"A ideia de cortar salários e pensões não é um trunfo do PS, é um património da direita". Entrevista a João Torres: diretor de campanha de Pedro Nuno Santos

7 jan, 08:00

João Torres será o diretor de campanha de Pedro Nuno Santos nas próximas legislativas. Em entrevista à CNN Portugal, adianta que o percurso da estrada está praticamente definido, passando por todas as capitais de distrito. Num mundo cada vez mais digital, o terreno ainda tem importância, sobretudo pelo “efeito mobilizador” das estruturas. Há pontos que vai ser preciso repetir como Porto, Lisboa e Braga, dada a sua importância estratégica. O também secretário-geral adjunto cessante do PS insiste na imagem de um Pedro Nuno Santos “fazedor” e promete uma campanha para “relembrar os portugueses” que o PS oferece “estabilidade, previsibilidade e segurança”, sem foco nas críticas ao principal adversário. Sobre o que o novo líder do PS não conseguiu levar a bom porto enquanto governante, João Torres diz que o tempo acabará por lhe “dar razão”

A palavra mais ouvida neste 24º Congresso do PS tem sido “união”. Isto é uma mensagem para convencer para dentro ou para fora?

É, antes de mais, a realidade. O PS está verdadeiramente coeso e unido neste momento. Passámos por um processo de clarificação interna. Foi possível preservar pontos de diálogo e de comunicação entre os candidatos. E agora, depois de termos um novo secretário-geral eleito, Pedro Nuno Santos, é possível demonstrar neste Congresso que o partido está mobilizado e está focado naquilo que para nós é mais importante: apresentarmo-nos aos portugueses como o partido capaz de fazer mais e melhor pelas portuguesas e pelos portugueses.

A questão da justiça tem, naturalmente, marcado as conversas paralelas deste Congresso. Será mais difícil fugir ao tema quando a campanha for para a rua?

Diria que não, porque há algo que o PS não fez, não faz e, seguramente, não fará, que é judicializar a política. Os temas da justiça devem ser tratados em sede própria.

Mesmo quando a oposição for utilizar as questões da justiça como arma de arremesso? 

Acho que isso diz muito sobre a oposição, caracteriza-a. O PS não faz qualquer tipo de aproveitamento político associado a questões que digam respeito a investigações por parte da justiça. Não é esse o nosso timbre. Nós fazemos política e queremos, justamente, ser reconhecidos por fazer política.

Vamos então à campanha. Como recebeu o convite para ser convidado para ser diretor de campanha de Pedro Nuno Santos?

É uma responsabilidade que vou desempenhar com muita honra, com muito gosto. É a primeira vez que serei diretor de campanha. Ao longo deste último ano e meio, em que tenho sido secretário-geral adjunto do Partido Socialista, isso reforçou aquela que é a minha proximidade com os territórios, com as estruturas do Partido e até com a realidade económica e social do nosso país. Tenho o enorme gosto, também, de conhecer Pedro Nuno Santos há cerca de 20 anos. O convite partiu, seguramente, do reconhecimento de que eu poderia desempenhar esta função com grande lealdade e afinco. O que, seguramente, farei.

Mas o convite veio diretamente de Pedro Nuno Santos? 

Veio, sim. 

Ambos têm um percurso semelhante no PS, tendo sido responsáveis máximos da JS. Este caminho para o topo do partido passa sempre pela juventude? É uma rampa de lançamento?

Pode ajudar, mas a história tem demonstrado que não é necessariamente um requisito. Por exemplo, António Costa foi secretário-geral do PS, foi militante da JS desde os 14 anos e nunca foi secretário-geral da JS. A história tem demonstrado que o contexto de participação na Juventude Socialista ajuda, seguramente, a conhecer pessoas, a interagir com militantes e dirigentes do Partido, mas ser secretário-geral [da JS] não é necessariamente um requisito para se ascender à liderança do Partido. 

Já está a desenhar a campanha eleitoral para as legislativas?

É um trabalho que, naturalmente, sofrerá uma aceleração, agora, nos dias seguintes, à realização deste Congresso. Ao longo dos próximos dias, das próximas semanas, teremos a oportunidade de organizar, de planear, de planificar melhor a campanha eleitoral. 

Mas quais são os pilares dessa campanha?

É uma campanha em que, sem querer restringir os pilares do ponto de vista da mensagem política, onde o Partido Socialista, seguramente, procurará relembrar os eleitores, relembrar os portugueses, de que é capaz de oferecer estabilidade, previsibilidade e segurança. 

Mas acha que os portugueses estão esquecidos dessas garantias?

