Marcelo? Precipitado. Chega? Não passará. PS pensa em 10 de março sem esquecer 7 de novembro

António Guimarães , com Lusa
6 jan, 22:00

Senadores do partido deixaram várias e duras críticas ao Presidente da República, mas também se atiraram à direita

A meio caminho entre a demissão de António Costa (7 de novembro) e as próximas eleições legislativas (10 de março), o PS não esquece uma data para apontar à outra. No Congresso socialista que decorre este fim de semana foram muitos os senadores que aproveitaram a oportunidade para lançar duras críticas ao Presidente da República pela dissolução do Parlamento, mas muitos deixaram também um tónico para 10 de março: o PS é o único capaz de impedir a ascensão do Chega.

Se as posições de pessoas mais ligadas à vida política são bem conhecidas – António Costa e Augusto Santos Silva, por exemplo, já referiram várias vezes não concordar com a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa – este sábado Manuel Alegre foi veemente nessa mesma visão.

O antigo secretário-geral socialista afirmou que os socialistas foram interrompidos “contra a sua vontade”, mas aproveitou a dissolução da Assembleia da República para uma mensagem de união: “pode dissolver-se a Assembleia da República” mas o partido “não está dissolvido”.

“Ninguém dissolverá o PS. Ninguém dissolverá a capacidade de resposta, o espírito de resistência do PS que tem mais de 50 anos e nunca virou a cara à luta”, garantiu, dizendo mesmo que a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa “foi um erro de precipitação gerador de incerteza”.

"Menos de um ano depois da maioria absoluta já quase toda a direita pedia a demissão [de António Costa]. Tanta manigância acabou por dar os seus frutos, trocando o certo pelo incerto e a estabilidade pela instabilidade", considerou.

Igualmente duro foi o presidente do PS, acusou o chefe de Estado de não ter feito o que devia após a demissão do primeiro-ministro, poupando o país a eleições, mas avisou que os socialistas não ficarão prisioneiros das circunstâncias.

No início da sua intervenção, Carlos César visou a atuação de Marcelo Rebelo de Sousa, considerando que “o país devia ter sido poupado a esta interrupção gerada pela decisão de convocação de eleições antecipadas”.

“É hoje amplamente reconhecido que, nas circunstâncias então difundidas, o primeiro-ministro [António Costa] fez o que lhe era institucionalmente requerido, mas o Presidente da República, em resposta, não fez o que politicamente era devido”, criticou o membro do Conselho de Estado, recebendo muitas palmas.

Já o presidente da Assembleia da República defendeu que “só uma vitória robusta” do PS nas próximas legislativas garante governabilidade e que o executivo “não fica refém” da extrema-direita, criticando a interrupção “injusta e precipitada” do atual ciclo político.

Num discurso no 24.º Congresso Nacional do PS, em Lisboa, Augusto Santos Silva referiu que, há dois anos, dois milhões e 300 mil portugueses “deram um mandato claro ao PS para uma maioria sólida no parlamento português e para um Governo de quatro anos para executar o seu programa”.

“Esse caminho foi injusta e precipitadamente interrompido por razões que são totalmente alheias ao Governo, ao parlamento e à opinião pública portuguesa, mas esse caminho tem de ser prosseguido, o que significa a renovação do mandato nas próximas eleições”, disse.

A extrema-direita e uma vitória ideológica

Como muitos outros militantes que foram passando pelo púlpito, Manuel Alegre garantiu que “com o PS os inimigos da democracia não passarão” e repetiu, por duas vezes, deixando um recado: “o Chega não passará”.

Foi a mensagem mais contundente, mas muitos outros tiveram o mesmo foco.

Carlos César decidiu mesmo dar um exemplo prático: o antigo líder parlamentar socialista usou a experiência governativa do cessante executivo regional dos Açores para advertir que, se a direita for maioritária após as próximas eleições legislativas, seguirá o mesmo modelo no país.

“Se a direita ganhasse as próximas eleições nacionais, teríamos um Governo de um jogo sem rei nem roque, onde cada partido, da direita à extrema-direita, disputa o seu bocado de poder e pouco mais quer saber do que como lucrar com ele”, atacou.

André Moz Caldas, coordenador da moção de José Luís Carneiro, advertiu que os socialistas têm de impedir o acesso da extrema-direita ao poder e assumirem-se como ponte de diálogo entre as forças democráticas.

Estes recados foram transmitidos pelo atual secretário de Estado da Presidência na apresentação da moção de orientação política da candidatura derrotada de José Luís Carneiro à liderança do PS – documento que disse celebrar “orgulhosamente” o legado de oito anos de governos de António Costa.

Já o ministro das Finanças abriu o espetro de críticas a toda a direita. Num discurso de pingue-pongue entre as medidas do PS e as medidas e críticas à direita, Fernando Medina reclamou uma “vitória ideológica” para a governação do PS com a estratégia de desenvolvimento económico que assegurou equilíbrio orçamental e defendeu que a receita da direita não se pode repetir.

É a política de contas certas, claro, mas que o ministro das Finanças defendeu ter ocorrido num "período de conquistas para os portugueses e para o país" que constituiu uma "vitória ideológica da social-democracia face a todas as correntes ideológicas, em particular as da direita".

