Neto de sapateiro não convence nas sapatarias. Nem os idosos em Peniche quiseram esperar por Pedro Nuno

28 fev, 18:48
Pedro Nuno Santos em campanha em Leiria (Lusa)

Leiria é território inimigo. Leiria é território para falar do inimigo, usando a imigração, o aborto e as pensões. Por aqui, à passagem de Pedro Nuno Santos, os rostos contorcem-se. Não estão convencidos. E o socialista não dá grandes oportunidades para mudar o estado de espírito. É fugídio no contacto. E quando a vida lhe dá oportunidade para mostrar que a rua é zona de conforto, o secretário-geral do PS perde a oportunidade. Gostava de provar grilos? "Provaria". Mas não provou. Nem as castanhas de Maria de Jesus

Bate leve, timidamente, à porta de cada loja. Faz favor de entrar, Pedro Nuno. E ele lá entra, como um raio. Vai ser bom, não foi? "Foi tudo muito rápido. Desejei boa sorte. Acho que encaixa bem nos sapatos de primeiro-ministro". Para Sebastião Nóbrega, com sapataria aberta no Centro Comercial Maringá, em Leiria, fica a bandeirinha do PS. "Lá em casa sempre foi PS, mesmo que as coisas não corram muito bem".

É caso raro em Leiria, território onde o PS só conseguiu passar o PSD nas últimas legislativas. Depois de cada entrada de Pedro Nuno Santos no comércio local, pergunta-se aos empregados se estão convencidos. Os rostos franzem-se. Não estão agradados com a solução socialista. É a rejeição em território que, à partida, deveria ser confortável. Ou não fosse o candidato, nas palavras do próprio, "neto de sapateiro". 

Sebastião é dos poucos que não tem rodeios no apoio a Pedro Nuno Santos (CNN Portugal)

Isabel Bastos, lojista, faz parte do partido dos indecisos. "Ele só disse que o pai já vendeu marroquinaria". Isso não chega. Algumas portas abaixo, noutra sapataria, Luís Sequeira conta que o voto "está fechado" (e não, não é em Pedro Nuno). As colegas dizem que ainda precisam de ler as propostas. Ninguém se compromete no apoio. Salvam-no os militantes empenhados, que fazem questão de furar os jotas para um beijinho aqui, um aperto de mão acolá.

Apesar da tradição familiar, sapatarias não foram território de conforto para Pedro Nuno (CNN Portugal)
Apesar dos beijos, o contacto nas ruas ainda é tímido (Lusa)

Nem Maria de Jesus, que há 54 anos vende castanhas no centro de Leiria revela o voto. No final da arruada, o secretário-geral do PS passa por ela. E Maria de Jesus lá abre a exceção. "Aqui há três coisas que não se pode discutir: política, religião e futebol. Mando-os para o castelo falar à vontade". Ela está habituada às contas. E como tal, tem algo a dizer a Pedro Nuno neste matéria: "tem de ter muita sorte". Castanhas é que o sucessor de António Costa não levou. Havia uma encomenda para aviar primeiro.

Maria de Jesus desejou a Pedro Nuno o mesmo que já tinha desejado a Costa: "sorte", porque sabe que as contas não estão fáceis (CNN Portugal)

"Não é Pedro Nuno Santos que me tira a vontade de emigrar": as críticas dos fazedores

Em Leiria, nem castanhas nem grilos. Pedro Nuno Santos não prova nenhum. E não é por falta de oportunidade. A manhã é passada na StartUp Leiria, que dá apoio a 150 empresas. O socialista passa por alguns projetos. Repete a mesma expressão para todos. "Boa, boa". O fazedor é parco a alongar-se nas conversas.

Também aqui tem dificuldades em convencer. "Não é Pedro Nuno Santos que me tira a vontade de emigrar. O PS já me fez ter vontade de ficar, antigamente. Olhava para o PS e acreditava". Guilherme Serrão, 25 anos, agora já não acredita. "Ao entrar no mercado de trabalho e a querer expandir, sinto-me castrado". Agora virado para os liberais, desenvolve publicidade interativa, numa empresa liderada por franceses que escolheram Portugal para trabalhar.

Guilherme (à esquerda) sonha com o estrangeiro. Sothida (à direita) não quer sair de Portugal (CNN Portugal)

E que têm uma visão diferente do país. Sothida Hem é a responsável: instalou-se em Leiria há seis anos. "Quero ficar, quero ficar em Leiria". Admite que os salários são baixos, mas há mais qualidade de vida. Na visita, Pedro Nuno acaba a experimentar a publicidade. E acaba por se cruzar com uma laranja. "A laranja não ganha, não tem hipótese".

É das poucas vezes em que o candidato a primeiro-ministro se permite desconstruir, relaxar. Tem oportunidade para experimentar boxe. Tem oportunidade para experimentar comer um grilo. Não faz nem um nem outro. 