Não, não estão nada esquecidos, mas nós queremos deixar ainda mais claro que o PS é o partido que pode proteger, salvaguardar, a estabilidade, a previsibilidade e a segurança de que os salários e as pensões aumentam; a estabilidade, a previsibilidade e a segurança de que continuaremos a investir num Estado Social forte, desde logo numa melhor saúde pública, numa melhor educação pública. Rejeitamos a ideia de privatização do Estado Social. E é o partido que pode, também, oferecer, a estabilidade, a previsibilidade e a segurança de que este caminho de progresso, de desenvolvimento económico e social, de solidariedade, é feito com profundo respeito pelo rigor das contas públicas

Neste Congresso, também António Costa acenou com a mensagem das “contas certas”. Esse é, realmente, o vosso trunfo? Usar esse trauma coletivo com o PSD para vincar o contributo do PS para contrariar essa política de austeridade?

Esse não é necessariamente um trunfo. Esse é um património e é um património da direita. Cortar salários, cortar pensões, desinvestir no Estado Social e, simultaneamente, desequilibrar as contas públicas, é um património da direita. É aquilo que a direita teve para oferecer aos portugueses há, sensivelmente, dez anos. O património do PS é um património diametralmente oposto, na perspectiva de que, como PS, aquilo que nós fizemos foi virar a página da austeridade e demonstrar que é possível obter melhores resultados econômicos, e até financeiros, do ponto de vista do défice, do ponto de vista da dívida pública, sem recorrer à austeridade. Não é necessariamente um trunfo. É o reconhecimento da realidade como ela é, de acordo com aquilo que os partidos foram capazes de fazer nos momentos em que tiveram a oportunidade. 

Numa campanha vende-se sempre um nome e um projeto. Enquanto diretor de campanha, como se vende Pedro Nuno Santos?

Pedro Nuno Santos é um grande mobilizador. É uma pessoa capaz de galvanizar as portuguesas e os portugueses. E de mobilizar as pessoas em torno de um projeto coletivo, em torno de uma missão coletiva, que é uma missão solidária, mas uma missão de projeção e de valorização de um país inteiro, de um “Portugal Inteiro”, onde todos têm um lugar, onde todos têm a possibilidade de aspirar a viver melhor. Essa é uma missão que nós temos. Ainda hoje demonstrou neste Congresso, uma grande qualidade com a sua intervenção: é capaz de mobilizar, galvanizar, puxar o país para a frente.

Nessa declaração, fez também alguns “mea culpa”. Diz que fez, que tentou, mas nem sempre foi possível ter os resultados desejados. Como é que se convence o eleitorado de que ‘agora é que é’, se no passado teve a oportunidade e não o fez? 

Eu não me revejo totalmente nessa ideia de que ele fez “mea culpa”. Acho que Pedro Nuno Santos traçou um cenário realista sobre a sua experiência da governação. Ele apresenta-se como um concretizador. Deu vários exemplos de muitas obras que já estão em concretização, que já foram realizadas, fruto do seu legado no governo. Ele diz, aliás, uma coisa que eu acho que é muito importante: é que só há atrasos de obras quando as obras existem. E para as obras existem é preciso existir, ou existirem, obreiros. Pedro Nuno Santos é um obreiro. E, portanto, mais do que fazer “mea culpa”, apresentou-se como um fazedor, como alguém que quer fazer acontecer e quer fazer acontecer com solidariedade e com contas certas.

E isso é suficiente para conquistar os portugueses quando eles, por exemplo, sabem que gastaram mais de 3 mil milhões na TAP ou que têm problemas a arranjar casa nas principais cidades do país?

No caso da TAP, a perspectiva é diferente. O PS, António Costa e Pedro Nuno Santos salvaram a companhia aérea nacional. E fizeram-no sem que ainda hoje se percebesse o que teria feito o maior partido da oposição em circunstâncias idênticas. No caso da habitação, sim, nem tudo está bem. Na habitação, como noutros sectores, esse reconhecimento foi também feito por Pedro Nuno Santos. Mas a verdade é que hoje há uma estratégia para a habitação no nosso país. E foi sempre, consecutivamente, o PS a liderar a discussão sobre a necessidade de termos novas políticas públicas e políticas públicas mais ambiciosas para o sector da habitação em Portugal. E muitas dessas políticas devem-se também ao empenho, à dedicação e à energia de Pedro Nuno Santos. 

Será o tempo a dar-lhe razão?

Acho que o tempo já está a dar razão a Pedro Nuno Santos. E dará ainda mais razão num futuro muito breve. 

