O clube que Putin e Xi criaram para fazer frente ao Ocidente está prestes a ganhar um novo membro

CNN , Nectar Gan
4 jul, 09:00
O presidente russo, Vladimir Putin, e o líder chinês, Xi Jinping, assistem juntos a um concerto em Pequim durante a visita de Estado de Putin à China, a 16 de maio de 2024 (Alexander Ryumin/Pool/AFP/Getty Images/File via CNN Newsource)

O clube de países euroasiáticos liderado pela China e pela Rússia para promover a visão dos seus líderes de uma ordem mundial alternativa deverá expandir-se novamente esta semana - desta vez acrescentando um aliado russo convicto que apoiou abertamente a guerra de Moscovo contra a Ucrânia.

A esperada admissão da Bielorrússia na Organização de Cooperação de Xangai (SCO), na cimeira anual de líderes que se realiza em Astana, no Cazaquistão, é mais um impulso de Pequim e Moscovo para transformar o conjunto - de bloco de segurança regional em contrapeso geopolítico às instituições ocidentais lideradas pelos Estados Unidos e seus aliados.

A Bielorrússia, que ajudou a Rússia a lançar a invasão da Ucrânia em 2022, será o mais recente Estado autoritário a aderir ao clube, depois de o Irão se ter tornado membro de pleno direito no ano passado.

O líder chinês Xi Jinping e o presidente russo Vladimir Putin chegaram a Astana para a cimeira que começou esta quarta-feira, onde vão ter o segundo encontro este ano. O primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, líder da maior democracia do mundo, vai faltar à cimeira, o que revela o desconforto de alguns membros em relação ao rumo que a SCO está a tomar.

Fundada em 2001 pela China, Rússia, Cazaquistão, Quirguistão, Tajiquistão e Uzbequistão para combater o terrorismo e promover a segurança das fronteiras, a SCO tem crescido nos últimos anos em consonância com a ambição comum de Pequim e Moscovo de contrariar o que consideram ser a "hegemonia" dos EUA e remodelar o sistema internacional a seu favor.

Em 2017, o bloco sofreu a sua primeira expansão para acolher a Índia e o Paquistão. Com a adesão da Bielorrússia, o grupo passa a contar com 10 membros, que representam mais de 40% da população mundial e cerca de um quarto da economia de todo o planeta. Tem também dois Estados observadores, o Afeganistão e a Mongólia, e mais de uma dúzia de "parceiros de diálogo", de Myanmar à Turquia e aos Estados árabes.

A expansão da SCO ocorre depois de outro bloco liderado pela China e pela Rússia, o grupo dos BRICS - que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, as principais economias emergentes -, ter mais do que duplicado o número de membros e alargado significativamente o seu alcance global no ano passado.

Ambições crescentes

À medida que a SCO cresce em termos de visibilidade internacional e peso económico, as suas ambições geopolíticas também se alargam.

A esperada admissão da Bielorrússia, que faz fronteira com a União Europeia e a NATO, "realça realmente a forma como a missão da SCO mudou nos últimos anos", explica Eva Seiwert, especialista em política externa da China no Instituto Mercator de Estudos sobre a China (MERICS), em Berlim.

"Ao contrário do Irão, a adesão da Bielorrússia não é muito significativa em termos de cooperação económica ou de segurança. É por isso que defendo que se trata mais de uma jogada geopolítica", aponta.

Com a Rússia no terceiro ano da guerra contra a Ucrânia, a SCO tornou-se uma via diplomática crucial para Putin, bem como uma plataforma para mostrar que não está isolado a nível internacional. E como as relações entre a China e os EUA caíram a pique, Pequim está agora menos preocupada com o facto de a SCO ser considerada uma organização anti-ocidental - uma perceção que só se aprofundou após a admissão do Irão, nota Seiwert.

"Querem que a SCO seja vista como um bloco importante que já não pode ser ignorado", continua, dizendo que "com a adesão de todos estes países, a China e a Rússia [querem mostrar que] têm muitos apoiantes para as suas visões do mundo."

E nessa visão comum do mundo, não há lugar para os EUA na Eurásia.

Numa reunião com os altos funcionários do Ministério dos Negócios Estrangeiros no mês passado, Putin apresentou uma visão futura para "um novo sistema de garantias bilaterais e multilaterais de segurança coletiva na Eurásia", com a ajuda de organizações existentes como a SCO e um objetivo a longo prazo de "eliminar gradualmente a presença militar de potências externas na região euroasiática".

