas absteve-se da resolução que condenava a Rússia [na invasão à Ucrânia]”. 

Francisco Seixas da Costa

No artigo de hoje, Thomas L. Friedman defende que, se se juntasse às sanções já impostas, a China poderia ser o "jogador" da guerra, o elemento que decide o desfecho do conflito. Mas esse é um cenário que muito dificilmente irá acontecer - a não ser que a situação na Ucrânia se agrave muito, diz Seixas da Costa, e num cenário sobre o qual falaremos mais à frente neste artigo.

“Mesmo que a China implementasse sanções, o que não vai fazer, porque não quer colocar-se do lado ocidental mais do que do lado russo, estará a ter uma atitude de neutralidade que, num quadro de isolamento da Rússia a nível mundial, é quase uma colaboração neutral”.

Um potencial aliado que não convém, para já, atacar

Apesar de a China ter boas relações comerciais com a Ucrânia desde 2008 - o país de Volodymyr Zelensky fornecia trigo à China - por exemplo, a história vai, mais uma vez, dar aos Estados Unidos, a cola que une a Rússia à China, num interesse mútuo e que parecer ser mais forte do que qualquer relação que beneficie os cofres do estado chinês.

Para Seixas da Costa, o silêncio e a falta de ações da China não faz com que esteja a ser um escudo-protetor da Rússia.

Até porque, garante, “esta situação é incómoda para a China”, pois acaba por colocá-la numa posição um tanto ou quanto vulnerável face ao Ocidente, que tem agido contra a Rússia e que continua a ser o adversário número um dos chineses, que não querem juntar-se às suas ações, colaborar com o inimigo.

Mais uma vez, o diplomata destaca que “a China é um adversário do ocidente”, e o facto é que a Rússia “também” o é: “isso mesmo basta” para justificar a posição de Xi Jinping relativamente ao conflito na Ucrânia - não critica, nem ataca e vai mantendo um inimigo dos EUA por perto, mesmo com alguns puxões de orelhas pelo meio. Esta relação de oposição face ao ocidente “relativamente similar” entre os dois países “pode justificar alguma retração por parte da China em fazer uma crítica aberta à Rússia”, explica.

“Entre a China e a Rússia há uma posição relativamente comum na crítica às posições do ocidente”, diz, recorrendo a uma “conhecida frase” para explicar esta relação entre os dois países: “o inimigo do nosso amigo, nosso inimigo é”.

É o facto de os Estados Unidos serem inimigos da China e também inimigos da Rússia que parece estreitar esta relação entre os países de Putin e Xi Jinping, mesmo que isso não seja abertamente mostrado.

“A China e a Rússia não pensam da mesma maneira em relação a Taiwan. A China nunca aceitou a incorporação da Crimeia na Rússia. A China tem algumas divergências históricas com a Rússia, são dois países de duas escolas diferentes do antigo comunismo, mas mantêm agora alguns pontos em comum que, a meu ver, têm mais a ver com a sua oposição a algumas políticas ocidentais do que propriamente com estratégias imediatas coincidentes, pois ambos os países consideram-se objecto de uma pressão ocidental”, esclarece.

A China tem consciência que, a prazo, é o adversário do Ocidente, e não quer perder um potencial aliado”, que é a Rússia.

Pode a China mudar de posição na guerra na Ucrânia? Sim. E só Putin provocar

Seixas da Costa considera que “a China acabou por ver-se obrigada a ter de reagir perante um conflito para o qual nada contribuiu e está - não quero dizer a hesitar - a ter passos de muita prudência, de, por uma lado, não se desligar de um adversário do seu adversário, mas, por outro lado, de não quer aparecer a subscrever todas as posições da Rússia”.

Apesar de terem um ‘alvo’ comum, leia-se Estados Unidos, isso não faz com que a China dê luz verde a tudo o que a Rússia faz, salienta o diplomata. Aliás, podem ser as próprias ações futuras da Rússia as responsáveis por uma mudança na tática da China durante o conflito.

Ao optar por não contribuir para o sufoco financeiro da Rússia, a China está a adotar uma posição que não contribui para o isolamento da Rússia, mas, frisa Seixas da Costa, “não dá uma carta branca no sentido de dizer que aprovam tudo o que a Rússia fizer”. A China não quer ser vista como um país “que está sistematicamente a subscrever a posição de líder da Rússia, com cuja ação futura não concorda. Imagine que amanhã a postura da Rússia assume contornos ainda mais escandalosos, em matéria de bombas e assassinato de civis: a China não pode estar a hipotecar a sua autonomia perante situações futuras que não pode controlar”.

Não acredito que a China passe para o lado adversarial em que está o Ocidente, a não ser que a Rússia vá muito além nas ações”, com, dá Seixas da Costa como exemplo, o uso a bombas atómicas. 

No meio do conflito, “a China vai fazendo uma monitorização [do conflito], nunca puxando o tapete à Rússia”, afirma Francisco Seixas da Costa, concluindo que “uma entidade não se entrega completamente face a um futuro que não consegue controlar”.

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