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Colunista e comentador

"Benfica e Sporting não ganham nada em estar de costas voltadas, porque ambos estão cheios de telhados de vidro"

18 jan, 16:35

Rui Santos analisa o conflito que emergiu entre o Benfica e o Sporting, com troca de comunicados e entende que há coisas mais importantes do que alimentar a salivação das turbas

Em vez de andarem a trocar comunicados, que apenas servem para alimentar o radicalismo das turbas e o redeísmo social, onde tudo se planta para descobrir a careca aos adversários e camuflar os excessos em causa própria, Frederico Varandas e Rui Costa deveriam ser mais efetivos na eliminação das ervas daninhas que têm nos seus jardins, embora neste aspeto — no combate aos bichos da relva do futebol — o presidente do Sporting tenha a seu favor um histórico que mais nenhum presidente tem.

É preciso reconhecê-lo, sem medo que o velho dirigismo desportivo fique muito aziado, revoltado ou indignado com a constatação.
 
Talvez seja isso que Frederico Varandas queira reclamar — uma posição singular no dirigismo desportivo nacional, um homem que chegou há 5 anos e pico à presidência de um grande clube português, ainda por cima após o período mais conturbado da sua história, a partir do qual foi preciso juntar os cacos da onda populista que assolou o Sporting, cujo episódio mais grave culminou com o ‘assalto’ à Academia de Alcochete.

Talvez tenha sido o direito de achar que o Sporting se colocou numa posição única na defesa da verdade desportiva e também no combate interno que o clube de Alvalade entendeu emitir um comunicado reagindo ao facto de dois ex-jogadores do Rio Ave (Cássio e Marcelo) terem confirmado há uma semana, em Matosinhos, o recebimento de propostas para  perder jogos contra o Benfica em 2016 e vai mais longe quando critica o Ministério Público de ter sustentado o arquivamento do processo quanto à Benfica SAD, deixando no ar a ideia de que não seria razoável em condições normais não estabelecer uma relação de causa e efeito entre a intervenção do empresário César Boaventura e a presidência encarnada, à data tutelada por Luís Filipe Vieira, a qual — segundo os “leões” — deveria ter sido aprofundada.

O MP não entendeu assim (recusando há nove meses a solicitação do Sporting) e, nessa matéria, Frederico Varandas sabia que o seu comunicado não iria servir  para mais nada a não ser para marcar uma posição de princípio, aliás como já havia marcado em diversos momentos deste processo.

O problema do Sporting não é, em primeira análise, com o Benfica, mas com o Ministério Público e com o aparelho da Justiça, a menos que saiba (não basta inferir) que Luís Filipe Vieira ou alguém, à data, ligado ao Benfica tenha encomendado o serviço a César Boaventura para aliciar jogadores de equipas adversárias a facilitar nos seus jogos contra a equipa dirigida por Rui Vitória, num campeonato de 2015-16 muito apertado em que a equipa leonina comandada por Jorge Jesus ficou a 2 pontos do título de campeão nacional.
 
Estaremos todos de acordo que não é fácil acreditar que César Boaventura tenha agido por conta própria, em nome do seu alegado “benfiquismo” (com todas as aspas possíveis), quando estavam em causa ofertas no total de cerca de 400.000 euros.

De facto, custa muito a acreditar — estando em casa oferecimentos que ultrapassam em muito o valor de um pequeno almoço numa leitaria de bairro — que César Boaventura tenha agido por conta e risco próprios, assumindo as consequências de querer, ilegalmente, beneficiar o Benfica. Quem se atravessa num caminho tão minado, se não fizer cálculos de indiscutível compensação ou cobertura de verbas, direta ou indiretamente?

É pública, de resto, a relação próxima entre César Boaventura e o ex-presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira.

Vieira deu muita largueza a Boaventura e não é de equacionar a hipótese de Boaventura achar que teria muito a ganhar, noutros negócios de transferências, por exemplo, se se revelasse muito ‘benfiquista’ para poder ganhar muito dinheiro em comissões.

É um risco, é uma loucura, mas podia ser o caso de querer agradar para poder ganhar muito dinheiro noutras operações, à custa de um processo de conquista de confiança junto de Luís Filipe Vieira, que sempre manifestou uma grande compreensão para “larguezas” deste género.

Pode Frederico Varandas achar - e bem - que cabe ao MP aprofundar as investigações porque aparentemente a bota não dá com a perdigota. Mas, apesar de ser difícil de aceitar, é verossímil que o MP não tenha encontrado uma prova formal e indiscutível de que César Boaventura tenha sido convencido por Vieira ou outro quadro dirigente do Benfica para levar a cabo a operação.

Nesse cenário, seria muito estúpido da parte de Vieira ou de alguém da estrutura dirigente do Benfica deixar um vestígio dessa natureza. O mesmo aconteceu no Cashball, em cujo processo a bota também não dá com a perdigota, aliás como assinalei num artigo que escrevi no site da CNN em 27 de maio de 2022, no qual considerei “tudo muito estranho”.

Tenho uma posição conhecida sobre factos que possam colocar em causa a integridade das competições e a verdade desportiva: intransigência absoluta. Seja quando estão em causa figuras afectas ao Sporting, ao Benfica, ao FC Porto ou a qualquer outro clube.

Tolerância zero para a corrupção. O verdadeiro combate à corrupção (e não apenas à corrupção desportiva) não pode ser desvalorizado por estar nele, com convicção, o Chega ou o PS; o Benfica ou o Sporting.

O combate à corrupção deve ser um desígnio nacional e é nisso, no quadro das suas responsabilidades, que Rui Costa e Frederico Varandas se devem concentrar.

É preciso lembrar que não foi o Benfica mas a Justiça a tirar Luís Filipe Vieira do clube da Luz. É preciso lembrar que foi o Sporting e não a Justiça a tirar Bruno Carvalho do clube de Alvalade, embora por razões distintas, e essa é uma diferença substancial.

É claro que quer Rui Costa e Frederico Varandas devem responder acima de tudo pelos factos que lhes podem ser imputados desde que são presidentes (embora Rui Costa tenha tido funções directivas de responsabilidade antes de assumir a presidência do Benfica) e, por isso, deveriam ter cuidados acrescidos com estas trocas de comunicados, porque o Sporting e o Benfica não nasceram com eles nem vão morrer com eles e a história das duas grandes instituições está cheia de muitos êxitos, realizações e um serviço inestimável ao desporto português, mas também têm muitos telhados de vidro resultantes de más práticas de alguns dos seus dirigentes e presidentes.

Por isso, meus caros Frederico Varandas e Rui Costa, concentrem-se nas tarefas de potenciar o melhor que Sporting e Benfica têm para dar à bola lusa e façam tudo o que estiver ao V. alcance para varrer o ‘boa-aventurismo’ que existe no futebol em Portugal.

É preciso, de facto, perceber a razão pela qual o boa-aventurismo cresceu tanto no Benfica (assim como o gonçalvismo) e por que razão há sempre tanto dinheiro para alimentar quem suga os clubes.

Este é, de facto, o ponto que interessa investigar. Terá o MP condições ou vontade política para o fazer? Ou estará a justiça tão politizada ao ponto de se ver confrontada, sistematicamente, com os agentes de bloqueio que lhe sugam a aura e a teórica grandeza do seu magistério?…
 

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