opinião
Comentadora de política da CNN Portugal

Espelho meu, espelho meu, quem é mais do “centro" do que eu?

27 nov 2023, 09:56
Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro (DR)

MEMÓRIA DA POLÍTICA || Jornalista inicia neste texto coluna de opinião em que recupera memórias da política para trazer novas luzes à atualidade. Começando por um excerto de uma entrevista com Mário Soares...

Ciciclamente, o PS olha para dentro de si e tenta uma refundação que não é bem ideológica mas mais de praxis política, ou seja, uma reflexão sobre os meios para atingir os fins  – ganhar eleições, governar...

Em especial, nos momentos de crise política em que escolhe novos líderes tentando apresentar-se de "cara lavada".

Nos dias que correm já vimos um apoiante de Pedro Nuno Santos a declarar que ele é herdeiro de Mário Soares e António Costa.

A generosidade do elogio é do amigo de sempre, Duarte Cordeiro, e representa, de alguma forma, a ideia que este Pedro é o rosto do verdadeiro socialismo democrático/social-democracia do "pai fundador" Soares e, simultaneamente, um sucessor do pragmatismo e capacidade negocial do “fazedor” Costa.

E que tem os atributos de ambos: “força, coragem, carisma e convicção”.

Mário Soares e António Costa, fotografados em novembro de 2014, então num Congresso do PS. Foto Lusa. 

O oponente José Luís Carneiro respondeu na CNN Portugal que ter “carisma é ganhar eleições” ao centro, onde está a maioria do eleitorado.   

No fundo, arrogando-se de ter a fórmula certa, a tão falada autonomia estratégica que coloca o PS como partido "charneira" entre a esquerda e a direita que escolhe os parceiros e aliados em função dos desafios e objetivos.

José Luís Carneiro também invocou a memória de Soares, que terá interpretado bem os sinais dos tempos ao fazer alianças com os sociais-democratas do PSD e com os democratas-cristãos do CDS, no pós-25 de Abril, para garantir as liberdades e uma democracia ocidental sólida. .

Nesta primeira crónica sobre a "Memória da Política" recuemos nestes 50 anos para perceber melhor o que se passa hoje no Partido Socialista.

Em conversa com um dos fundadores de 1973, Alberto Arons de Carvalho, fica a ideia que o PS “arrumou” a identidade ideológica cedo, transformando-se num partido de matriz social-democrata a que Soares chamou socialismo democrático.

Com a identidade clarificada, Arons de Carvalho sublinha um traço fundamental: a latitude e liberdade com que cada líder olhou para as conjunturas políticas, ora colocando o partido mais ao centro, ora mais à esquerda, mais no centro-esquerda ou até no centro-direita.

E isso permitiu, diria eu, ter líderes com uma certa “plasticidade" política que agiram em função de cada tempo político, social e económico. 

Desde o fundador da nossa democracia, o pragmático Soares, ao católico António Guterres, aos mais esquerdistas Jorge Sampaio e Ferro Rodrigues, ao "construtor" da geringonça António Costa, ao mais liberal António José Seguro ou ao  “modernizador", transformado em "animal feroz", José Sócrates

Tentando salvaguardar o essencial da matriz ideológica os vários líderes lá foram “navegando" entre a social-democracia dos direitos, liberdades e garantias e a consolidação do Estado Social e o socialismo de mercado que se afirma, mais claramente, com a Nova Maioria de António Guterres.

Esta mistura de estado social com privatização de parte da economia e abertura ao setor privado (na saúde, por exemplo) foi a receita do amigo Tony Blair em 1997, a chamada Terceira Via que Guterres lançou, de alguma forma, em 1995.

Esta caminhada socialista está cheia de escolhos, crises e muitas contradições, como é próprio dos grandes partidos, em especial nestes 50 anos tão cheios de inesperadas interrupções e recomeços de ciclos políticos.

Por isso voltarei a esta Memória da Política deixando, para já um aperitivo final, com uma entrevista do Correio da Manhã e Rádio Clube Português a Mário Soares (vide Arquivos Fundação Mário Soares), em setembro de 2008, quando já governava José Sócrates (que admirou até ao fim...contra tudo e todos).

Um Soares que (já longe dos “fatos" de primeiro-ministro e Presidente da República) se tornou num dos grandes críticos da Terceira Via e do próprio Guterres por ter escolhido, em certos momentos, “menos estado e mais privados”.

Excerto da entrevista a Mário Soares:

“Muitos dos dirigentes do PS apostaram na terceira via. E foram blairistas ao princípio.
- Mas agora já não são.

Agora já não são?
- Acho que não.

- O que são, então?
- Bem, voltaram, regressaram aos valores socialistas, muitos deles. E espero que esse regresso continue. Porque há um grande economista, que não é socialista, que é o Joseph Stiglitz, prémio Nobel da Economia, que publicou um artigo há pouco tempo em que diz isto: “O Ocidente só se pode salvar se o sistema for reformulado”. Todo. E se partirmos do princípio que o sistema está apodrecido e só vejo que haja entidades capazes de fazer isso que são os socialistas. Os socialistas democráticos. Bem, mas para isso é preciso que sejam socialistas, isto é, que tenham a preocupação primeira nas questões sociais...

 

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