Do outro lado tem José e Sandra Gonçalves. Apontando para a barba branca, o empresário mostra que não anda a empreender há pouco tempo. Na The Cricket procuram utilizar grilos para alimentação humana. É normal que se estranhe. O eventual receio quanto a esta fonte de proteína "vem da ideia de imaginarmos um monte de insetos no prato", justifica. Mas há outras formas de o servir, em farinha, por exemplo. Pedro Nuno não prova.

Os jornalistas perguntam se já comeu grilo. Pedro Nuno diz que não. "Mas provaria". Não foi em Leiria (CNN Portugal)

"Será sempre muito difícil uma startup em Portugal competir com aquilo que outras empresas conseguem lá fora". É sempre David contra Golias. Ainda para mais quando a parte mais fraca está há quase dois anos à espera de um apoio público de 30 mil euros.

Uma situação "gritante", mas não exclusiva. Para Nuno Fonseca, da Sound Particles, para quem "99,5%" do negócio é feito lá fora. Tem um software que permite efeitos sonoros para grandes produções de cinema e séries. Quer exemplos? Guerra das Estrelas, Guerra dos Tronos, Missão Impossível, Indiana Jones ou Oppenheimer. Tudo a partir de Leiria.  

"Acima de tudo, a maior parte das medidas são boas intenções. Agora falta é concretização. Há programas de apoios que duram mais de um ano. Isso é uma eternidade para uma startup", lamenta. Queixas que faz chegar a Pedro Nuno Santos quando chega a hora do cumprimento.

Empresa de Nuno Fonseca trabalha para os maiores estúdios de cinema do mundo (CNN Portugal)

Pedro Nuno defende imigrantes ("respeito, respeito") e o direito ao aborto

Também nas startups de Leiria Pedro Nuno Santos encontra trabalhadores de várias nacionalidades, incluindo russos. É a oportunidade ideal para responder a Pedro Passos Coelho, que na aparição na campanha da AD veio associar a imigração ao aumento da sensação de insegurança. É tempo de pedir "respeito, respeito" por aqueles que escolhem Portugal para trabalhar.

"As pensões em Portugal estão a ser financiadas por trabalhadores imigrantes", "eram vários os setores económicos que paravam se não fosse a imigração", insiste.

Críticas a Montenegro também para falar de aborto, depois de o vice-presidente do CDS-PP, Paulo Núncio, candidato por Lisboa, ter sugerido um novo referendo neste tema. "Para mim, é um assunto resolvido na sociedade portuguesa", "queremos apontar para o futuro, não para o passado". Daí o apelo às mulheres para o voto no PS.

A única palavra de conforto para a AD vem por causa do ataque com tinta verde a Montenegro. Por duas vezes, Pedro Nuno condena, lembrando o "direito de todos os candidatos apresentarem os seus projetos livremente". E deixa um recado aos ativistas: "desta forma, só chamam a atenção para a tinta, não chamam a atenção para a causa".

À mesa para o almoço está o antigo cabeça de lista por Leiria, António Lacerda Sales, sobre quem Pedro Nuno não quer falar quando confrontado pelos jornalistas. Não faz parte das listas, depois da polémica com a alegada cunha às gémeas luso-brasileiars no Santa Maria. A dianteira da lista por Leiria cabe agora a Eurico Brilhante Dias. A associação de Passos Coelho, compara o candidato, "é mesmo o diabo na nossa democracia". A Montenegro deixa um pedido: "Não deixe que essa sigla [AD] seja enlameada e envergonhe os verdadeiros democratas".

No almoço em Leiria falou-se de imigração, aborto e pensões (Lusa)

Está pronto para defendê-los... mas os idosos não querem esperar por ele

A vida tem destas ironias. Depois de Montenegro se ter comprometido a sair se tivesse de cortar pensões, Pedro Nuno mostra-se "muito preocupado" com os pensionistas. "O que o PSD nos está a dizer é que, ao primeiro aperto, são os mesmos os atingidos".

A agenda do dia, já em Peniche, incluía pensionistas. Incluía, porque a visita a um centro social tem de ser cancelada. Como Pedro Nuno se demora na passagem por uma empresa de moldes, o relógio passa das 17:00. Os jornalistas recebem uma mensagem a avisar que os idosos "já foram para casa". "Como tal, vamos ter de cancelar a iniciativa".

No café ali perto, A Paparoca, também ninguém sabia da visita de Pedro Nuno Santos. Também ninguém mostra grande vontade de sair para vê-lo. "Para que é que vou lá vê-lo ao vivo?". 

Pedro Nuno Santos atrasou-se na visita a uma fábrica na Marinha Grande. E os idosos de Peniche não esperaram por ele (Lusa)

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