Análise: a China não pode fazer muito para ajudar a economia sancionada da Rússia

CNN , Laura He
5 mar 2022, 17:00
Xi Jinping e Vladimir Putin

A China e a Rússia criaram laços estreitos nos últimos anos. O líder chinês, Xi Jinping, até se referiu ao presidente russo, Vladimir Putin, como o "seu melhor amigo do coração”, em 2019. Isso foi antes de a Rússia ter iniciado esta guerra na Ucrânia

Irá a China ajudar a Rússia a enfrentar as consequências das sanções económicas?

Essa tem sido a grande questão desde que a Rússia invadiu a Ucrânia, na semana passada. A China e a Rússia criaram laços estreitos nos últimos anos. O líder chinês, Xi Jinping, até se referiu ao presidente russo, Vladimir Putin, como o "seu melhor amigo do coração”, em 2019. Durante a visita de Putin a Pequim, no mês passado, os dois Estados assinalaram que a sua amizade "não tinha limites".

Isso foi antes de a Rússia ter iniciado esta guerra na Ucrânia, e de ter sido castigada com sanções sem precedentes por parte dos países ocidentais. Agora, a capacidade da China para ajudar o seu país vizinho foi posta à prova. Os especialistas dizem que as opções de Pequim são limitadas.

"Os líderes chineses têm uma situação complicada com a guerra na Ucrânia", afirmou Craig Singleton, membro sénior da China na Fundação para a Defesa das Democracias, um think tank com sede em Washington.

Pequim não se apressou para ajudar a Rússia, depois de a economia russa ter sido afetada por sanções de todo o mundo. Na quarta-feira, Guo Shuqing, presidente da Comissão Reguladora de Bancos e Seguros da China, disse que o país não participará das sanções, mas também não ofereceu qualquer assistência.

No início desta semana, o ministro dos Negócios Estrangeiros chinês falou com o homólogo ucraniano e disse que a China estava “profundamente triste com este conflito” e que sua “posição fundamental sobre a questão da Ucrânia é aberta, transparente e consistente”.

E o Banco Asiático de Investimento em Infraestruturas, um banco de desenvolvimento apoiado por Pequim, disse na quinta-feira que iria suspender todas as suas atividades na Rússia à medida que “a guerra na Ucrânia se desenrola”.

“As mensagens complicadas da China sugerem que Pequim continuará a culpar Washington e os seus aliados de provocar a Rússia”, disse Singleton.

No entanto, “tais medidas ficarão muito aquém de antagonizar ainda mais os Estados Unidos graças ao desejo de Pequim de evitar o corte completo das relações EUA-China”, acrescentou.

Laços comerciais próximos, mas um pouco ténues

Antes da invasão da Ucrânia pela Rússia, Putin aprofundou significativamente os laços do seu país com a China.

Na sua recente visita à China, os dois países assinaram 15 acordos, entre os quais novos contratos com os gigantes energéticos russos Gazprom e Rosneft. A China também concordou em levantar todas as restrições de importação de trigo e cevada russos.

No ano passado, 16% das importações de petróleo da China vieram da Rússia, segundo estatísticas oficiais. A Rússia é mesmo a segundo maior fornecedora para a China depois da Arábia Saudita. Cerca de 5% do gás natural da China também veio da Rússia no ano passado.

Já a Rússia compra cerca de 70% dos seus semicondutores à China, segundo o Peterson Institute for International Economics. Também importa computadores, smartphones e componentes automóveis à China. A Xiaomi, por exemplo, está entre as marcas de smartphones mais populares na Rússia.

A China também inscreveu bancos russos no seu Sistema de Pagamento Interbancário Transfronteiriço (CIPS), um sistema de compensação e liquidação visto como uma potencial alternativa ao SWIFT, o serviço de mensagens seguras com sede na Bélgica, que liga centenas de instituições financeiras em todo o mundo.

A China e a Rússia partilham um interesse estratégico em desafiar o Ocidente. Mas a invasão da Ucrânia colocou esta amizade à prova.

Teste de amizade

“Ainda não há indicações de que a China entenda que vale a pena violar as sanções ocidentais para ajudar a Rússia”, disse Neil Thomas, analista sobre a China no Eurasia Group, acrescentando que um desafio “flagrante” a essas sanções implicaria uma “punição económica pesada” para Pequim também.

“A muito apregoada suspensão das restrições de importação de trigo russo por Pequim foi acordada antes da invasão e não é indicador do apoio chinês”, assinalou.