"No desenvolvimento da economia, nós defendemos sempre que era preciso mais empregos, melhores salários, mais proteção social, mais qualificações dos portugueses, mais investimento em ciência e tecnologia, mais inovação, mais exportações. Conseguimos ter os resultados", afirmou.

Segundo Fernando Medina, perante os desafios económicos, "a resposta da direita é a austeridade, é a desvalorização dos salários, é a desvalorização do Estado social e o seu retrocesso e é a diminuição dos impostos para as grandes empresas".

O ministro das Finanças referiu-se depois a objeções por parte do PSD aos aumentos do salário mínimo nacional, vistos como "um risco à competitividade" das empresas.

"O salário mínimo neste período passou de 505 euros para 820 euros – mais 315 euros por trabalhador – e, ao mesmo tempo, a nossa economia está mais forte, produz mais, tem mais emprego e gera melhores salários para todos. Ganhámos esta batalha ideológica", acrescentou.

Medina apontou também uma preferência da direita pela redução do "IRC para as grandes empresas" em vez do IRS, reclamando também neste ponto uma "vitória ideológica" para o PS.

O PS tem seguido "uma política de defesa, de proteção e de avanço do Estado social", enquanto "a alternativa da direita" consiste em "transferir recursos para o financiamento das entidades privadas no nosso país", sustentou, para concluir: "É uma alternativa que falhou em todos os países e não podemos sequer aceitar que se repita sequer como hipótese no nosso país".

O ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa considerou que o PS se apresenta "mais forte, mais unido, mais capaz de enfrentar as eleições do que qualquer partido da direita" e recomendou que "à campanha dos casos e dos insultos" se responda com "as respostas aos problemas dos portugueses".

No seu discurso, Medina contestou a ideia de "plafonamento da Segurança Social", com a qual acusou a direita de querer vender "a ilusão de que os jovens pagam menos para a Segurança Social", quando "a realidade é que verão diminuir as suas pensões para o futuro deixando cada um à sua sorte".

Quanto às contas públicas, realçou que o défice e a dívida diminuíram com os governos do PS chefiados por António Costa e criticou também neste ponto a anterior governação PSD/CDS-PP: "Eles falharam. O défice em 2015 era de 4,4%, a dívida pública nuns inimagináveis 131% do produto. Ora, nós vencemos esta batalha ideológica".

Assis vira a página

Talvez cansado de ouvir tantos camaradas a apontarem o dedo à Justiça e ao Presidente da República, Francisco Assis alertou que a campanha que aí vem deve ser feita pela positiva, e nunca com base no medo ou ressentimento.

O presidente do Conselho Económico e Social, que também passou a ser líder da Comissão Nacional do PS, afirmou que o país está numa fase “crucial”, colocando-se pela frente um “quadro complexo”.

“O PS deve enfrentar estas eleições pela positiva, apresentando ao país medidas concretas com toda a clareza. Não cedamos à tentação de fazermos uma campanha com base no medo, nem com base no ressentimento de qualquer espécie. Mesmo que esse medo seja legítimo, mesmo que esse ressentimento possa ter alguma razão de ser”, salientou Francisco Assis.

Na parte final da sua intervenção, o antigo líder parlamentar socialista voltou a este tema, depois de se ter manifestado certo de que o PS vai ganhar “por margem significativa” as eleições legislativas de 10 de março.

“Vamos ganhá-las porque não vamos explorar medo, não vamos explorar ressentimento. Não vamos ganhar eleições em nome do prolongamento de nada e não vamos ganhar eleições em nome do passado de que nos orgulhamos. Vamos ganhar as eleições com base num futuro que, em conjunto, seremos capazes de criar”, contrapôs.

No seu discurso, Francisco Assis também deixou um pequeno recado relativo à extrema-direita: o líder da Comissão Nacional advogou que o PS deve estabelecer uma diferença clara entre adversários e inimigos, sendo os inimigos aqueles que não respeitam as instituições democráticas, numa conjuntura mundial em que se está a formar uma “autêntica internacional da extrema-direita, da América do Norte à Europa”.

Neste contexto, referiu a tese segundo a qual, “se as civilizações morrem, também as democracias podem morrer”, razão pela qual o PS deve apresentar medidas que “satisfaçam as expectativas dos portugueses”.

Francisco Assis deixou em seguida um alerta sobre as consequências nefastas de uma eventual rutura entre a classe média (o grosso dos contribuintes) e o Estado social, após ter pedido mudanças em áreas como o Serviço Nacional de Saúde (SNS) ou a educação – setor em que “importa responder às inquietações dos professores”.

“Desde Aristóteles que sabemos que as classes médias são vitais para a afirmação da democracia, mas também sabemos desde a afirmação dos fascismos que as classes médias, quando desistem, são as principais coveiras das democracias”, declarou.

Seguiu-se o aviso: “No dia em que a classe média portuguesa deixar de enviar os seus filhos para a escola pública, ou deixar de recorrer ao SNS ou aos serviços do Estado nos mais diversos domínios; no dia em que a classe média portuguesa chegar à conclusão de que há uma rutura entre o seu esforço contributivo e os seus benefícios sociais, então nesse dia Estado social entrará numa crise terminal”.

“Será uma das mais graves regressões sociais”, acrescentou.

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