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Juiz Rui Teixeira: amnésia ou “Yuppi, olha para mim a lixar os jornalistas outra vez”?

17 dez 2023, 18:34

Nada me diz que o juiz agiu de má fé. Mas auscultada a inteligência deste cidadão médio, tudo me diz que a amnésia de Rui Teixeira, ou não faz sentido, ou devia ser acompanhada. A confirmar-se, é um perigoso sintoma para quem ocupa funções de responsabilidade num tribunal superior.

Os juízes da Relação de Lisboa, venerandos desembargadores de um tribunal superior, descem com frequência à terra para explicarem ao mundo dos simples, em bom português, as decisões assentes em regras da experiência comum. Invocam, bem, a famosa inteligência do cidadão médio como pêndulo para o que faz ou não sentido. Todos se lembram, por exemplo, do “Quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vêm”, ditado que um juiz ali celebrizou para justificar, em acórdão, indícios de corrupção na operação Marquês. Tudo isto existe, e é bonito de se exibir ao povo, exceto se o alvo for o juiz-colega-do-lado, porque aí parece – parece! – ser ainda mais bonita a compaixão interpares. Quando se escreve de forma cândida que o juiz Rui Teixeira, coitado, só pode ter-se esquecido de que já tomara a decisão de mandar julgar jornalistas num processo mediático, objeto de 100 notícias e debates públicos, e que foi seguramente “por lapso” que o senhor doutor não se declarou impedido, e violou assim a lei mal o mesmo processo lhe voltou às mãos, então eu pergunto à desembargadora Maria Margarida Almeida: na cabeça de que cidadão médio cabe a sua explicação? 

Rui Teixeira, juiz de carreira fustigada e traumatizada pelas ondas de choque do processo Casa Pia, ainda andava eu na escola, deixou claro o seu conceito de liberdade de imprensa, a 20 de abril de 2022. Sobre dois jornalistas, um deles eu, que ousaram noticiar em 2018 as buscas a um juiz e a detenção de um dirigente do Benfica – explicando nas notícias o porquê, pasme-se –, escreveu o senhor desembargador no acórdão em que nos mandou para julgamento: “O que aqui está em causa é a fome de protagonismo. É o ter o ‘furo’, é o fazer a festa antes do outro. É o dizer ‘yuppi, olha para mim que estava lá quando prenderam o juiz’, ‘viva eu que sabia que estavam a revirar o Estádio da Luz’, ‘eu é que disse que as toupeiras foram detidas’. Tudo foi feito para o ‘furo”.

Sobre estas palavras, para as quais na altura me faltaram adjetivos, sobrou-me, no entanto, o respeito pela decisão soberana de um Tribunal. Seguiu-se a absolvição dos jornalistas em julgamento, e o que já não merece respeito foi o que se seguiu, já este ano: mal o recurso do Ministério Público entrou de novo na Relação, e calhou em sorte à mesma secção do dr. Rui Teixeira, este voltou a afiar a caneta em coerência com o que decidira um ano e sete meses antes: pela condenação. Violou o artigo 40. nº1, alínea d) do Código de Processo Penal, que o obrigava a declarar-se impedido por não poder intervir duas vezes a apreciar recursos do mesmo processo, e ninguém deu por isso. Ninguém exceto as defesas dos jornalistas, a quem foi agora dada razão. Será feita nova apreciação do recurso sem o juiz Rui Teixeira, que agiu por cansaço. 

Segundo a desembargadora que reparou o erro, está tudo bem: o colega devia ter-se declarado impedido, mas não o fez “por lapso – a que não será alheio o período temporal” entre a primeira decisão e a segunda, um ano e sete meses. Como pelo meio interveio “em mais de duas centenas de processos”, esqueceu-se deste – um processo tão banal, digo eu, que andou em todas as televisões e jornais pelas considerações do próprio Rui Teixeira e por, antes, na investigação, o Ministério Público ter decidido mandar vigiar jornalistas para lhes descobrir as fontes (método com o qual, desconfio, Rui Teixeira concordará).

Nada me diz que o juiz agiu de má fé. Mas auscultada a inteligência deste cidadão médio, tudo me diz que a amnésia de Rui Teixeira, ou não faz sentido, ou devia ser acompanhada. A confirmar-se, é um perigoso sintoma para quem ocupa funções de responsabilidade num tribunal superior.

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