Marcelo não foi, mas quase tirou o protagonismo a Pedro Nuno: o que fica do 24.º Congresso do PS, onde o "diabo" se revelou

8 jan, 08:00
Pedro Nuno Santos no encerramento do Congresso do PS (Lusa/Miguel A. Lopes)

Três dias a apontar culpas a Marcelo Rebelo de Sousa e à justiça. Três dias a evidenciar união num “novo ciclo”, em torno de um novo líder. Três dias a traçar o retrato do “diabo”. Se não ligou nenhuma à reunião magna do PS, foi isto que perdeu

Marcelo: o alvo recorrente dos socialistas (menos de Pedro Nuno)

No discurso de despedida, António Costa marcou o tom. Lamentou que o Presidente da República não o tivesse deixado avançar mais com a regionalização e o veto (ultrapassado) ao diploma das ordens profissionais. Mas os socialistas quiseram ir mais longe, para responsabilizar Marcelo Rebelo de Sousa pela queda do Governo e pela crise política que se instalou no país, ao não ter aceitado a alternativa de manter o executivo com outra liderança. Só Pedro Nuno Santos procurou escapar a este tema, antecipando relações “boas” com Marcelo. De livre vontade só falou da Presidência para garantir que o PS apoiará um candidato “próprio”. Não foi direto, mas não deixou de ser interpretado como um sinal de um certo arrependimento pela escolha passada em apoiar indiretamente a recandidatura de Marcelo. Foi isso que veio dizer, palavra por palavra, Ascenso Simões. Foi “um erro”, porque Marcelo se tornou o “maior fator de instabilidade”, argumentou. Nem uma das mais altas figuras do partido, o presidente Carlos César, se inibiu de apontar o dedo ao Presidente da República: “O primeiro-ministro fez o que era institucionalmente requerido mas o Presidente da República, em resposta, não fez o que era politicamente devido”. Ficou claro que, para os socialistas, a culpa da crise política é de Marcelo. O ex-ministro Eduardo Cabrita disse mesmo que o país só vai a eleições antecipadas porque quem as marcou foi Marcelo: “é algo que também será avaliado e escrutinado pelos portugueses”. Edite Estrela avisou que “nem Presidente da República nem procuradores” têm o direito a condicionar a vontade do povo. Ainda tem dúvidas de que Marcelo foi o grande alvo deste 24.º Congresso do PS? Então fique com esta frase do histórico Manuel Alegre: “ninguém dissolverá o PS”.

(Lusa)

Críticas à justiça: o congresso paralelo do comentar-sem-querer-comentar

O 24.º Congresso do PS arrancou no mesmo dia em que se ficou a saber que António Costa era investigado por alegada prevaricação. À chegada, Costa dizia que não ia “falar com a justiça através da comunicação social”, porque a justiça também ainda não tinha falado com ele. “Os casos judiciais não são discutidos politicamente”, argumentava depois o sucessor Pedro Nuno Santos. Mas, por muito que os socialistas tenham procurado replicar a máxima de Costa “à justiça o que é da justiça”, o tema dominou as conversas paralelas do congresso e muitas das intervenções aos jornalistas. Eduardo Cabrita veio lembrar que a justiça “demitiu” o Governo e o primeiro-ministro há “dois meses” e ainda não o ouviu. Ferro Rodrigues veio lembrar que “não há coincidências entre os timings políticos e os timings da PGR”. Foi José António Vieira da Silva quem traria o nome de João Galamba, outro dos visados na Operação Influencer, para o palco do Congresso, ao afirmar ser “grave” que um cidadão tenha estado quatro anos sob escuta. Na frase mais marcante de Costa nesta reunião magna fica a sensação geral do partido: “Podem-me ter derrubado, mas não me derrotaram

(Lusa)

Direita: o “diabo” “vazio” colado ao Chega e com medo de “decidir”

