Fetos não sentem dor antes das 24 semanas. Como um neurocientista viu os advogados americanos antiaborto usarem (erradamente) a sua investigação

8 mai 2022, 20:25
Giandomenico Iannetti

Giandomenico Iannetti lamenta que tenha sido dado um “salto injustificado” entre a sua pesquisa e o artigo que está a alimentar os argumentos dos advogados que defendem o fim do aborto legal nos Estados Unidos

Foi através de colegas norte-americanos que o neurocientista italiano Giandomenico Iannetti descobriu que a sua investigação estava a ser usada – erradamente – por advogados antiaborto, que querem revogar a decisão histórica que concedeu o direito constitucional à interrupção voluntária da gravidez, conhecida como o caso Roe vs. Wade, de 1973.

O especialista em dor, que passou os últimos 16 anos como investigador na University College London e na Universidade de Oxford, acusa a equipa legal do caso Dobbs v. Jackson Women’s Health Organization de fazer “um salto injustificado” para alcançar o seu objetivo: que o Estado do Mississippi proíba o aborto após 15 semanas de gestação.

Isto porque os advogados assentam a sua posição num artigo sobre dor fetal publicado em 2020 pelo “Journal of Medical Ethics”, onde o autor Stuart Derbyshire - assumidamente pró-vida - recupera o trabalho de Iannetti para alegar que talvez não seja necessário um córtex cerebral - que permanece subdesenvolvido até às 24 semanas – para sentir dor. Ou seja, conclui que os fetos poderão sentir dor logo numa fase inicial da gravidez abrangida pelo aborto.

Consenso internacional

“Os meus resultados não implicam, de forma alguma, que o córtex não seja necessário para sentir dor. Sinto que foram mal interpretados e usados de uma forma muito inteligente. Aflige-me que o meu trabalho tenha sido mal interpretado e que se tenha tornado um dos principais argumentos deles [advogados]”, afirma Giandomenico Iannetti.

Os advogados antiaborto alegam que a ciência evoluiu desde 1973, quando foi consagrado o direito constitucional ao aborto nos Estados Unidos da América. Os principais cientistas e sociedades académicas na área da dor concordam que a ciência evoluiu, mas não no sentido que a equipa legal quer impor: os especialistas ouvidos pelo The Guardian insistem que o consenso científico de que os fetos não sentem dor nas primeiras 24 semanas permanece firme e “irrefutável”.

Com base nessa discussão interna, o Supremo Tribunal poderá revogar uma decisão com quase 50 anos, porque existirá, segundo o jornal Político, uma maioria de votos no sentido de anular o direito constitucional ao aborto. A decisão será tomada na próxima quarta-feira.

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