Enquanto a Rússia precisa da China para o comércio, Pequim tem outras prioridades. A segunda maior economia do mundo é o parceiro comercial número 1 da Rússia, sendo responsável por 16% do valor do seu comércio externo, segundo cálculos da CNN Business, com base nos números de 2020 da Organização Mundial do Comércio e nos dados aduaneiros chineses.

Mas, para a China, a Rússia tem uma importância menor: o comércio entre os dois países representou apenas 2% do volume total de comércio da China. A União Europeia e os Estados Unidos têm participações muito maiores. Os bancos e empresas chinesas também temem sanções secundárias se negociarem com os russos.

“A maioria dos bancos chineses não pode perder o acesso aos dólares americanos e muitas indústrias chinesas não podem perder o acesso à tecnologia americana”, disse Thomas.

De acordo com Singleton, essas entidades chinesas “podem muito rapidamente ficar sujeitas a um maior escrutínio ocidental, se se entender que houve ajuda significativa às tentativas russas de evitar as sanções lideradas pelos EUA".

“Reconhecendo que a economia e a produção industrial da China estiveram sob enorme pressão nos últimos meses, os legisladores chineses deverão tentar encontrar um equilíbrio delicado entre apoiar a Rússia retoricamente, sem antagonizar os reguladores ocidentais”, acrescentou.

Esta semana, surgiram relatos de que dois dos maiores bancos chineses – o ICBC e o Bank of China – restringiram o financiamento para compras de produtos russos, com medo de violar possíveis sanções.

A Reuters também informou, na terça-feira, que as importações russas de carvão chinês pararam porque os compradores não conseguiram obter financiamento de bancos estatais, preocupados com as sanções internacionais.

O ICBC e o Bank of China não responderam a um pedido de comentário da CNN Business.

Restrições práticas significativas

Mesmo que a China queira apoiar a Rússia em áreas que não estão sujeitas a sanções, como a energia, Pequim pode enfrentar restrições severas, segundo os especialistas.

As “sanções financeiras que foram impostas à Rússia pelo Ocidente colocam restrições significativas de ordem prática às negociações da China com a Rússia, mesmo quando não as restringem diretamente”, disse Mark Williams, economista-chefe asiático da Capital Economics, numa análise na quarta-feira passada.

Alguns comentadores sugeriram que o CIPS da China poderia ser usado como alternativa pela Rússia, agora que sete bancos russos foram removidos do SWIFT.

Mas o CIPS é muito menor em tamanho: tem apenas 75 bancos participantes diretos, em comparação com mais de 11 mil instituições associadas do SWIFT. Cerca de 300 instituições financeiras russas estão no SWIFT, enquanto apenas duas dúzias de bancos russos estão ligados ao CIPS.

O yuan também não é livremente conversível e é usado com menos frequência do que outras moedas importantes no comércio internacional. Representou 3% dos pagamentos a nível global, em janeiro, em comparação com os 40% do dólar, segundo o SWIFT. Até mesmo o comércio China-Rússia tem sido dominado pelo dólar e pelo euro.

“Na prática, como o CIPS está limitado a pagamentos em yuans, está a ser usado apenas para transações com a China. É improvável que bancos de outros países recorram ao CIPS como uma solução para contornar o SWIFT, enquanto a Rússia é um pária internacional”, disse Williams.

E a China também não pode substituir os Estados Unidos no fornecimento de tecnologias-chave para as necessidades da Rússia.

Na semana passada, a Administração Biden anunciou uma série de medidas para restringir as exportações para a Rússia de tecnologia ou bens estrangeiros criados com tecnologia norte-americana.

A Rússia importa da China sobretudo chips de computador de baixo custo, que são usados ​​em carros e eletrodomésticos. Tanto a Rússia como a China dependem dos Estados Unidos para ter chips de última geração, necessários para sistemas de armamento avançados.

“A China sozinha não pode satisfazer todas as necessidades críticas da Rússia para as Forças Armadas”, disse um alto funcionário do Governo dos EUA, numa conferência de imprensa na semana passada, segundo a Reuters. “A China não produz nodes da tecnologia mais avançada. Portanto, Rússia e China dependem de outros países fornecedores e, claro, da tecnologia dos EUA para responder às suas necessidades.”

Isso pode levar as empresas de tecnologia chinesas – sobretudo as maiores – a ter ainda mais cautela com possíveis acordos com a Rússia.

“Algumas pequenas empresas chinesas que não dependem dos EUA poderão fornecer parte da procura da Rússia por tecnologia americana sancionada”, afirma Thomas, do Eurasia Group.

“Mas as grandes empresas de tecnologia chinesas terão cuidado para evitar o mesmo destino da Huawei, a quem o Governo dos EUA cortou o acesso aos semicondutores avançados”, acrescentou.

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