“O diabo não veio por uma razão muito simples: é que o diabo é a direita e os portugueses não devolveram o poder à direita”. A frase de António Costa havia de contaminar outras intervenções, incluindo de Pedro Nuno Santos. Porque, ao longo de três dias de trabalho, todos os socialistas sabiam bem quem era o inimigo: o PSD, que procuraram sempre colar ao extremismo do Chega. Em contraponto, mostravam, estava o PS, como o verdadeiro defensor dos valores de Abril e da democracia. O novo líder do PS procurou traçar o retrato do inimigo com recurso a várias expressões: projeto “vazio”, “amarelecido”, “recauchutado”, “sem confiança”, “velhos do Restelo”, para quem “decidir” é um “pesadelo”. Ao contrário dos adversários, Pedro Nuno Santos quis afirmar-se como um fazedor, apesar dos percalços no caminho: “só erra quem faz ou tenta fazer - ao contrário daqueles que nada fazem e nada tentam”. Muitos outros se juntaram depois nesta tarefa de descredibilizar o inimigo, lembrando os cortes do passado, com o argumento extra de possíveis pontes com a extrema-direita. Augusto Santos Silva lembrou que só uma “vitória robusta do PS garante que o próximo Governo não fique refém da extrema-direita”. Fernando Medina veio dizer que a receita de cortes da direita não se pode repetir após a “vitória ideológica” do PS. Francisco César avisou que o PSD “não hesitará um segundo” se precisar do Chega para governar. Vasco Cordeiro apontou a geringonça à direita nos Açores como a “antevisão” do que aconteceria no país. Duarte Cordeiro alertou para o “risco real” de PSD e Chega recuarem nas políticas ambientais. E Ana Catarina Mendes traçou os riscos dessa aliança nas políticas de imigração. Não é uma preocupação “por taticismo”, insistiu Pedro Delgado Alves. O que está em causa, argumentam os socialistas, é a qualidade da própria democracia. No púlpito, Manuel Alegre deixou uma garantia sobre o Chega: “Não passará”.

(Lusa)

Depois de Costa, um “novo ciclo”: “disciplinado e sem ruturas”, mas cheio de promessas

O discurso de despedida de António Costa soube a pouco para muitos. Embora emotivo, não foi tão apoteótico como se tinha antecipado. O Congresso seguiu numa lógica de “rei morto, rei posto”, apesar das muitas mensagens de agradecimento que foram surgindo dirigidas a Costa. O partido quis mostrar que está unido num “novo ciclo”, como lhe chamou Pedro Nuno Santos, focado nos “problemas por resolver”. “Não queremos um país na média europeia. Ambicionamos um país de topo: no topo da qualidade de vida, da segurança e da inovação”, traçou. Isso não implica rasgar com o legado do antecessor, que não se limitou “a virar a página da austeridade”, mas antes a escrever um capítulo inteiro recheado de avanços para a história da nossa democracia”. “Nós não andamos a brincar às reformas, não mudamos por mudar”, resumiu. Por isso, está empenhado em manter um “rumo disciplinado e em coerência com o passado e com os valores, sem surpresas e sem ruturas”. Mesmo que muitas das promessas já traçadas, sem custos apresentados, possam levar a interpretação diversa. Pedro Nuno Santos acenou com o salário mínimo nos mil euros, dentistas no SNS, atualização das rendas a depender dos salários, aumento dos salários de entrada dos professores, valorização dos profissionais do SNS ou maior critério nos apoios às empresas. “Queremos decidir. Queremos avançar", insistiu. No discurso de encerramento, fez questão de vincar os seus valores e a ideia de que só com “cooperação” é possível construir uma “comunidade” e responder aos “problemas de todos”. Pedro Nuno Santos, o cuidador, tal como fez na tarde de sábado, quando o filho se sentou ao colo dele na mesa do congresso.

(Lusa)

Listas: um acordo prévio que acalmou os ânimos

Um Congresso também é, para muitos, um momento de distribuição de lugares. E o acordo encontrado entre Pedro Nuno Santos e o ex-rival interno José Luís Carneiro para uma lista de unidade para a Comissão Nacional, o órgão mais importante entre congressos, acabou por serenar os ânimos socialistas. À cabeça, nessa lista, surgem Francisco Assis, Alexandra Leitão e José Luís Carneiro. Outro rival interno, Daniel Adrião, também está representado.

A Comissão Nacional irá depois eleger a Comissão Política Nacional. Neste órgão de direção alargada vão sentar-se, entre outros, Augusto Santos Silva, Ana Catarina Mendes, Mariana Vieira da Silva, António Mendonça Mendes e Pedro Silva Pereira.

(Lusa)

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