Pedro Nuno Santos é conhecido pelo seu carácter um tanto ou quanto intempestivo. Pelo menos, é o que apontam vários especialistas na área da comunicação. Dizem que, para ser primeiro-ministro, terá de moderar-se. É algo que estão a trabalhar para a campanha? 

Acho que Pedro Nuno Santos é igual a si próprio e deve permanecer igual a si próprio. Rejeito essa ideia de que Pedro Nuno Santos é uma pessoa intempestiva. Talvez tenha havido interesse de algumas pessoas em colar-lhe essa imagem, que por vezes é tida como menos positiva. Mas penso que Pedro Nuno Santos não pode desvirtuar aquilo que é. Deve apresentar-se de forma inteira e transparente aos portugueses. Como tem feito até agora nesta caminhada para a liderança do PS.

Deixou também já claro quem é o principal adversário: a direita, nomeadamente o PSD. A mesma direita que tem procurado colá-lo a uma visão mais radical. Estas críticas de caráter - criticou, por exemplo, o “vazio” de Luís Montenegro - não poderão deixar os portugueses ainda mais descrentes face à política?

Penso que não. Porque a crítica, quando fundamentada em democracia, é positiva. E a crítica que se apontou ao líder do maior partido da oposição é uma crítica certeira. Temos um ano e meio de liderança do PPD-PSD por parte de Luís Montenegro e temos um total desconhecimento sobre o que pensa o PSD sobre muitos assuntos de maior relevância para a nossa vida coletiva. Essa ideia de que a liderança do PSD é uma liderança, uma liderança vazia, corresponde a uma crítica absolutamente fundamentada. Não uma crítica “ad hominem”, mas uma crítica fundamentada, política e de natureza política. As pessoas respeitam as críticas políticas quando as críticas políticas são fundamentadas. E foi isso que hoje Pedro Nuno Santos fez também. 

Mas uma campanha de críticas não poderá levar à desmobilização? 

Não acredito que vá ser uma campanha de críticas, até porque o PS esforçar-se-á e fará seguramente uma campanha pela positiva, uma campanha construtiva e uma campanha de apresentação de ideias, de medidas e de propostas concretas. Agora, a crítica também faz parte da política e, portanto, insisto nesta ideia, quando a crítica política é fundamentada, penso que ela é bem percebida e bem compreendida pelos eleitores. 

Está a preparar uma campanha para a maioria absoluta?

O PS, sempre que concorre a eleições, independentemente da natureza dessas eleições, concorre para ter o melhor resultado possível. O Partido Socialista deseja ter, ambiciona ter, o maior número de votos possível nas próximas eleições legislativas do dia 10 de março.

Que PS é que Pedro Nuno Santos herda? E que PS poderá deixar no final do seu ciclo?

Pedro Nuno Santos herda um partido com uma grande ambição de vencer as próximas eleições legislativas. E herda um partido que é, de longe, o partido mais representativo no nosso país. É um partido que tem uma grande conexão, uma grande ligação com as comunidades e com os territórios.

E o que poderá acrescentar-lhe?

Pedro Nuno Santos deverá ter a ambição, e terá, seguramente, de deixar um partido ainda mais forte. Está a acabar de chegar ao Partido Socialista, e não está seguramente, no seu horizonte, deixar estas funções de liderança. Vencer, servir Portugal, servir os portugueses, é esse o objetivo de Pedro Nuno Santos.

Mesmo quando as correntes políticas ditas de extrema-direita ganham força não só em Portugal, mas também noutros territórios europeus? 

E esse é um problema gravíssimo que nós temos em Portugal, porque a extrema-direita está a vencer a disputa no espectro político da direita portuguesa. A melhor prova, a melhor ilustração de que isso assim sucede é percebermos que, não necessariamente no conteúdo, mas na forma, partidos como o Iniciativa Liberal, ou mesmo como o PSD, estão a aproximar-se muitíssimo das metodologias da extrema-direita, em particular do Chega, desde logo na linguagem. É uma obrigação do Partido Socialista a ajudar a que, se a extrema-direita, é verdade, que está a vencer a batalha política de competição no espectro político da direita, não pode vencer a batalha da disputa política no país. 

E neste “novo ciclo” que agora se inicia, qual é que é o papel do João Torres? Está disponível para integrar um governo? 

É uma questão extemporânea, do meu ponto de vista. Neste momento, estou focado, e unicamente focado, em ajudar o Partido Socialista, em ajudar Pedro Nuno Santos a vencer as próximas eleições, porque tenho a certeza absoluta de que o país não deve perder a oportunidade de ter Pedro Nuno Santos, que é um grande fazedor, como primeiro-ministro de Portugal.

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