China posiciona-se para mediar guerra entre Rússia e Ucrânia

2 mar 2022, 04:44
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O governo chinês está a endurecer a linguagem em relação à Rússia e já admite que se trata de uma “guerra”. O ministro dos Negócios Estrangeiros condenou o ataque a zonas residenciais civis e falou ao telefone com o homólogo ucraniano, que pediu mediação chinesa para o conflito. Pequim admite assumir esse papel

Apesar de continuar a evitar críticas diretas a Moscovo, a posição do governo chinês sobre a invasão da Ucrânia está a evoluir. Na terça-feira ao fim do dia o ministro chinês dos Negócios Estrangeiros, Wang Yi, falou por telefone com o seu homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba, naquele que foi o contacto de mais alto nível entre os dois países desde o início da ofensiva russa. E dessa conversa saiu a possibilidade de Pequim poder mediar o confronto.

Segundo Kuleba, o chefe da diplomacia chinesa assegurou que a "China está pronta para fazer todos os esforços para por fim à guerra em solo ucraniano através da diplomacia, incluindo como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU". 

Para além de este telefonema ter marcado uma maior graduação nos contactos entre os dois países, e ter posicionado a China como eventual mediador, registou-se ainda uma evolução significativa na linguagem usada por Pequim. 

Segundo uma declaração publicada no site do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) chinês, Wang mostrou-se "extremamente preocupado com os danos causados sobre civis" pelos ataques russos a cidades ucranianas. Um aviso que coincide com uma mega-operação das autoridades chinesas para retirar da Ucrânia mais de um milhar de cidadãos chineses que vivem naquele país e deixaram de ter condições de segurança.

Para além disso, o governante chinês referiu-se à situação entre os dois países como uma “guerra”, deixando de usar a linguagem de Moscovo, que continua a referir-se a uma “operação militar especial”. Recorde-se que até há poucos dias a China recusava usar as palavras "guerra", "agressão", "violação" ou "invasão" para classificar o que se passa no Leste da Europa.

Kiev pede mediação de Pequim

Num país que por regra mede cada passo que dá no plano diplomático, e que desde o início deste conflito tem mantido uma posição ambígua - condenando a tentativa de alteração unilateral das fronteiras, mas mostrando compreensão pelos argumentos russos em relação a uma suposta ameaça ocidental colocada pela NATO -, estes são pequenos passos que deixam Putin um pouco mais isolado. Antes, a China já se havia abstido na condenação do ataque russo, no Conselho de Segurança da ONU. A expectativa da Rússia era que a China votasse contra, mas tal acabou por não acontecer.

Após a conversa com Dmytro Kuleba, o chefe da diplomacia chinesa voltou a apelar a uma desescalada no conflito e a negociações que permitam uma saída diplomática. E reforçou a posição chinesa de respeito pela "integridade territorial de todos os países".

O MNE ucraniano contrapôs com um pedido para que a China possa mediar um novo processo negocial. Kuleba garantiu que a Ucrânia está disposta a reforçar a comunicação com a China e que aguarda com expetativa a "mediação da China para a realização do cessar-fogo", ainda de acordo com a declaração do MNE chinês.

Segundo uma declaração do próprio Kuleba, este pediu a Wang Yi "que use o nível das relações entre Pequim e Moscovo para forçar a Rússia a travar a agressão armada contra o povo ucraniano". A resposta, segundo as palavras do ministro de Kiev, foi positiva. Essa disponibilidade faz a manchete do jornal Financial Times desta quarta-feira.

Tendo em conta o ascendente que a China poderá ter sobre Putin - trata-se da segunda maior economia mundial, que pode estender uma tábua de salvação económica e diplomática ao Kremlin -, a disponibilidade de Pequim para entrar num processo de mediação deixaria pouca margem para uma recusa russa, e poderia ser uma forte pressão sobre as duas partes no sentido de travar o conflito. 

"Este é um acontecimento muito importante e assinala a grande atenção que o governo chinês está a prestar à crise da Ucrânia", disse ao jornal Japan Times Henry Wang Huiyao, fundador do grupo de investigação política Center for China & Globalization em Pequim. "Se tanto a Ucrânia como a Rússia convidarem a China a ser um mediador, então a China provavelmente aderirá".

Embora o tom da comunicação social chinesa continue a ser muito favorável aos argumentos de Moscovo, e hostil aos EUA e à NATO, o governo de Xi Jinping tem lançado sinais ambíguos desde o arranque da invasão. A CGTN, canal de televisão oficial chinês com emissão em língua inglesa, tem dado conta dos ataques russos a áreas residenciais civis em cidades ucranianas, chocando de frente com a propaganda russa. 

Retirada de chineses em curso

Segundo a embaixada da China em Kiev, cerca de 1.700 cidadãos chineses estão a ser retirados de autocarro para países vizinhos. Wang agradeceu o apoio do lado ucraniano na evacuação, e instou o ministro ucraniano a garantir a segurança dos chineses na Ucrânia, sublinhando que Pequim dá grande importância à sua segurança dos seus cidadãos. 

Kuleba assumiu a responsabilidade de assegurar a segurança dos cidadãos estrangeiros e prometeu ajudar os cidadãos chineses a sair sem problemas. 

Segundo o jornal em língua inglesa Global Times, ligado às autoridades chinesas, a operação de evacuação envolve 32 autocarros, a caminho da Moldávia e da Roménia.

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