Ataques em solo russo dão a Putin um novo problema sem resposta óbvia

CNN , Análise de Nick Paton Walsh, Editor de Segurança Internacional
10 dez 2022, 21:00
Explosão na Rússia

Nove meses após o início da guerra, a acusação de Moscovo de que drones ucranianos teriam atingido duas bases aéreas no interior da Rússia volta a levantar a questão sobre a intensificação do conflito.

Os ataques são uma quebra extraordinária das suposições russas de que o país pode proteger o seu interior profundo, uma zona considerada segura que albergava os bombardeiros estratégicos que causaram uma carnificina em toda a Ucrânia, com relativa impunidade.

São bases aéreas muito no interior da Rússia, e seja qual for a verdade por trás destes ataques – quer representem uma nova capacidade de drones de longo alcance anunciada pela Ucrânia, quer haja outra explicação - isto não é algo que estivesse previsto acontecer quando o presidente russo Vladimir Putin lançou a sua “invasão de 10 dias” em fevereiro. Semana após semana, há cada vez mais sinais de que a máquina militar de Moscovo não funciona como publicitado.

Na terça-feira, um responsável russo disse que outro ataque com drones atingiu um aeródromo russo em Kursk, perto da fronteira ucraniana.

A Ucrânia não confirmou nem negou a sua responsabilidade, em conformidade com a política de silêncio oficial de Kiev sobre ataques dentro da Rússia ou na Crimeia ocupada pelos russos. Um assessor do presidente Volodymyr Zelensky pareceu gabar-se dos ataques, publicando enigmaticamente no Twitter que “se algo for lançado para o espaço aéreo de outro país, mais tarde ou mais cedo, objetos voadores desconhecidos regressarão ao ponto de partida.”

As agências de notícias públicas da Rússia adicionaram desconforto à humilhação, acrescentando na segunda-feira que os dois aeródromos iniciais em questão foram realmente fotografados por uma empresa comercial de imagens de satélite com sede nos Estados Unidos, no fim de semana.

As ferramentas de baixa tecnologia usadas nesta situação embaraçosa rebentaram o balão do estatuto russo na NATO.

A humilhação russa costuma ser acompanhada de preocupações de uma intensificação do conflito. Mas é difícil saber o que mais poderia a Rússia fazer à Ucrânia que já não tenha feito. Destruiu cidades, atingiu a infraestrutura civil de forma insensível e implacável sempre que pôde, matou milhares de civis e ainda mais soldados e bombardeou maternidades e abrigos marcados com a palavra “Crianças”.

A dado momento, a elaborada hipótese de que a Rússia ainda pode carregar nuns botões mágicos e não-apocalípticos, começará a desaparecer. Vamos falar rapidamente das razões para um ataque nuclear russo parecer fora de questão, pelo menos por enquanto. Depois de meses de retórica nuclear profundamente arrepiante - abrangendo potenciais “acidentes” em centrais nucleares, conversas sem provas sobre o uso de uma bomba suja por parte da Ucrânia, ameaças descaradas invocando o arsenal nuclear russo - Moscovo parece ter recuado na retórica do Armagedão.

A China tem deixado bastante claro que esse tipo de conversas deve parar. Tal como a Índia. No final do mês de novembro, Putin viu-se num momento extraordinário, a assinar um decreto com o presidente do Cazaquistão reiterando que uma guerra nuclear nunca pode ser vencida e nunca deve existir. Foi um reforço de uma declaração de 2006 entre Moscovo e os estados da Ásia Central que, na época, procuravam liderar como potência geopolítica. Como mudaram os tempos. Moscovo já não está de olhos postos no Ocidente como há 16 anos. E o Cazaquistão, que até janeiro dependia de Moscovo para acabar com a agitação interna, vira-se agora para a China e para a Europa em termos de futuro, aparentemente tentando fazer com que Putin prometa novamente que as armas nucleares são más.

Nada disto exclui a remota possibilidade de o Kremlin ceder à ala lunática dos talk shows da televisão pública e usar as suas piores armas. Mas é bastante claro que todos os conhecidos de Putin estão agora a adverti-lo sobre as duras consequências desse ato.

Então, o que resta à Rússia? As armas químicas são uma possibilidade, mas é provável que estejam incluídas nos avisos que tem recebido quanto ao uso do poder nuclear. As opções de Moscovo parecem limitadas ao uso mais preciso ou cruel da mesma brutalidade convencional que está a aplicar sobre as cidades da Ucrânia, quase diariamente.

Este é o efeito colateral mais prejudicial de quão pública tem sido a exaustão das Forças Armadas da Rússia: não resta nenhum “fator de medo” real. Os comentadores da televisão pública gostavam de dizer, há uns meses, que a Rússia tinha até então lutado com “luvas”, mas é óbvio que há muito que as luvas já foram descalçadas, o adversário aprendeu a evitar os murros e também levou uma faca para o ringue.

Esta degradação pública da Rússia enquanto potência foi agravada por alegações feitas por responsáveis ucranianos – e difíceis de confirmar - de que mais de quatro em cada cinco mísseis russos disparados nesta segunda-feira foram intercetados pelos sistemas de defesa aérea reforçados de Kiev. Mais uma vez, esta é outra das certezas sobre o estado degradado das tropas russas. Os seus sistemas de ataque e de defesa aéreos estão a ser superados na mesma semana.

Então, para onde caminhamos? O Ocidente está entre a espada e a parede. Quanto melhor for o desempenho militar da Ucrânia no campo de batalha, menos provável é que Kiev concorde com algumas capitais europeias sobre a necessidade de negociações de paz com a Rússia. Quando estamos a ganhar, para quê concordar em conversar sobre uma forma de perder? E a NATO não pode começar a desacelerar o fornecimento de armas ou arrisca-se a ser alvo de críticas, até dos seus próprios cidadãos, de que está a deixar os ucranianos morrer. Não pode realmente exigir que Kiev aceite a perda permanente de parte do seu território, como parte de um acordo, sem parecer estar, no fundo, a apoiar a invasão da Rússia.

Em vez disso, a dinâmica é toda contra a Rússia. Quando estão fracos, não ficam subitamente fortes. São apenas fracos, parafraseando a opinião de um responsável ocidental. Será que estas lentas e contínuas humilhações antecipam o dia em que Putin se debaterá para controlar a sua própria hierarquia ou sucumbirá à pressão para se retirar de um território que ocupa desde 2014?

Enquanto esperamos pela resposta, as trajetórias permanecem inalteradas. A Ucrânia: fria no inverno, mas a ganhar e, aos poucos, a ter melhor armamento. A Rússia: fria no inverno, mas a perder e, aos poucos, a quebrar militarmente. A variável-chave é a paciência e o apoio do Ocidente.

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