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Colunista e comentador

Os "doutores" que auscultam uma "Cristianite" na Seleção são os que nem sabem curar as suas próprias dores de cabeça

2 jul, 17:36

Rui Santos considera que Cristiano Ronaldo está a ser tratado pelos “autofascinados” como um “ferido de guerra”, e não o merece. O comentador da CNN Portugal não vê esse rigor e exigência aplicados a quem não faz bem ao futebol. E Cristiano só faz bem ao Futebol e ao Mundo

Cristiano,

104 minutos e 48 segundos do jogo com a Eslovénia com 0-0 no marcador.

Tens a possibilidade de colocar Portugal em vantagem, através da conversão de um penálti muito perto do final da primeira do prolongamento, a castigar uma falta sobre Diogo Jota.

Partes para a bola e escolhes o lado esquerdo de Oblak e este, percebendo o lado para o qual irias rematar, faz uma defesa soberba para o poste, adiando a decisão do jogo para aquele que foi, também nos penáltis, o grande momento de Diogo Costa, o ‘herói’ de Portugal quando era mais preciso.

Veio logo de seguida o intervalo do prolongamento e não conseguiste evitar as lágrimas.

As lágrimas da frustração. As lágrimas de quem sentiu que falhou.

Tudo fizeste sempre, ao longo de mais de 20 anos de carreira, para seres perfeito. Mas não és perfeito. Ninguém é perfeito e, acredita, aqueles que te criticam por tudo e por nada, sem noção da sua própria pequenez e insignificância, só se vêem a si próprios, ofuscados por uma luz própria de falsa imaginação.

Na sede de um protagonismo fácil que nunca os satisfaz, acham que os holofotes da luz da fama se viram para eles, à conta das críticas que te fazem. Coitados! Nunca vão perceber!

Quando no desempate por penáltis conseguiste, desta feita, bater Oblak, que voltou a adivinhar o lado (contrário) do teu remate, tiveste o impulso de pedir desculpa e só te vimos sorrir, naturalmente, quando o principal objectivo de Portugal foi conseguido, também com a tua contribuição.

A ideia da existência de uma “Cristianite” na Seleção, uma doença altamente perigosa e contagiosa, só existe na cabeça daquelas pessoas que gostariam de ser como tu.

Os “doutores” que auscultam uma “Cristianite” na Seleção são os que nem sabem curar as suas próprias dores de cabeça. Talvez na farmácia encontrem remédio para a doença do seu autofascínio.

Há coisas que poderiam ser mais bem geridas na tua relação com a Seleção?

Acredito que sim e tu próprio deves ter a noção desse facto.

Se ninguém até agora, te convenceu, no plano das opções desportivas e no âmbito da psicologia, que não vem nenhum mal ao Mundo se não jogares sempre e se não marcares em todos os jogos, e se não bateres todos os recordes que te propões bater quando percebes que ainda há mais qualquer coisa para conquistar, ou foi porque ninguém se quis dar ao trabalho, sobretudo depois de se acharem os efeitos da tentativa de Fernando Santos, ou foi porque te achas credor de exercer o poder que conquistaste até ao fim.

Sim, até ao fim.

Quem quer ver nisso um capricho, avalia uma parte e não o todo. O que mais me desagrada é olharem para ti como se fosses, agora, o pior jogador do Mundo. Um inadaptado. Um ferido de guerra. O jogador das muletas. O ponta-de-lança que não tem mais nada a dar à Seleção Nacional.

Não há ninguém em Portugal e não há nenhum português no Mundo que, em 20 anos, e num quadro de exigência brutal, tenha feito tanto (e continua fazer) pelo País como tu.

O problema da mentalidade portuguesa é que convive muito melhor com a consagração da mediocridade e da quantidade nivelada por baixo do que com a consagração daqueles que ELEVAM o nível.

No desporto, no futebol, em todas as actividades.

O Cancelo vai para dentro e joga mais como médio do que como lateral? A culpa é do Ronaldo!

O Martínez coloca os jogadores fora dos lugares? A culpa é do Ronaldo!

O Pepe dá uma fífia? A culpa é do Ronaldo?

O João Félix joga mais nas revistas do que dentro do campo? A culpa é do Ronaldo?

O Martínez enche a cabeça dos seus pupilos com informação tática excessiva, de modo a que a Dona Hipotenusa entre em conflito com a soma dos quadrados dos catetos e com o próprio Pitágoras de Samos? A culpa é do Ronaldo!

Vamos lá ver se nos entendemos: não gostamos de ver na Seleção Nacional influências que não consagrem a meritocracia? Sim, claro.

Naturalmente. Como na sociedade.

Não há, a propósito, no futebol e nas sociedades tantos casos de sobreavaliação de pessoas que ainda não fizeram nada nas suas carreiras e já se acham a última Coca-Cola do deserto? E o problema é que ninguém lhes diz nada ou incute a noção de auto-crítica e respeitabilidade.

Querem que assuma da forma mais clara possível? Vamos a isso:

Bruno Fernandes e Bernardo Silva são excelentes jogadores? São! Intocáveis? Não! Nem Jesus Cristo foi intocável. Mas se quisermos abrir uma frecha para ferir o princípio benigno da intocabilidade então, sim, Cristiano Ronaldo, pelo que fez e pelo que faz, é o único que merece o estatuto de intocável.

Não tocar em Bruno Fernandes ou em Bernardo Silva para não tocar em C. Ronaldo é que é excessivo.

Fui bem claro? Estamos entendidos? E, se não estamos, façam melhor do que ele em nome de Portugal!

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