"Durante a minha recente visita à China, o presidente Xi Jinping e eu discutimos esta questão. Foi observado que a proposta russa não é contraditória, mas antes complementa e alinha-se com os princípios básicos da iniciativa chinesa de segurança global", disse Putin, que visitou Pequim em maio.

Fricções e mal-estar

Essa visão global de um futuro alternativo vai ser a "mensagem principal" para a China e a Rússia que sairá desta cimeira da SCO, diz Bates Gill, membro sénior do National Bureau of Asian Research.

Mas a adesão da Bielorrússia também cria grandes pontos de interrogação que irão pairar sobre a organização.

"Cria todo o tipo de problemas e novas questões sobre a reputação, a legitimidade e o mandato da organização, tendo em conta a natureza do regime bielorrusso e o seu apoio à violação flagrante do direito internacional por parte da Rússia e à invasão da Ucrânia", refere.

"É claro que a SCO pode tolerar regimes autoritários, mas, para o mandato da organização, isso diversifica e dilui ainda mais o seu foco original, que deveria ser a Ásia Central", reitera.

A expansão do bloco não se fez sem fricções - nomeadamente com a admissão dos rivais Índia e Paquistão - e as tensões entre Pequim e Nova Deli também aumentaram nos últimos anos, na sequência de confrontos mortais na disputada fronteira dos Himalaias.

A orientação cada vez mais anti-ocidental do grupo, na sequência da adesão do Irão e, agora, da Bielorrússia, também alimentou o mal-estar entre os membros que querem manter boas relações com o Ocidente, incluindo os antigos Estados soviéticos da Ásia Central.

"Nalguns aspetos, coloca os Estados da Ásia Central numa posição muito difícil", admite Gill. "Estão a seguir aquilo a que gostam de chamar diplomacia multitrajetória. Não querem comprometer-se a lidar apenas com uma grande potência, como a Rússia ou a China".

Gill, que visitou a Ásia Central em abril e maio, afirma que existe uma ambivalência nas capitais regionais sobre o futuro da SCO.

Modi passa

Também a Índia parece poder estar a perder o interesse. No ano passado, acolheu a cimeira virtualmente - um acordo discreto que permitiu a Modi evitar a ótica de receber Putin e Xi em Nova Deli, numa altura em que procurava estabelecer laços mais estreitos com os EUA.

Este ano, após a tomada de posse do seu terceiro mandato consecutivo, o líder indiano não vai à cimeira de Astana, apesar de os meios de comunicação social russos afirmarem que visitará o Kremlin na próxima semana.

"Isto diz-nos que ele não vê a SCO como o canal mais eficaz para defender os interesses indianos nesta parte do mundo", assinala Gill.

Até a China, o principal motor da expansão da SCO, está a procurar uma forma mais direta de se envolver com a Ásia Central - sem o envolvimento da Rússia.

No ano passado, cinco líderes da região tiveram uma receção generosa na cimeira inaugural China-Ásia Central na cidade chinesa de Xi'an, o ponto de partida da antiga rota comercial da Rota da Seda que ligava a China imperial às civilizações a oeste há mais de um milénio. Em março, foi criado na mesma cidade um secretariado permanente para o mecanismo China-Ásia Central.

Embora a China e a Rússia pretendam apresentar a SCO como um contrapeso às instituições lideradas pelos Estados Unidos, esta continua a ser um bloco muito mais fraco e menos coeso do que a NATO, a União Europeia ou o G7.

"Dado o aumento do número de membros com a Índia, o Paquistão, o Irão e a Bielorrússia, a organização será ainda menos uma aliança ou um agrupamento comum empenhado e mais um tipo de organização com visão estratégica (...) representativa de uma identidade euro-asiática", afirma Gill.

Após a cimeira de Astana, a China deverá assumir a presidência rotativa da SCO durante um ano.

Seiwert, o perito do MERICS, entende que Pequim irá trabalhar para encontrar mais pontos de contacto entre os Estados membros.

"Para a China, é importante que a SCO não falhe, que seja vista como um sucesso. Penso que também estão conscientes de todas as dificuldades que surgiram com todas estas diferentes expansões", crescenta.

"Se continuar a expandir-se - se a Rússia e a China continuarem a pressionar para que se expanda - então penso que a sua relevância regional irá diminuir".

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