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Rio e Costa: nas intermitências da sorte

28 jan 2022, 08:28

Seja qual for o resultado do próximo domingo, depois de uma campanha praticamente vivida em empate técnico, há um fator que ambos os candidatos a primeiro-ministro disputaram sem o conseguirem controlar: a sorte. A sorte de não cometer um erro, de não dizer uma gafe, de uma arruada que corre menos bem mas não mal, de um rival que dá uma entrevista felizmente sem alarido, de um debate que não se ganhou mas não se perdeu, de se entenderem mesmo quando não se compreendem, de se perceberem quando discordam e de concordarem em discordar, de enfrentarem cada um a sua franja e de cada franja estar enfraquecida, de estarem perante uma pandemia que incentiva ao voto conservador num dos dois grandes partidos, mas num deles. Tudo isso é sorte, tudo isso é Costa, tudo isso é Rio, e tudo isso foi o vento que lhes deu vida apesar de não o segurarem nas mãos.

Rio tem a sorte de enfrentar um incumbente desgastado ‒ circunstância pela qual se limitou a esperar sentado ‒, de ter um partido unificado (ainda que à força) e de ter cultivado com sucesso a imagem de um político sério, honesto, contrastante com os demais. Duvidando mais ou menos de tais atributos, a verdade é que o eleitorado os reconhece no presidente do PSD. O modo como as acusações de “programa escondido” que António Costa lhe dirigiu não surtiram efeito é disso prova. Costa tem a sorte de contar com a arma de que Rio mais gosta ‒ a vitimização ‒, depois de ter visto os seus aliados parlamentares à esquerda deceparem-lhe a cabeça que depositara no cepo, via vénia em forma de frase: “No dia em que este governo depender de uma negociação com o PSD, acaba”. Ora, dependeu. E ora acabou.

Maioria absolutamente igual

Mas não foi apenas munidos de benesses que estes dois homens se viram ao longo das duas últimas semanas. O taco-a-taco favorece a tentativa-erro. E entre ajustes e reveses, a coerência foi matéria rara. O facto de ambos estarem cá há muito tempo ‒ e na respetiva função há bastante ‒ torna a contradição inevitável. Costa gira no posicionamento, Rio roda por posições. Onde o primeiro está farto, o segundo é indolente. O secretário-geral do PS atirou-se à esperança de uma maioria absoluta, quase implorando para não ser devolvido aos braços de Catarina e Jerónimo. Do excesso de irritação à falta de otimismo, abriu as possibilidades ao PAN e ao Livre. Daí não tardou a redistribuir convites ao PCP e ao BE, e o projeto de eco-geringonça rapidamente se converteu num regresso ao seu formato original. À velocidade das sondagens, a esquerda foi da intransigência de outubro à convergência de janeiro. Como tantos nas disputas internas do PSD, subestimaram Rui Rio. Não estamos todos cansados de cometer esse erro? Devíamos.

De piada em piada até à gargalhada final

A leveza com que o líder da oposição encarou os debates foi criticada, e com razões para isso. Mas a invejável taxa de rejeição que conseguiu quando comparada com a de Costa (ver tracking poll CNN) desvenda o racional por trás dessa postura. Rio não representa nada, além de si próprio. Representa Rio ‒ ou o Rio que nós tomamos como sendo ele. Não tem uma ideia e podia nem ter lido o seu programa eleitoral, se é que não o fez mesmo. A seu ver, vale mais do que o seu partido. E, a seu ver, mais do que qualquer proposta que este traga para cima da mesa. Vale por si. Valerá nas urnas?

Ao referendo à sua governação que Costa colocou diante do país ‒ ou ganha ou vai embora ‒ Rio respondeu com uma campanha de proximidade, de contacto direto, de ligação emocional. Ficaram para trás os temas internacionais (como a Rússia e a China) e os dossiers técnicos (como PRR e a inflação), sendo lusitanamente substituídos por gatos, gados e galinhas.

Depois de ter reagido à troika com a eleição de um partido animalista, o sistema político português produziu uma campanha eleitoral envolta em zoologia. A quem convém, realmente, isso? A Costa, que não tem mais a oferecer do que um Orçamento chumbado? Ou a Rio, que não foi mais nas últimas semanas do que um bonacheirão que invoca uma cabala face a qualquer questão?

Sobre salário mínimo, prisão perpétua, segurança social, serviço nacional de saúde, justiça, um eventual apoio do Chega e futuro diálogo com o PS, o líder do PSD tem uma opinião consoante o dia e uma tolerância consoante o interlocutor. Das autárquicas para cá, Rio não foi um catavento, foi uma eólica. E por baixo dos bigodes de Zé Albino ‒ e nas barbas dos eleitores portugueses ‒ é isso que está: um homem “do centro-esquerda”, que “teria feito pior do que Maria Luís”; um grande reformista, que nem às reuniões da sua proposta de revisão constitucional foi. O gato mia e a caravana passa. Costa fingindo que o PS não viabilizará uma vitória de Rio; Rio fingindo que não quererá os votos do Chega caso precise deles.

Entre a intermitência das sortes de cada um, o país ficará na mesma.

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